Comportamento

País no Oriente Médio oferece salário de US$ 21 mil para bancários

Recrutadores dizem que as pessoas com menos anos de experiência podem conquistar um cargo mais elevado

País no Oriente Médio oferece salário de US$ 21 mil para bancários
Boom salarial motivado pelo entusiasmo expansionista do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Foto: REUTERS VIA SAUDI ROYAL COURT
  • As regras severas e a perspectiva de um estilo de vida monótono na Arábia Saudita muitas vezes deixa os expatriados relutantes em se mudar
  • Ao mesmo tempo, a oferta de funcionários locais experientes é escassa
  • Isso está alimentando uma batalha por talentos e aumentando os salários, segundo banqueiros e headhunters

Mesmo enquanto a comunidade financeira global luta contra demissões e bônus mais baixos, os empregos no setor bancário continuam abundantes e os salários estão aumentando numa área inesperada do mundo: a Arábia Saudita.

É um boom salarial motivado pelo entusiasmo expansionista do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que está cheio de dinheiro das vendas de petróleo e determinado a tornar a economia do país uma potência financeira.

Veículos estatais como seu Fundo de Investimento Público (PIF, na sigla em inglês), com mais de US$ 600 bilhões em ativos, estão contratando numa velocidade alucinante, muitas vezes recrutando profissionais de empresas estrangeiras com sede no país. Os bancos de Wall Street também estão desesperados para se expandir, atraídos pela promessa de acordos vinculados a uma tentativa desmedida de reforma econômica.

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Mas, na prática, a contratação está demonstrando ser um desafio. Embora MBS, como o governante é de fato conhecido, tenha flexibilizado muitas regulamentações sociais, o álcool ainda é proibido e as relações extraconjugais e homoafetivas permanecem puníveis como “crimes morais”.

As regras severas e a perspectiva de um estilo de vida monótono em Riad muitas vezes deixa os expatriados relutantes em se mudar. Ao mesmo tempo, a oferta de funcionários locais experientes é escassa. Isso está alimentando uma batalha por talentos e aumentando os salários, segundo banqueiros e headhunters.

A consultoria de recrutamento Hays estima que a maioria dos profissionais do setor bancário na Arábia Saudita pode ganhar praticamente 20% a mais do que seus colegas nos centros financeiros ocidentais.

Os executivos expatriados dispostos a se mudar para o reino da vizinha Dubai podem pedir salários de 20% a 35% maiores, de acordo com a empresa de headhunting Mark Williams. As contratações seniores têm a possibilidade de solicitar quantias ainda maiores.

A Arábia Saudita “é como a China de duas décadas atrás”, disse Carmen Haddad, vice-presidente do Citigroup para o Oriente Médio e principal contato da instituição no reino. Ao mesmo tempo, as reformas econômicas aceleradas do país também trazem “novos desafios, como uma batalha permanente por talentos no setor financeiro”, explica Haddad, que ajudou a reconstruir a presença do banco depois de 13 anos de ausência.

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O incentivo saudita vem de algumas maneiras. O cargo de vice-presidente, normalmente um título de nível médio para profissionais na faixa dos 30 anos, tem um salário anual de US$ 225 mil a US$ 255 mil na Arábia Saudita, de acordo com uma pesquisa da Hays. Isso é cerca de 10% a 20% a mais do que os salários de Londres nos principais bancos para funções do mesmo nível, segundo um relatório da Dartmouth Partners de 2022. Os bônus costumam ser superiores a 100% do salário de um banqueiro em anos bons.

Além disso, os recrutadores dizem que as pessoas com menos anos de experiência podem conquistar um cargo mais elevado e, portanto, um salário maior do que se estivessem em centros financeiros maiores, e os funcionários na Arábia Saudita ganham mais por meio de vários benefícios e ausência de taxação de seus rendimentos.

MBS enfatizou que, se as empresas internacionais quiserem fazer negócios no reino, precisam ter uma presença real no país. Uma regra recente também exige que elas contratem uma certa proporção de sauditas. Com muitos expatriados relutantes em tornar a Arábia Saudita seu novo lar, os locais acreditam ter um poder de negociação particularmente alto.

Os executivos seniores de dois bancos de investimento internacionais disseram que recentemente rejeitaram candidatos sauditas cujas solicitações de remuneração fariam deles alguns dos funcionários mais bem pagos daquelas instituições em todo o mundo.

Enquanto isso, o PIF tem feito contratações e se expandido rapidamente conforme investe para diminuir a dependência do país do petróleo cru. Atualmente ele emprega em torno de duas mil pessoas; eram apenas cerca de 40 há mais ou menos uma década.

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O fundo soberano tem atraído alguns possíveis funcionários com um aumento de 30% em relação a seus salários atuais, de acordo com pessoas a par do tema. Anteriormente, os aumentos eram vez por outra ainda maiores, mas o fundo tem usado nas experiências recentes 30% como um teto informal para impedir que os pacotes saiam do controle, segundo as fontes, que pediram para não serem identificadas por estarem se referindo a informações que não são públicas.

A maioria dos pacotes de remuneração também inclui benefícios como moradia e mensalidade escolar, passagens aéreas para visitar o país de origem, assim como um salário isento de impostos, o que significa que os expatriados se mudando para a Arábia Saudita de países como o Reino Unido recebem um incentivo enorme.

Em uma tentativa de reter funcionários, as empresas estrangeiras estão precisando tentar se equiparar a esses pacotes ou contratar funcionários locais menos experientes, disseram pessoas do setor financeiro.

Para manter a liderança, o PIF tem contratado profissionais de bancos como o Goldman Sachs e o HSBC.

Entre a comunidade financeira da cidade, o HSBC – que emprega cerca de 200 banqueiros de investimento no reino – tornou-se conhecido como um “centro de treinamento” para banqueiros e autoridades locais, de acordo com um executivo sênior que pediu para não ser identificado.

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O banco organiza um evento anual com ex-funcionários em Riad, que tem crescido, pois cada vez mais funcionários locais deixam a instituição para ir trabalhar no governo ou em cargos mais seniores na concorrência.

Entre os cidadãos sauditas que deram grandes passos estão Abdullah Shaker e Fahad Al Saif, que passaram a ocupar posições seniores no PIF e trabalharam anteriormente no HSBC. O próprio governador do fundo soberano, Yasir al-Rumayyan, saiu da unidade do banco de investimento do Banque Saudi Fransi, que até recentemente era apoiado pelo Crédit Agricole, para trabalhar na instituição.

A rotatividade de profissionais pode dar aos bancos uma rede de contatos entre seus maiores clientes, mas destaca algumas das dificuldades crescentes que a Arábia Saudita enfrenta conforme intensifica seus esforços para diversificar sua economia. Os bancos globais encaram um desafio particular quando se expandem no reino: embora dependam de acordos com instituições como o PIF, esses mesmos veículos estatais estão complicando esses planos de expansão.

Outro profissional local, Eyas AlDossari, teve passagens pelo Goldman Sachs e pelo HSBC antes de ir trabalhar no fundo.

“A demanda por banqueiros sauditas está alta e, por isso, os talentos estão escassos”, disse Zaid Khaldi, coCEO regional do Goldman Sachs, que tem aumentado o número de funcionários e planeja se mudar para escritórios maiores este ano e se expandir ainda mais.

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Representantes do PIF e do HSBC não quiseram se pronunciar.

Muitos bancos globais, como o Goldman e o Citigroup, só começaram a fazer esforços reais tendo como objetivo a Arábia Saudita nos últimos anos, à medida que o reino embarcava num plano ambicioso para diversificar sua economia investindo em novos setores e vendendo participações em empresas estatais como a gigante do petróleo Saudi Aramco.

Durante anos, banqueiros e consultores preferiram ir e voltar de Dubai para o reino, pegando o voo de duas horas para Riad na manhã de domingo e voltando na quinta-feira à noite. Com a maior parte dos Emirados Árabes Unidos mudando recentemente para uma semana de trabalho de segunda a sexta-feira, o deslocamento já não é mais tão fácil como costumava ser e obriga muitos banqueiros a trabalhar seis dias por semana.

Para atrair profissionais estrangeiros a longo prazo, a Arábia Saudita está tomando medidas para flexibilizar regras, como as que envolvem códigos de vestimenta rigorosos, segregação de gênero e direção de veículos por mulheres.

Entretanto, muitos estrangeiros estão relutantes em se mudar para um lugar que não dispõe de infraestrutura, vida social vibrante e disponibilidade de álcool que tornam outros centros financeiros globais atraentes. Os expatriados também se queixam regularmente de que Riad é uma cidade sem graça e deserta, com pouco entretenimento e opções de lazer para crianças.

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Apesar de receberem ofertas de pacotes de remuneração sedutores, muitos banqueiros seniores preferem permanecer em Dubai em vez de se mudar com a família de forma permanente para Riad, de acordo com vários executivos seniores que pediram para não ser identificados. Um banqueiro do Credit Suisse que vive em Dubai e pediu anonimato, disse que recusou uma oferta do PIF poucos dias depois da negociação com o UBS por causa do estilo de vida saudita.

Alguns expatriados também estão reticentes em se mudar para uma nação imprevisível e autoritária que atrai com frequência críticas de organizações de direitos humanos por prender até mesmo dissidentes pacíficos.

Embora MBS venha tentando inserir a Arábia Saudita no cenário global, ele tem tido dificuldades para se livrar das consequências na reputação do reino devido a controvérsias como o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e sua “faxina” em 2017, quando centenas de sauditas poderosos foram detidos e encarcerados no Ritz Carlton.

“Tornar-se um centro financeiro confiável, no fim das contas, levará tempo”, disse Robert Mogielnicki, pesquisador sênior residente do Arab Gulf States Institute, em Washington. “As instituições financeiras e os profissionais querem estar seguros de que todas as reformas e decisões econômicas contribuem para um ambiente socioeconômico favorável no longo prazo.”

O reino construiu um centro de negócios de US$ 10 bilhões – o King Abdullah Financial District (Distrito Financeiro Rei Abdullah) – em Riad, que está enfim dando sinais de vida depois de ficar praticamente vazio durante vários anos. O extenso distrito ao norte da capital tem um horizonte repleto de arranha-céus. A gigante do e-commerce chinesa Alibaba tem escritórios lá, assim como vários bancos locais. O Goldman Sachs planeja se mudar para lá até o fim deste ano.

Entretanto, pacotes de remuneração enormes e a escassez de talentos estão mantendo afastadas algumas firmas de investimento. Um grande fundo de private equity planeja montar sua base regional em Doha ou Abu Dhabi – apesar de estar sob pressão do governo saudita para abri-la em Riad –, porque as despesas são altas demais, de acordo com seu principal executivo na região.

Uma consultoria boutique com sede em Dubai se manterá na cidade, embora esteja fazendo mais negócios na Arábia Saudita, porque os custos com profissionais locais são proibitivos, disse seu diretor-geral.

Na verdade, nem todos os expatriados chegam à Arábia Saudita com pacotes de remuneração extraordinários e, para alguns, o aumento da renda deve-se principalmente à redução dos impostos no país. Além disso, os bancos às vezes escolhem promover os funcionários que já estão por lá.

O Morgan Stanley promoveu seu CEO da Arábia Saudita, Abdulaziz AlAjaji, a chefe regional conjunto de suas atividades no Oriente Médio e no norte da África, substituindo um veterano que trabalhava na sede do banco americano em Dubai.

O Lazard recentemente nomeou Sarah Al Suhaimi – uma das banqueiras mais experientes do reino – para liderar os negócios da empresa de consultoria financeira no Oriente Médio e no norte de África de Riade. Ele também planeja tornar a capital saudita sua sede regional, o que lhe transformará no primeiro banco global ali com sede fora do reino.

Outros bancos talvez fiquem sem muita escolha em breve sobre fazer a mudança. O governo saudita sinalizou para empresas internacionais que elas precisam montar suas sedes regionais no reino até o começo do próximo ano ou correm o risco de perder negócios, o que significa que a batalha por talentos talvez apenas se intensifique. Muitos bancos continuam confusos em relação a como exatamente as regras se aplicarão a eles.

No entanto, à medida que se expandem no reino, os bancos estrangeiros estarão bem cientes de que, quando contratam alguém novo, “há sempre o risco de perderem essa pessoa”, disse Chris Cornwall, cofundador da Mark Williams. “Existe uma aceitação geral e todos sabem disso, se você for bom, é apenas uma questão de tempo. A saudização é parte da vida.”

Fahad Abuljadayel, da Bloomberg, contribuiu com esta reportagem.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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