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- Para Decat, a maioria dos parlamentares eleitos para o Congresso Nacional são de centro-direita e alinhados ao atual governo, o que poderia engessar a agenda do ex-presidente Lula (PT)
- Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL), se reeleito, teria o caminho livre para seguir com propostas mais pró-mercado
- Seja qual for o presidente eleito, a âncora fiscal deve sofrer alterações para acomodar benefícios sociais, como o Auxílio Brasil de R$ 600
Passado o 1° turno das eleições, as incertezas para o mercado financeiro foram consideravelmente reduzidas. A maioria dos parlamentares eleitos para o Congresso Nacional são de centro-direita e alinhados ao atual governo, o que poderia engessar a agenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um cenário de vitória.
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Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL), se reeleito, teria o caminho livre para seguir com propostas mais pró-mercado. Esta é a visão de Erich Decat, head do time de análise política da Warren Renascença, em entrevista exclusiva ao E-Investidor.
“O mercado vai ter uma boa receptividade se ocorrer uma reeleição do Bolsonaro porque já é uma agenda liberal, de privatizações e reformas. Ele poderia dar continuidade ao que fez nos últimos quatro anos, mas com ainda mais apoio dentro do Congresso”, afirma o especialista.
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Agora, a principal fonte de receio entre os investidores é o encaminhamento do teto de gastos e do Orçamento 2023. Seja qual for o presidente eleito, a âncora fiscal deve sofrer alterações para acomodar benefícios sociais, como o Auxílio Brasil de R$ 600. Até o momento, não há informações claras, em nenhum dos lados, de como essa mudança deve ser feita.
As conversas em torno do teto, entretanto, devem ganhar corpo logo após o resultado eleitoral. “A depender de como caminhará essa discussão, teremos uma volatilidade mais para baixo ou mais para cima na Bolsa”, diz Decat.
Leia a entrevista :
E-Investidor – Com a nova configuração do Congresso, a agenda de Lula (fim do teto de gastos e revisão de reformas) está comprometida com uma eventual vitória?
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Erich Decat – O presidente eleito vai ter muitas dificuldades porque estamos caminhando para o desfecho de uma polarização muito forte. Mas Lula vai ter ainda mais travas em relação à governabilidade. Primeiro, porque não vai ser como em 2002 ou 2006. No passado, ele venceu com uma margem de 20 e poucos pontos no segundo turno. Não vai ser isso que vamos ver.
E tem o fator Congresso, que está cada vez mais perto da centro-direita. Isso não impede que amanhã o líder do PT consiga converter alguns integrantes de centro. Lembrando que o Centrão sempre esteve no poder, gravitando em torno do presidente. O PL que hoje está com Bolsonaro foi o PL que ontem estava com o Lula.
Há, sim, espaço para negociação, mas tem um outro ponto. O Lula vem batendo na tecla de que vai se colocar contra o orçamento secreto. Esse é o primeiro embate que ele vai ter (se eleito presidente).
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), que já está em campanha para reeleição à presidência da Câmara para o biênio 2023-2024, é um defensor árduo do orçamento secreto. E boa parte desse centrão que foi reeleito é capitaneado por ele. Mudar essa dinâmica dentro do Congresso vai ser muito difícil para Lula.
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E quanto ao teto de gastos, que é um ponto sensível para o mercado?
Decat – O teto de gastos vai mudar com Lula ou Bolsonaro. Já está em curso dentro do atual governo um desenho para sugestões de mudança no teto. Após a eleição, a expectativa já é se discutir o orçamento e também uma alteração na âncora fiscal.
Para estender o Auxílio Brasil no valor de R$ 600, o governo vai precisar de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). E é nesse ponto que vai se concentrar o debate sobre a mudança do teto de gastos.
A grande questão hoje do mercado financeiro é saber qual vai ser a dimensão dessa mudança, tanto num possível novo governo do Bolsonaro, quanto num futuro governo do ex-presidente Lula. Resumo: o teto de gastos vai ser alterado, isso está dado. Agora, a grande dúvida é sobre qual será a dimensão dessa mudança.
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O que é melhor para o mercado: Lula podado pelo Congresso ou Bolsonaro com amplo apoio parlamentar?
Decat – (Se vencer) Lula vai ficar engessado nas agendas mais radicais, que conversam com a extrema esquerda. A agenda mais raiz do PT precisará ser abandonada e o ex-presidente vai ter que se inclinar para o centro. Esse foi o recado das urnas.
Agora, o mercado vai ter uma boa receptividade se for uma reeleição de Bolsonaro, porque já é uma agenda liberal, de privatizações e reformas. Vai ser uma continuidade do que Bolsonaro viveu nos últimos quatro anos, mas com ainda mais apoio dentro do Congresso.
Hoje, Bolsonaro está mais fortalecido não só na Câmara, mas em especial no Senado, onde ele enfrentou muitas dificuldades nesses últimos anos. Dessa vez, se ele compuser o PL com o União Brasil, por exemplo, Bolsonaro conseguirá impor maioria nas comissões, na dinâmica da casa.
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A leitura é de que essa agenda mais pró-mercado tem mais chances de avançar com Bolsonaro vencendo do que com Lula.
O primeiro pregão após o fechamento das urnas foi de alta e mostrou ânimo na Bolsa. Como você avalia essa reação e o que isso mostra para o investidor pessoa física?
Decat – Havia a preocupação de conflitos nas ruas no dia da votação. Contudo, foi tranquilo. Houve casos bastante isolados, mas nada que levasse a crer que estávamos indo para uma convulsão nacional. Mesmo sendo a eleição que teve o resultado de maior polarização dos últimos anos, não vimos a sociedade entrar em conflito – o que é muito interessante.
Também não vimos Bolsonaro questionar as urnas. No final, não tivemos o que se temia, principalmente entre os investidores estrangeiros, de uma crise institucional. A estabilidade institucional também impacta o humor do investidor, traz tranquilidade.
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Outro ponto é de que não tem como Lula estabelecer uma agenda que seja voltada para questões extremas, às quais o mercado financeiro tem muita resistência pelo ponto de vista fiscal e econômico.
Do outro lado, se Bolsonaro conseguir vencer, também há possibilidade da continuação de uma agenda mais reformista. O impacto positivo na Bolsa se deve a essa questão, de que estamos em uma estabilidade institucional e social, e também aos fatores da agenda Lula e Bolsonaro.
O que é determinante para o Bolsonaro conseguir virar o jogo e levar esse segundo turno?
Decat – Já está bastante cristalizada a votação de Lula e Bolsonaro em várias regiões. O grande evento desse segundo turno é Minas Gerais. Lá, Lula venceu com 48% contra 43% do Bolsonaro. Só que no primeiro turno não havia o governador Romeu Zema (Novo) puxando voto para Bolsonaro. Agora, Zema já declarou que vai entrar em campo para pedir voto para o atual presidente.
Existe uma chance de Bolsonaro vencer em Minas. Se isso ocorrer, há a possibilidade de o Bolsonaro reverter o âmbito nacional. Se isso não acontecer e Lula se impor em Minas Gerais, o cenário já está consolidado a favor do ex-presidente.
Posto isso, não colocamos nenhum dos dois como candidato favorito no nosso cenário-base. Nosso cenário ainda é aberto, indefinido.
Em abril, durante o evento Gramado Summit, você disse que a reeleição do Bolsonaro gerava dúvidas em relação à agenda econômica. Isso mudou?
Decat – O que não está claro ainda é como ficará o teto de gastos, mas está mais claro que Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, vão tentar tocar a agenda de reformas, principalmente a tributária e administrativa. Isso é muito importante porque a peça central do day after dessa eleição é o orçamento.
Dentro do desenho atual da reforma tributária, há a expectativa de arrecadação de R$ 52 bilhões com a taxação de lucros e dividendos. Isso já é um sinal para o mercado de que o governo (Bolsonaro) vai ter um espaço dentro do orçamento para cobrir, por exemplo, o Auxílio Brasil.
O Auxílio Brasil hoje, com a permanência dele em R$ 600, está estimado em mais de R$ 52 bilhões para 2023. A partir do momento em que Bolsonaro começa a sinalizar que vai avançar com uma reforma tributária que poderá chegar a essa cifra de arrecadação, já vai guiando o discurso de “equilíbrio fiscal”.
Não que necessariamente todo recurso da reforma tributária vá para o Auxílio Brasil, mas se começa a criar uma retórica de que o governo tem como pagar as suas contas, o que é bastante positivo.
Só não acredito que essas reformas serão abordadas ainda esse ano. Com a experiência que tenho de Brasília, novembro e dezembro será um período de ressaca eleitoral, em que os vencedores estarão comemorando e os perdedores estarão completamente cabisbaixos. Será muito difícil avançar com agendas estruturantes.
Esses temas, que devem ser colocados publicamente se o Bolsonaro vencer, só vão avançar de fato a partir do próximo ano.
Com base no resultado desenhado no primeiro turno, que tipo de projeção é possível fazer para a Bolsa no caso de uma vitória de Lula e de Bolsonaro?
Decat – Se não tivermos uma crise institucional, um questionamento sobre as urnas – e, na minha visão, não caminhamos para isso – acredito em uma reação positiva do mercado, independentemente de quem vencer. Seja pelo fator de estabilidade institucional, seja pelo fator de ficar mais claro quem vai ser o mandatário.
No curto prazo, um tema que vai causar bastante apreensão dentro do mercado financeiro é justamente como vai ficar o orçamento de 2023, e isso vai ser discutido logo depois, em novembro ou dezembro.
O orçamento de 2023 vai estar conectado diretamente com uma possível mudança no teto de gastos. Há uma informação de que o Tesouro Nacional tem um desenho do teto de gastos e o Ministério da Economia tem outro desenho. E esse debate da mudança vai causar muita apreensão.
Até momento ninguém sabe qual é a proposta dos dois candidatos, tanto na questão orçamentária, quanto nessa questão de mudança do teto de gastos, que é uma âncora fiscal. A depender de como caminhará essa discussão, teremos uma volatilidade mais para baixo ou mais para cima na Bolsa.