- Para Rebane, o interesse dos investidores institucionais em criptomoedas impulsionou o processo de amadurecimento do mercado e diversificação dos produtos
- Por isso, a queda do BTC não deve interromper esse movimento porque os ativos digitais já comprovaram o seu potencial de valorização. O principal ponto hoje é a expansão da oferta
- Guilherme Rebane é head da América Latina da OSL, companhia asiática de ativos digitais com sede em Hong Kong
Os anos prósperos da última década foram os grandes responsáveis pelo amadurecimento do mercado de criptomoedas que vemos atualmente. Ao contrário de hoje, o cenário macroeconômico antes do período de pandemia era de expansão monetária nos principais mercados globais, principalmente, o norte-americano. A realidade aumentou o apetite ao risco entre os investidores, na época. E foi neste momento que as moedas digitais, em especial o bitcoin, entraram no radar das alocações.
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Em 2022, o cenário já é bem diferente. Os recentes anúncios do aumento da taxa de juros e os problemas de solvência de algumas criptomoedas trouxeram uma “onda” de pessimismo para a classe de ativos. O bitcoin, maior criptomoeda em valor de mercado, já foi negociado abaixo dos US$ 20 mil, depois de ter atingido o recorde histórico de US$ 68 mil no ano passado. No entanto, o atual momento de mercado não deve parar o processo de consolidação ou desfazer o “legado” dos critptoativos, conquistado nos últimos anos.
Na avaliação de Guilherme Rebane, head da América Latina da OSL, companhia asiática de ativos digitais com sede em Hong Kong e presença também nas Américas, as moedas digitais já comprovaram ao mercado, em especial, para os investidores institucionais, o seu potencial de retorno. O que está em “jogo” atualmente é a expansão da oferta de produtos relacionados às criptomoedas. “A gente não fala mais de preço. O interesse já existe. A grande questão é os grandes players do mercado oferecerem os produtos (de criptoativos) para os clientes”, acredita Rebane.
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E o Brasil é um dos agentes mais importantes nesse processo de consolidação. Para ele, o país é referência mundial sobre a sofisticação do mercado de criptoativos em virtude da presença de corretoras focadas apenas nesta classe de ativos e produtos atrelados às moedas digitais, sendo negociados na bolsa. “As exchanges globais querem vir para o Brasil a todo custo. De fato, o Brasil é referência e está no páreo dos grandes players globais e à frente de muita gente”, acredita.
Rebane afirma que OSL é um dos grandes provedores de liquidez das negociações do mercado de criptomoedas. A empresa é regulada pela Securities and Futures Commision of Hong Kong (a Comissão de Valores Mobiliários de Hong Kong) e atua diretamente neste novo contexto do mercado de criptomoedas ao oferecer infraestrutura para os investidores institucionais, inclusive brasileiros, que pretendem expandir seus negócios em criptoativos e aumentar a oferta dessa exposição aos seus clientes. A movimentação em ativos digitais por mês chega a US$ 3 bilhões. Já nas Américas, o volume ultrapassa os US$ 200 milhões por dia.
Em entrevista ao E-Investidor, Rebane detalhou sobre esse processo de amadurecimento do mercado de criptoativos e o motivo do Brasil ser um dos principais mercados do mundo.
Confira os principais trechos da entrevista!
E-Investidor: Qual é a diferença do Brasil em comparação aos outros mercados de criptoativos presentes nos Estados Unidos, na Europa e até no continente asiático?
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Guilherme Rebane: Quando falamos de investidores institucionais, há públicos nos Estados Unidos que não existem em grande quantidade no Brasil, como os hedge funds, trading groups e players que operam em alta frequência. É um perfil de cliente institucional que nós não temos no Brasil. No entanto, temos (no Brasil) mais de uma dezena de fundos de criptomoedas que os norte-americanos ainda não têm.
Se olharmos para os fundos de criptomoedas, temos os ETFs (fundos de investimento negociados em bolsa que replicam o desempenho de um índice de referência). Isso não existe nos Estados Unidos. O que os norte-americanos conseguiram oferecer foram ETFs atrelados ao mercado futuro, algo que já temos no Brasil. Hoje, qualquer gestora tem condições de fazer alocação de classe de ativo desde que queira e que tenha a aprovação do administrador fiduciário.
Embora não tenha uma regulação própria de criptomoedas, as instituições financeiras estão muito próximas e entendendo o que podem oferecer.
O mercado de criptoativos é considerado um investimento de alto risco. Por que os investidores institucionais enxergaram nesses ativos uma oportunidade de investimento?
Rebane: Nos últimos 14 anos houve uma enxurrada de recursos para o mercado com base em uma política de expansão monetária, do Banco Central norte-americano. Isso criou a necessidade dos investidores buscarem diversificação. E quando a gente fala de diversificação de investimentos estamos olhando para diversas classes de ativos. A gente começa a ir para os ativos de maior risco.
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Uma vez que você começa a olhar, encontra a classe de ativos digitais que traz um apelo de descorrelação das demais classes de ativos. É uma classe nova e de alta volatilidade. Porém, a alta volatilidade está associada a uma expectativa de retorno muito maior para o investidor.
Simultaneamente, você tem um cenário social pela digitalização dos serviços e a propagação de uma classe de ativos digitais se adequa perfeitamente ao novo comportamento do século XXI. Costumo dizer que estamos vivendo o século da transformação digital e provavelmente da década da digitalização do dinheiro.
A entrada de investidores qualificados trouxe uma “consolidação” do mercado de criptoativos?
Rebane: Trouxe e vai trazer ainda mais. Eu já estava envolvido com o mercado de ativos digitais em 2017 e naquele momento vimos diversas instituições financeiras interessadas nesse mercado para entender o que elas poderiam fazer. Entre 2018 e 2020, o mercado de ativos digitais passou pelo o que a gente chama de inverno cripto. Aí houve um desinteresse das instituições financeiras em continuar fazendo algo naquele momento.
Mas a consequência disso é que muitas instituições financeiras começaram a ter planos de longo prazo. Então, o que a gente vê no segundo movimento a partir de 2020 e até hoje são diversas instituições que estão fazendo algo e até unidades de negócios dedicados ao mercado de criptomoedas. Há um amadurecimento da indústria como um todo. Hoje tenho convicção de que nenhuma instituição financeira vai ficar fora de oferecer ou ter exposição dessa classe em um horizonte de curto prazo (de 2 a 3 anos).
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Como está o Brasil nesse processo?
Rebane: Eu acho que o Brasil é referência. Temos um Banco Central muito pró-inovação. O Brasil tem o PIX que é conhecido globalmente. A gente tem hoje um BC que trabalha para ter o real digital. Existem diversos grupos de trabalhos e instituições tentando encontrar os diversos usos relacionados ao real digital. A gente tem ETFs listados em bolsa que, por meio deles, os investidores têm a possibilidade de investir em mais de 35 criptomoedas na B3, em um ambiente regulado, oferecendo exposição. O Brasil é referência global no que tem sido feito em relação à classe de ativos digitais.
O Brasil está à frente de quais países quando o assunto é criptomoedas?
Rebane: Só queria deixar bem claro, a gente não cobre Europa nem Reino Unido. Mas o Brasil é top quatro do mundo e está no mesmo nível dos Estados Unidos. O Brasil, para mim, é referência global no mercado de criptomoedas, sem sombra de dúvidas. As exchanges globais querem vir para o Brasil a todo custo. De fato, o Brasil está no páreo dos grandes players globais e à frente de muita gente.
A criação de fundos de criptomoedas listados na B3 trouxe o amadurecimento desse mercado no País. Quais são os próximos avanços?
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Rebane: Temos diversas instituições financeiras que já anunciaram que no médio e no curto prazos vão oferecer infraestrutura, produto e exposição aos clientes na classe de ativos. Essa é a realidade brasileira de curtíssimo prazo. A partir do momento que há infraestrutura, começa a abrir portas de forma exponencial para novos produtos.
E a partir do momento que você tem uma regulação, o mercado poderá entender até onde pode ir. Quando isso acontecer, vai abrir portas para as gestoras enxergarem as classes de ativos não só como objeto de estudo, mas como objeto de alocação. Então, por isso, acho que o mercado de ativos vai ter um salto grande.
A CVM do Brasil deve permitir a tokenização de valores mobiliários nos próximos anos? Como você enxerga esse processo no Brasil?
Rebane: Primeiro, a gente precisa entender se é necessário tokenizar (valores mobiliários). Vou te dar um exemplo: a gente precisa tokenizar uma ação negociada em bolsa, hoje? Talvez não, porque há um ambiente de negociação muito eficaz e eficiente. Acho que caso a caso vai ser observado. O que compete ao Banco Central vai ser observado pelo Banco Central e o que compete à Comissão de Valores Mobiliários será observado pela CVM. Mas eu entendo que esse é um processo de sofisticação e de inovação de mercado irreversível. A gente não está falando mais sobre o “será que vai acontecer” e sim “quando vai acontecer”.
O Brasil é estratégico para o mercado de criptomoedas na América Latina?
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Rebane: Com certeza! Nas conversas que a gente tem com outras instituições financeiras da América Latina perguntam muito sobre o mercado de criptoativos no Brasil. Há uma curiosidade muito grande para entender como o mercado está se desenvolvendo e como conseguiu evoluir em termos de sofisticação. Há uma curiosidade sobre como está a regulação no Brasil.
O Brasil tem, desde 2019, uma instrução normativa da Receita Federal que determina como deve ser recolhido a tributação e como deve ser a declaração de compra e venda de criptomoedas. Isso é uma medida muito importante.
Segundo pesquisa da FGV, os brasileiros ainda são conservadores e alocam capital, principalmente, na poupança, em títulos públicos e também na renda fixa. Mesmo assim, a população brasileira investe mais em criptomoeda do que os franceses e ingleses. Na sua avaliação, por que os brasileiros são mais adeptos às criptomoedas?
Rebane: O brasileiro consome muito internet e as criptomoedas estão totalmente inseridas na internet. Primeiro, existe uma população que tem buscado investir e, depois, uma população que consome muito internet. Então, está tudo meio que envolvido porque há um perfil de consumo digital e há um perfil de investimentos.
O momento de queda do preço do Bitcoin pode interromper esse processo de amadurecimento do mercado de criptomoedas?
Rebane: Eu acho que não. Há algo que defendo muito. A gente não fala mais de preço. O interesse já existe. A grande questão é que os grandes players do mercado ofereçam produtos para os clientes. A gente costuma dizer o seguinte: se o negócio valia US$ 70 mil e agora vale US$ 20 mil, o cliente já tem um retorno esperado no horizonte. Para quem entrou, há essa percepção de que está barato. O segundo ponto é: sempre soubemos que é um ativo extremamente volátil e as instituições financeiras estão olhando para esse mercado. Então, todo mundo já andou.
O momento de baixa é uma oportunidade para quem ainda não investe na criptomoeda?
Rebane: A classe de ativo digital tem sofrido como todas as outras as classes de ativos de risco. O S&P500 caiu 20% do começo do ano até aqui. A Nasdaq caiu 30% e o bitcoin caiu 60% também no acumulado do ano (dados referentes até a última sexta-feira). O bitcoin caiu mais porque o retorno esperado por ele é ainda maior. Isso está acontecendo porque estamos vivendo uma grande mudança no cenário macroeconômico.
O bitcoin não cai só por conta dele. Se é um momento bom para comprar? Talvez! Eu acho que a gente vai ter muita oportunidade por aí. Mas se a gente tiver uma expectativa de piora na bolsa, é muito provável que os ativos digitais caiam também.