Criptomoedas

Crise da FTX coloca em xeque o futuro das criptomoedas?

Para Paul Krugman, economista norte-americano, os ativos digitais podem estar fadados ao esquecimento

Crise da FTX coloca em xeque o futuro das criptomoedas?
(Foto: Envato Elements)
  • A crise financeira da FTX, terceira maior exchange do mercado, trouxe desconfiança entre os investidores sobre o mercado de criptoativos
  • A situação reacendeu o debate sobre a necessidade de regulação para o setor a fim de evitar novos casos de insolvência
  • No entanto, os especialistas acreditam que a regulação podem retirar a atratividade do mercado de criptoativos

Os preços das principais criptomoedas seguem em um movimento intenso de desvalorização desde a crise financeira da FTX, terceira maior exchange do mercado. Embora o problema não tenha relação com os fundamentos dos ativos digitais, o caso de insolvência da corretora instalou um clima de pessimismo para todo o mercado de criptoativos. Mas essa não foi a única consequência. A situação reacendeu os debates sobre a necessidade de um marco regulatório para o setor e até mesmo sobre a “expectativa de vida” das criptomoedas no mercado financeiro.

Ao analisar os recentes movimentos do setor, Paul Krugman, economista norte-americano e vencedor do Nobel de economia em 2008, fez duras críticas sobre a sustentabilidade das criptomoedas no sistema financeiro. Na avaliação do especialista, em artigo publicado no jornal The New York Times e divulgado no Estadão neste domingo (20), as moedas digitais sofrem o risco de não sobreviver até uma regulação.

A linha de raciocínio de Krugman segue baseada nas premissas que tornaram os ativos populares: oferecer um sistema financeiro descentralizado. No entanto, desde a crise de 2008, quando ganharam relevância, até hoje, surgiram no mercado empresas, como a FTX, para intermediar as negociações de criptoativos. A atuação das exchanges, na avaliação dele, segue semelhante às instituições financeiras tradicionais para a realização das transações cotidianas e depende da confiança dos investidores para a permanência das suas atividades.

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“Em outras palavras, o ecossistema cripto basicamente evoluiu para se tornar exatamente aquilo que deveria substituir: um sistema financeiro de intermediários cuja capacidade de operar depende da percepção de confiabilidade que eles detêm”, diz Krugman em artigo. “Já que é assim, qual o sentido disso? Por que uma indústria que, na melhor das hipóteses, simplesmente repetiu o sistema bancário convencional tem qualquer valor fundamental?”, questiona o especialista.

No entanto, se o governo estabelecer uma regulação que possa limitar a atuação das corretoras de criptomoedas a fim de evitar fraudes financeiras, semelhantes ao da FTX, as vantagens desses novos players do mercado em relação aos bancos tradicionais podem reduzir no mercado. “Mesmo se o valor do bitcoin não chegar a zero (o que ainda pode ocorrer), há um argumento forte sustentando que a indústria cripto, que voou tão alto poucos meses atrás, está fadada ao esquecimento”, afirma Krugman.

A análise apocalíptica do economista para os ativos digitais divide opiniões dentro do mercado. Alguns argumentam que um dos pilares que sustentam os elevados preços das criptomoedas são a possibilidade de altas rentabilidades e ausência de regulação. Por causa disso, o surgimento de regras pode trazer um efeito negativo na rentabilidade dessa classe de ativos.

“O que tem fundamentos questionáveis e onde podemos ver se temos fundamentos econômicos ou não é na criptomoeda (na sua emissão e nos direitos que são atrelados à criptomoeda) e não na plataforma de blockchain”, diz João Manoel de Lima Júnior, professor da Fundação Getúlio Vargas do curso de Direito do Rio de Janeiro.

Segundo ele, com a tecnologia blockchain as pessoas têm a possibilidade de criar ativos digitais que podem ter preços baseados no mercado em especulações dos investidores. “A moeda precisa exercer na economia três funções: unidade de compra, instrumento de pagamento e reserva de valor. As criptomoedas têm dificuldade de exercer essas três funções”, afirma.

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Isac Costa, professor de pós-graduação em Direito do IBMEC, também concorda com alguns aspectos apontados por Krugman. De acordo com ele, o desafio das criptomoedas com os recentes casos de crises financeiras está em conseguir definir um preço que possa corresponder ao seu real valor de mercado. “O fato é que muita gente ainda se interessa por criptomoedas porque não querem inovação. Querem o mesmo que o sistema financeiro oferece, mas sem pagar impostos. Essa é a crítica do Krugman. Se o setor for regulado, no lugar de causar a desintermediação, vamos ter a intermediação”, diz Costa.

Desta forma, as consequências da regulação podem causar impactos no preço dos ativos e afastar o interesse dos investidores. Por esse motivo, o grande desafio do mercado será descobrir qual o valor de mercado das criptomoedas. “A referência que temos é o preço, mas esse indicador está suscetível às especulações do mercado. Se esse caráter especulativo diminuir, o mercado ainda será “sexy” para os investidores?”, acrescenta.

Por outro lado, o especialista acredita que o economista norte-americano desconsiderou as inovações tecnológicas que as plataformas de blockchain podem ajudar o sistema financeiro mais eficiente e destinou as suas críticas apenas para o caráter especulativo das criptomoedas.

Já os analistas que atuam diretamente neste mercado têm uma perspectiva diferente sobre os rumos dos criptoativos. Na avaliação deles, independente de uma regulação ou não, o setor continuará com a sua proposta inicial: ser um sistema descentralizado. Isso porque as regras que devem ser elaboradas pelos governos e pelas autoridades monetárias devem ser voltadas apenas para os intermediadores das negociações de criptomoedas, como a FTX.

“Onde estamos olhando e pedindo regulação é justamente nesses participantes. Entender até onde as empresas podem ir, definir quem irá supervisioná-la e se as empresas vão garantir o que de fato estão prometendo”, diz Fabrício Tota, diretor do Mercado Bitcoin. “O problema está nos intermediários. Há dúvidas sobre alguns intermediários”, afirma.

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No Brasil, as discussões sobre a regulação já seguem em uma fase avançada porque há uma expectativa de que o Congresso vote a PL 4.401/2021, conhecida como Marco Regulatório das Criptos, até o final deste ano. O texto estabelece punições e regras de atuação para as corretoras que oferecem o serviço de ativos digitais. Entenda o impacto da regulação para o mercado de criptomoedas.

Por outro lado, todas as discussões sobre quais serão as regras e como deve ser a regulação desses investimentos não devem pôr um fim para a existência das criptomoedas. O motivo se deve ao papel dos ativos digitais negociados pelos investidores que estão intimamente ligados às plataformas de blockchain, responsáveis por oferecer um ambiente de inovação tecnológica importante para o sistema financeiro atual.

“Quando você vai utilizar a plataforma ethereum, o principal componente de transação da rede é o ether (criptomoeda). Então, o ethereum não funciona sem o ether. Por que sobe de preço? Por que há um entendimento que a rede será utilizada em larga escala em virtude da sua proposta de valor”, afirma Guilherme Rebane, head da América Latina da OSL, exchange asiática com sede em Hong Kong. Veja também nesta reportagem como a queda do BTC não interrompe a consolidação do mercado.

Entenda o caso da FTX

A crise de liquidez iniciou após o balanço patrimonial, divulgado na semana passada, mostrar a realidade financeira da FTX e da Alameda Research, empresa-irmã da corretora. Os números revelaram que as duas companhias de Sam Bankman Fried sofriam um risco de não honrarem com seus compromissos financeiros em virtude da baixa liquidez dos ativos.

“A Alameda estava com problemas financeiros e fez acordos com a FTX. A FTX envolveu fundos de usuários (para realizar esses acordos) e agora está com problemas de liquidez para pagar os clientes”, afirma João Galhardo, analista de criptomoedas e sócio da Quantzed Criptos.

Diante da situação, a FTX suspendeu os saques de usuários da plataforma e o temor dos investidores ocasionou uma venda em massa do token de governança da FTX, o FTT. O caso da corretora contaminou todo o mercado de criptoativos. O bitcoin, por exemplo, que já vinha apresentando dificuldades de se manter no patamar de US$ 20 mil, afundou ainda mais.

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De acordo com os dados da Coinmarketcap, desde o dia 6 deste mês, quando a repercussão sobre a insolvência da corretora ganhou notoriedade, o BTC desvalorizou cerca de 21,5%. Atualmente, a criptomoeda segue sendo negociada na casa dos US$ 16 mil e a perspectiva é que as perdas continuem.

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