- A pandemia levou os serviços de assinaturas às alturas. E o que realmente chamou a atenção, porém, foi o aumento nas assinaturas em uma das áreas mais prejudicadas pelo lockdown: o setor de serviços
- Assinaturas garantem receita adiantada, reforçam o elo entre empresas e clientes e oferecem aos empresários informações preciosas sobre o que vende mais. Até hotéis e lava-rápidos para carros começaram a oferecer uma experiência aprimorada, em troca de um valor mensal ou anual
(Heather Long e Andrew Van Dam/The Washington Post) – No início de 2021, seis restaurantes de Washington, na capital dos Estados Unidos, se uniram para formar um clube de assinaturas de jantares. O pacote incluía entrega em casa de uma refeição sofisticada por semana, preparada por seis chefs diferentes, ao longo de um mês e meio. Os interessados eram convidados a desembolsar US$ 360. Os pacotes esgotaram em seis dias.
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A pandemia levou os serviços de assinaturas às alturas. Com a população americana fechada dentro de casa, as pessoas correram em busca de entretenimento digital e se inscreveram em esquemas de delivery regular de produtos como roupas ou chocolates. O que realmente chamou a atenção, porém, foi o aumento nas assinaturas em uma das áreas mais prejudicadas pelo lockdown: o setor de serviços.
Donos de restaurantes, hotéis, empresas de trabalhos domésticos e outros viraram de cabeça para baixo o modelo que sempre haviam seguido e partiram para as assinaturas. Em muitos casos, encontraram mais interesse – e retorno – do que haviam esperado.
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“Foi uma guinada no modelo de negócios dos restaurantes: pagar antes de comer, e não comer antes de pagar”, diz Vinay Gupta, enólogo que liderou o clube de assinaturas Summerlong Supper Club, com casas de Washington e Nova York.
A economia de assinaturas já estava em alta antes da pandemia. Mas no último ano ela atingiu um alcance mais amplo e profundo, que deve continuar mesmo com o arrefecimento da covid-19 nos Estados Unidos. A empresa de serviços financeiros UBS prevê que o setor de assinaturas vá atingir US$ 1,5 trilhão em 2025 – mais que o dobro dos US$ 650 bilhões em que é avaliado atualmente.
Assinaturas garantem receita adiantada, reforçam o elo entre empresas e clientes e oferecem aos empresários informações preciosas sobre o que vende mais. Até hotéis e lava-rápidos para carros começaram a oferecer uma experiência aprimorada, em troca de um valor mensal ou anual.
No entanto, entidades de defesa dos direitos do consumidor alertam: o rápido crescimento dessa economia criou uma série de desafios, que supera de longe a capacidade do governo de fiscalizar práticas agressivas de mercado e garantir que as pessoas que adquirem esses serviços sejam tratadas de forma justa.
Mesmo assim, as assinaturas continuam extremamente populares. Esse crescimento reflete uma transição na economia, que voltou para os gastos em serviços e se afastou do consumo pesado de bens e produtos. Isso reflete a renovada sensação de segurança dos americanos para viajar e estar em lugares com mais gente ao redor. É claro que as manchetes durante a pandemia foram quase todas para as assinaturas de e-commerce e entretenimento, diante do crescimento explosivo de marcas como Netflix, Hulu e Disney+.
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Mas os analistas de mercado acreditam que mais empresas do setor de serviços irão se beneficiar da tendência de alta procura. Um consumidor americano médio tem cerca de duas ou três assinaturas, conforme mostram dados de usuários do aplicativo de finanças pessoais Mint – e também uma pesquisa feita por Tien Tzuo, autor do livro Subscribed [Assinado] e CEO de assinaturas da plataforma Zuora.
Outro aplicativo de finanças pessoais, o Truebill, indica um aumento no número de “assinantes peso-pesado”, que pagam regularmente por dez ou mais serviços. A média de assinaturas dos usuários do app é de 17, e eles gastam cerca de US$ 154 por mês, de acordo com uma análise de dados feita pelo Truebill a pedido do Washington Post. No primeiro semestre do ano passado, quando os americanos estavam confinados, os usuários do aplicativo chegaram a ter uma média de 21 assinaturas, durante um período em que as pessoas experimentaram diferentes serviços de entretenimento, prática de atividade física em casa ou delivery.
“Pode parecer estranho agora, porque é tudo muito novo”, diz Tzuo – que, antes de fundar a Zuora, foi diretor de estratégia da Salesforce. “Mas vale lembrar: quando a TV a cabo começou, passamos de quatro canais de televisão para 150, e ninguém sabia o que fazer com 150 canais. Hoje são cerca de mil, e acho que as pessoas ainda vão querer mais”.
Empresas como Apple, Peloton e Peacock (esta última pertencente à NBC Universal) já reconhecem que as assinaturas são um dos principais combustíveis para seu crescimento. Como exemplo, a receita do Peloton com assinaturas subiu 144% nos três primeiros meses de 2021, quando comparada ao mesmo período do ano passado.
Já os assinantes dos diversos serviços oferecidos pela Apple (atividade física, games, música e podcasts) aumentaram em 145 milhões ao longo de 2020. O site de viagens TripAdvisor está lançando um produto chamado TripAdvisor Plus, que custa no mínimo US$ 99 por ano e oferece promoções exclusivas e atendimento especial aos clientes – estratégia capaz de chacoalhar um setor destroçado pelo coronavírus.
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“Com o fim da pandemia, acreditamos que turistas regulares estarão prontos para abraçar assinaturas nessa área”, declarou Stephen Kaufer, CEO da empresa, numa recente videoconferência de apresentação de resultados. “De maneira geral, os produtos de assinatura têm tido ótimo desempenho. Outras marcas já educaram os consumidores sobre o funcionamento do esquema de assinar um serviço ao longo de um ano inteiro”.
As empresas também contam que as assinaturas oferecem mais dados sobre o que as pessoas querem, e qual a melhor forma de atender essas necessidades. “Estamos passando de uma economia de operações isoladas para uma economia centrada em relacionamento”, diz Adam Levinter, autor de The Subscription Boom [“A explosão das assinaturas”, em tradução livre]. “Uma assinatura representa um contato recorrente com o cliente. A intervalos regulares, a pessoa se lembra de que tem uma ligação com determinada marca”.
Tendência mundial
Assinaturas não são um conceito novo. A ideia de pagar um valor a intervalos regulares em troca de um cesto de produtos da fazenda ou de algumas garrafas de vinho existe há décadas. Os analistas, porém, apontam a era dos smartphones e a capacidade de fazer entregas rápidas – fenômenos marcantes da última década – como fatores determinantes para que os clientes se dispusessem a experimentar novos produtos e novas formas de comprar.
Tudo indica que a tendência veio para ficar. Dados mostram que os gastos com assinaturas de delivery de comida e serviços de atividade física (como o Peloton) caíram pouco, mesmo com o aumento no pagamento de mensalidades de academias físicas observado nas últimas semanas.
Este é justamente um dos motivos pelos quais a Federal Trade Commission (órgão americano de defesa do consumidor) está procurando formas de dificultar a vida de empresas que tentam amarrar as pessoas a assinaturas mensais capazes de esvaziar contas bancárias. O trabalho das autoridades é uma reação a uma série de práticas abusivas cometidas por diversas companhias nos últimos anos.
Até mesmo consumidores que afirmam compreender os serviços assinados dizem que às vezes se surpreendem ao perceber quanto dinheiro gastam todo mês, e desejam botar o pé no freio.
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“Assinaturas são uma forma sorrateira de esvaziar nossa carteira”, afirma Angela Myers, 29 anos, da cidade de Pittsburgh. “A gente assina um monte de serviços e as empresas impõem uma porção de obstáculos ao cancelamento”.
Ela conta que assinou o serviço de entrega mensal de roupas da marca Stitch Fix, e também as refeições da Blue Apron, logo no início da pandemia no ano passado. Além de pagar a mensalidade do Netflix e da TV a cabo, ela desembolsa mais US$ 120 por mês, e afirma que quer reduzir essa conta.
A indústria de entretenimento é um retrato claro de que o setor de assinaturas pode chegar a um ponto de saturação. Embora o número total de assinaturas tenha disparado durante a pandemia, Netflix, Disney+ e HBO Max registraram uma redução no ritmo de crescimento em 2021.
Mesmo assim, as previsões continuam fortes para áreas que acabam de adotar esse modelo, sobretudo na indústria de serviços.
As assinaturas garantiram a sobrevivência dos restaurantes durante a pandemia – principalmente no caso de estabelecimentos menores, que se viram forçados a manter os salões de atendimento fechados por meses. Já as casas mais sofisticadas, que nunca tiveram a intenção de fazer entregas aos milhares, encontraram um grupo considerável de clientes dispostos a pagar antecipadamente para desfrutar de uma experiência gastronômica regular.
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Muitos pacotes incluem vinho ou drinques, explicações sobre a história de cada prato e às vezes até sugestões de trilha sonora, aromas ou decoração para incrementar a comida.
“Nossas refeições incluem playlists”, conta Aaron Silverman, chef e dono do Rose’s Luxury, uma das seis casas que integram o clube de assinaturas de Washington. “Se o prato é da culinária francesa, acrescentamos uma vela aromatizada de lavanda e uma lista de canções daquele país”, continua o cozinheiro, cujo restaurante também oferece assinaturas próprias, fora do clube. Não estamos falando de uma alternativa ao hábito de buscar a comida no restaurante e levar para casa. Estamos falando de
uma alternativa para o hábito de jantar fora. É uma experiência gastronômica”.
A nova plataforma Table 22 ajuda restaurantes menores a administrar serviços de assinaturas e delivery. Ela foi lançada em maio de 2020, com o estabelecimento Saba San’s de Austin, no Texas. Agora já são 200 restaurantes em 60 cidades, entre eles o Rose’s Luxury, cujo negócio de assinaturas continua a crescer.
“O assinante médio da plataforma gasta entre US$ 75 e US$ 80 por mês”, afirma Sam Bernstein, fundador e CEO do Table 22. “Com frequência os assinantes são aquelas pessoas que mais frequentam restaurantes. Elas querem novos jeitos de se relacionar com as marcas”.
Há o receio, é claro, de que as assinaturas entrem em queda agora que os americanos estão voltando a comer fora. Mas os restaurantes que oferecem especialidades parecem estar mantendo seu público de assinantes.
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Robert Haddad é outro defensor do modelo de assinaturas. Sua família é dona de vários lava-rápidos em Washington. Este ano, eles abriram um segundo endereço, chamado Fusion Carwash, projetado para atender assinantes. Cada etapa do processo – de um enxágue rápido a um sofisticado serviço de cera especial e limpeza interior – está incluída como opção na assinatura mensal, custando cerca de 1 1/2 do preço de uma única lavagem.
Haddad foi um dos pioneiros do esquema. Ele inaugurou um sistema de assinaturas há cerca de dez anos no negócio da família em Germantown, o “Love My Carwash”, logo após a crise de 2008. Agora, as assinaturas representam 30% ou 40% dos negócios.
“Quem tem uma grande base de assinaturas consegue prever a receita recorrente, o que ajuda a planejar o orçamento, o que ajuda a organizar a grade de trabalho dos funcionários e os custos da empresa”, explica ele. Haddad acrescenta que o boca-a-boca dos clientes fiéis é mais do que suficiente para compensar os consumidores hiperativos que se aproveitam do sistema para fazer lavagens diárias (e às vezes até mais de uma vez por dia).
Mas há quem se preocupe com a explosão das assinaturas, e com a possibilidade de que ela represente uma nova versão da chamada “economia em duas camadas”. Em muitas áreas, os novos serviços estão criando experiências totalmente diferentes – acessíveis apenas para quem estiver disposto a pagar.
“Esse tipo de serviço reforça a distância entre os que têm e os que não têm”, diz Liping Cai, professor e diretor do Centro de Pesquisa em Turismo e Hotelaria da Universidade Purdue.
Assinaturas até em hotéis
No ano passado, vários hotéis e resorts famosos começaram a fazer pilotos de programas de assinatura, de olho no público de “nômades digitais” – gente que pode trabalhar em qualquer lugar e decidiu mudar de ares. Alguns hotéis disseram ao Washington Post ter se surpreendido ao constatar que jovens universitários e aposentados também foram atraídos pela proposta.
A refinada cadeia holandesa de hotéis-butique CitizenM iniciou um esquema de assinaturas em 2020, cujo pacote inclui 29 noites em qualquer endereço da rede no mundo em troca de uma mensalidade de US$ 1.500. Segundo a empresa, mais de 230 assinaturas foram adquiridas.
Já a Freehand Hotels, uma elegante cadeia americana, tem um pacote de US$ 2.999 mensais para quem quiser se hospedar por até um mês em qualquer unidade da rede. Nos primeiros trinta dias da oferta, a empresa recebeu 200 consultas, e dezenas de clientes se inscreveram, conforme conta o diretor comercial Edward Pinchard. Ele explica que os assinantes podem passar a semana numa unidade em Nova York e se mudar para o endereço de Miami aos sábados e domingos.
Mas Wayne Smith, professor de Turismo e Administração Hoteleira da Universidade Ryerson, no Canadá, alerta: o novo modelo de assinaturas de luxo pode fazer com que descontos e serviços como limpeza diária de quarto (que eram um padrão em qualquer hotel antes da pandemia) se transformem em benefícios acessíveis apenas a clientes recorrentes.
“Será que o que era considerado normal antes da covid-19 vai virar serviço premium nos dias de hoje, oferecido apenas para quem paga mensalmente?”, pergunta ele.
No caso da cadeia Selina, também de hotéis-butique, o serviço de assinaturas inaugurado em 2020, batizado de CoLive, vale para as unidades da marca na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos. A rede tem entre seus investidores Adam Neumann, um dos fundadores da WeWork. A mensalidade varia entre US$ 350, por uma cama em estilo albergue, e US$ 5 mil para uma suíte de luxo em Tulum, no México. O CoLive inclui um drinque de boas-vindas e aulas de ioga e bem-estar, além de descontos em refeições e outros serviços.
Mark Biery, diretor global de assinaturas da Selina, espera que em algum momento os assinantes representem metade dos clientes da rede. Em breve a empresa deve começar a oferecer uma assinatura anual, que vai permitir ao usuário visitar diferentes endereços ao longo de doze meses.
Souhila Hamiham aderiu ao pacote CoLive em outubro passado, na categoria albergue. Profissional de marketing, ela se viu numa situação em que podia trabalhar de qualquer lugar, e decidiu ir para o México. A princípio ela ficou num Airbnb, mas sentiu-se entediada sozinha num apartamento. Descobriu então a rede Selina e adorou a ideia de hotéis que contam com espaços compartilhados para trabalhar e aulas de bem-estar, frequentados por uma comunidade de nômades digitais. No final das contas, ela passou oito meses em diferentes endereços da cadeia, incluindo temporadas no México, na Costa Rica, na Colômbia e no Brasil.
“Conheci uma porção de gente”, diz a jovem de 22 anos, cuja base é Toronto. “Começamos a planejar novas viagens juntos, e foi muito legal. Depois dessa experiência, não me vejo mais voltando ao escritório. Se um dia tiver que retornar, acho que vou procurar um emprego novo, que me permita viver e trabalhar em outros lugares”.
(Tradução de Beatriz Velloso)