- Foram localizados US$ 5,5 bilhões em ativos mantidos em contas de clientes ou escondidos em outras partes da empresa.
- Cerca de US$ 1,7 bilhão dos US$ 5,5 bilhões estão em dinheiro nos registros de contabilidade da FTX. Um adicional de US$ 3,5 bilhões ou mais está em ativos de criptomoedas
- Quando a FTX entrou em falência em novembro, as informações iniciais sugeriam que havia desaparecido até US$ 8 bilhões das contas dos clientes. Parte do dinheiro segue perdida
Dois meses depois de a FTX ter entrado com um pedido de falência, os advogados da outrora bem-sucedida exchange de criptomoedas começaram a identificar e atribuir valor a seus ativos enquanto determinam quanto poderão recuperar para reembolsar credores e clientes que perderam bilhões de dólares.
Na semana passada, em um documento judicial, os advogados do escritório de Nova York Sullivan & Cromwell – que está enfrentando sua própria polêmica relacionada ao trabalho realizado para a FTX antes da falência – disseram ter localizado US$ 5,5 bilhões em ativos mantidos em contas de clientes ou escondidos em outras partes da empresa.
Conforme os advogados revelam mais detalhes sobre a natureza dos ativos ligados à FTX, o escopo do desafio envolvido em esclarecê-los e recuperá-los tornou-se mais claro. Em apenas três anos, a FTX, fundada por Sam Bankman-Fried, investiu dinheiro sem demora em uma mistura confusa de ativos, de criptomoedas esotéricas a investimentos em centenas de outras companhias.
Cerca de US$ 1,7 bilhão dos US$ 5,5 bilhões estão em dinheiro nos registros de contabilidade da FTX. Um adicional de US$ 3,5 bilhões ou mais está em ativos de criptomoedas – um grupo que inclui moedas mais conhecidas, como o bitcoin, assim como outras de valor questionável. Os advogados dizem que o estoque de moedas digitais pode ser transformado em dinheiro porque elas são relativamente fáceis de se negociar.
O total inclui US$ 268 milhões em bitcoin, assim como US$ 245 milhões nas chamadas stablecoins, ou criptomoedas desenvolvidas para manter um valor constante de US$ 1. Mas também inclui participações no valor de centenas de milhões de dólares de moedas menos conhecidas que talvez não mantenham seu valor a longo prazo: há US$ 529 milhões em FTT, criada pela FTX, assim como US$ 42 milhões em dogecoin, a criptomoeda que foi inventada como uma piada.
As criptomoedas recuperadas pela FTX também incluem um adicional de US$ 1,2 bilhão em várias moedas digitais mantidas em outras exchanges – participações às quais os advogados dizem ter “visibilidade limitada”. Uma quantia menor, equivalente a cerca de US$ 300 milhões, está em fundos de investimento vinculados ao mercado de criptomoedas.
Além dos U$ 5,5 bilhões, a FTX detém posições consideráveis em 20 ativos digitais que os advogados descreveram como “tokens ilíquidos”, que são difíceis de converter em dinheiro. Descobrir o quanto eles valem pode levar um bom tempo.
Apesar do conjunto enorme de ativos identificados pelos advogados, a FTX disse em um comunicado anexado ao documento judicial que foram encontrados menos ativos digitais do que se esperava, tanto na principal exchange offshore com sede nas Bahamas, como em sua unidade nos Estados Unidos. Os advogados da FTX disseram ter compartilhado as informações com os integrantes de um comitê que representa clientes e credores.
Quando a FTX entrou em falência em novembro, as informações iniciais sugeriam que havia desaparecido até US$ 8 bilhões das contas dos clientes, inclusive dinheiro mantido em algumas das nove milhões de contas que os investidores em criptoativos abriram na exchange. A quantidade exata de dinheiro que ela deve aos credores – entre eles, empresas grandes de negociação de criptomoedas – não foi divulgada.
Cofrinho
À medida que os advogados continuam a investigar as finanças da FTX, a contabilidade final do que a exchange deve, o que detém e o que pode ser recuperado provavelmente mudará. A tarefa é complicada pelo fato de a FTX não ter mantido registros financeiros completos. Os promotores afirmam que, durante anos, Bankman-Fried tratou os depósitos dos clientes como dinheiro num cofrinho com o qual podia fazer o que bem entendesse.
Os advogados da FTX disseram que Bankman-Fried e dois outros sócios sacaram mais de US$ 1 bilhão em empréstimos da exchange.
Os promotores acusaram a FTX de desviar regularmente os depósitos dos clientes para encorajar negociações e cobrir perdas na Alameda Research, empresa de trading de criptomoedas da qual Bankman-Fried era dono. Os executivos da FTX também gastaram o dinheiro dos clientes para adquirir imóveis luxuosos nas Bahamas e fazer doações tanto para políticos democratas como republicanos, de acordo com as autoridades federais.
Bankman-Fried declarou-se inocente das acusações de fraude, lavagem de dinheiro e violações de financiamento de campanhas. E negou ter roubado o dinheiro de qualquer cliente.
As autoridades federais disseram que Bankman-Fried também usou bilhões de dólares de depósitos de clientes para investir em centenas de outras empresas de criptomoedas. Na semana passada, os advogados da FTX disseram que as empresas de Bankman-Fried tinham pelo menos US$ 4,6 bilhões em investimentos em aproximadamente 300 outras empresas e que esse dinheiro poderia ser recuperado por meio de litígios ou negociações. Esse valor não conta para o total de US$ 5,5 bilhões.
A FTX também está planejando angariar fundos com a venda de algumas operações comerciais nas Bahamas, no Japão e na Europa que podem ser viáveis como uma injeção de capital. E a empresa planeja trabalhar com as autoridades nas Bahamas para pôr à venda seu patrimônio imobiliário: um total de 36 imóveis avaliados em US$ 253 milhões.
Mas não está claro por quanto todos esses ativos podem ser vendidos ou com que rapidez. Resumindo, os clientes e credores da FTX ainda precisam se preparar para um drama jurídico de vários anos antes de terem qualquer dinheiro de volta e é provável que sofram perdas grandes, dizem os especialistas.
“É possível que os credores possam ter a opção de receber moeda digital ou dinheiro. Depende de qual seja a criptomoeda subjacente”, disse Kenneth Marshall, consultor financeiro especialista em trabalhar com investidores que foram vítimas de negócios falidos, inclusive aqueles que envolvem criptomoedas. “Isso pode se arrastar por muito tempo.”
Escritório de advogados
A última divulgação dos ativos da FTX também trouxe para os holofotes o trabalho do Sullivan & Cromwell, um dos escritórios de advocacia corporativos mais prestigiados do mundo. Ele não está apenas representando a FTX no processo de falência, mas já havia prestado serviços jurídicos para a exchange antes de ela quebrar.
Um representante do Sullivan & Cromwell chamou atenção para um documento judicial o último dia 17 que dizia que o escritório de advocacia “trabalhou incansavelmente” para recuperar os ativos da empresa. Em um documento judicial relacionado, um advogado do Sullivan & Cromwell, Andrew Dietderich, defendeu o trabalho anterior do escritório para a FTX e sua capacidade de conduzir uma investigação sobre os eventos em torno da falência da exchange.
*Tradução de Romina Cácia