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Quebra da FTX completa 1 ano: qual foi a consequência para os criptoativos?

O que foi no passado um mercado de quase US$ 3 trilhões vale hoje cerca de US$ 1 trilhão

Quebra da FTX completa 1 ano: qual foi a consequência para os criptoativos?
Criptomoedas (Foto: Freepik)
  • Cerca de 95% de mais de 73 mil coleções de NFTs não possuem essencialmente nenhum valor, de acordo com pesquisadores da plataforma dappGambl.
  • Processos judiciais e vários outros casos se acumularam na esteira do colapso da FTX e do derretimento no setor dos criptoativos que o precedeu no ano passado

Em 2017, Sara Feenan deixou uma carreira em finanças pelo admirável mundo novo dos criptoativos.  Feenan, cujos empregos ao longo dos anos incluíram uma empresa de tecnologia em blockchain e a plataforma de câmbio Binance, ficou animada em ser parte de um movimento que prometia reformular e melhorar aparentemente tudo. Ela até batizou seu cachorro com o pseudônimo do inventor do bitcoin.

Depois vieram as convulsões de 2022, seladas pela estrondosa quebra da plataforma de câmbio FTX, em novembro. Conforme as reverberações se espalharam nos meses que se seguiram, Feenan, cujo mais recente trabalho foi numa startup, ficou desempregada. Depois disso, ela deixou o mundo cripto.

“Eu fiquei meio desiludida”, afirma Feenan, que agora trabalha numa fintech não cripto em Londres. “Houve um pouco de exasperação com coisas como a FTX. Se você diz para as pessoas que trabalha com criptoativos e aquilo acabou de acontecer, é muito difícil dizer que nem todos estão no mercado para enganar as pessoas.”

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Ainda que essa nuvem de ceticismo e desconfiança tem pairado sobre o universo das criptomoedas desde o início, talvez ela nunca tenha se espessado tanto quanto nos dias que se seguiram à derrocada da FTX e de seu enigmático diretor-executivo, Sam Bankman-Fried.

Essa nuvem dificilmente será soprada para longe no futuro imediato, enquanto Bankman-Fried é julgado nesta semana no caso que promotores de Justiça alegam ser uma das maiores fraudes financeiras na história dos Estados Unidos. Ele se declarou inocente do caminhão de acusações a que responde.

É claro que nada afeta mais o humor dos mercados que o preço. Ainda que o valor do bitcoin tenha aumentado cerca de 60% este ano, até aproximadamente US$ 27 mil, ele ainda é muito menor do recorde, de US$ 69 mil, alcançado em novembro de 2021, permanecendo atolado num intervalo de preço ao longo da maior parte deste ano.

O que foi no passado um mercado de quase US$ 3 trilhões vale hoje cerca de US$ 1 trilhão. E qualquer sonho do bitcoin ou de qualquer outra criptomoeda servindo como uma alternativa verdadeira enquanto moeda nacional não passou disso.

O mercado secou, áreas anteriormente aquecidas, como os tokens não fungíveis, hoje parecem exatamente as tulipas holandesas digitais das quais os críticos sempre falaram. Cerca de 95% de mais de 73 mil coleções de NFTs não possuem essencialmente nenhum valor, de acordo com pesquisadores da plataforma dappGambl.

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O valor negociado semanalmente de NFTs era de aproximadamente US$ 80 milhões em julho, apenas 3% do pico observado em agosto de 2021, escreveram os pesquisadores, citando dados da plataforma The Block. Vocês se lembram do NBA Top Shot, do megabadalado projeto de NFTs Dapper Labs, que transformou ícones do basquete em tokens intercambiáveis, alguns vendidos por mais de US$ 200 mil, em 2021? Há centenas eles encalhados na loja, à venda por até US$ 1.

Mais importante, o anteriormente esbanjador mundo do capital de risco apertou o cinto consideravelmente. Contratos de investimento em projetos de criptomoedas e blockchain encolheram para um total de aproximadamente US$ 7,3 bilhões este ano até 19 de setembro, cerca de um quarto dos montantes anuais de 2021 e 2022, de acordo com dados da plataforma Pitchbook. E os empregos na indústria estão desaparecendo.

Ainda que a força de trabalho em criptoativos tenha crescido mais de 18% no início de 2022, o desemprego no setor tem aumentado este ano, mais recentemente a uma taxa de mais de 5%, de acordo com dados da empresa de inteligência laboral Revelio Labs com base em 35 empresas grandes.

“Eu serei honesto: tem sido triste”, afirmou Nico Cordeiro, diretor de investimento do fundo de hedge de cripto Strix Leviathan. “O lucro é mínimo justamente por causa das condições no mercado. Nós não estamos trazendo novos investidores porque ninguém está investindo. Os operadores estão meio que em modo de sobrevivência: mantendo as atividades por quanto tempo for necessário até que o capital comece a retornar para o segmento.”

O Strix Leviathan, que usou o câmbio offshore da FTX para negociar ativos cripto perpétuos não disponíveis nos mercados de câmbio americanos, ainda tem fundos trancados por meio de uma corretora na empresa de câmbio falida. Desde então, o Strix Leviathan também deixou de negociar ativos perpétuos por preocupar-se que não há mercados seguros para isso, já que a própria Binance, principal rival da FTX, está sob escrutínio regulatório cada vez maior.

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Para aqueles que foram capazes de lançar um empreendimento cripto na era pós-FTX o caminho tem sido duro. Hilal Diab fundou sua empresa, a Market Mapper, uma plataforma de análise de blockchain para corretores, em Tel-Aviv, em janeiro. Mas rapidamente teve problemas para encontrar alguma grande plataforma de publicidade on-line que aceitasse divulgar sua empresa.

E ele afirma que, quando tentou contratar a Mailchimp para distribuir as newsletters da Market Mapper, a plataforma lhe recomendou que encontrasse outra prestadora de serviço porque não queria ser associada ao setor dos criptoativos. Até seus amigos e parentes ficam apreensivos.

“Assim que eu digo para as pessoas que minha startup é relacionada com criptoativos, elas travam”, afirmou Diab. “Também vemos investidores muito céticos em relação a nos dar dinheiro, especialmente depois da cagada na FTX. Eles têm medo de processos judiciais.”

Processos judiciais e vários outros casos se acumularam na esteira do colapso da FTX e do derretimento no setor dos criptoativos que o precedeu no ano passado. Além da própria falência da FTX e do indiciamento criminal de Bankman-Fried, as empresas cripto Genesis Global, Celsius Network, Voyager Digital, Three Arrows Capital e BlockFi Inc. envolveram-se em procedimentos de falência e processos judiciais.

Recentemente, Su Zhu, um dos fundadores da Three Arrows, foi detido em Cingapura e poderá ser condenado a pena de prisão juntamente com seu sócio, Kyle Davies, por não cooperar com a investigação sobre a liquidação do falecido fundo de hedge, de acordo com consultores da Teneo.

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A Coinbase Global Inc, enquanto isso, está brigando com a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) em razão de alegações de que muitas das criptomoedas negociadas em seu câmbio são ativos sem registro, ao mesmo tempo que faz um lobby incansável no Congresso e abre caminhos no exterior.

E a Binance, ao mesmo tempo, está mergulhada em ações fiscalizatórias da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities e da SEC. Até os pais de Bankman-Fried estão sendo puxados para o litígio com um processo destinado a reaver dinheiro que eles receberam da FTX.

Surpreendentemente, porém, as cortes também têm sido uma rara fonte de otimismo que provavelmente colaborou para que os preços das criptomoedas terem encontrado um piso, de acordo com a professora de finanças Reena Aggarwal, da Universidade Georgetown.

Ela citou uma decisão pronunciada por uma corte de apelações que reverteu a determinação da SEC de bloquear um fundo negociado em mercados de câmbio, para desvalorização e recompra de bitcoin, proposto pela Grayscale Investment LLC e a decisão de outro tribunal determinando que o token da Ripple Labs não corresponde a uma obrigação quando é vendido para o público em geral.

“A SEC tem tentado aplicar regulações e afirmar que o mundo cripto é o faroeste e que nós precisamos regular, mas as cortes têm resistido”, afirmou ela. “Isso deu, num certo sentido, vida nova à indústria.”

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Veremos Bankman-Fried diante da Justiça reeditando a lavação de roupa suja da FTX. Muitos na indústria assistirão atentamente ao julgamento para ver se algum detalhe novo será revelado, de acordo com Brian Mosoff, diretor-executivo da Ether Capital Corp, de Toronto, que investe em projetos de criptoativos e blockchain. Mas para Mosoff, os desafios diante da indústria na era pós-FTX poderá também marcar um importante ponto de inflexão.

“O lado positivo é que isso apenas faz avançar essa conversa em todas as jurisdições, globalmente, porque todos percebem que a indústria não vai desaparecer”, afirmou ele. “Nós podemos imaginar uma indústria de ativos digitais pré-FTX e outra pós-FTX. E eu acho que este momento entrará para a história como um ponto marcante quando a indústria tornar-se institucionalizada, crível e regulada.”

De fato, com BlackRock Inc, Fidelity, Franklin Templeton e outras empresas esperando uma aprovação de seus próprios fundos spot negociados em mercados de câmbio e firmas tradicionais de Wall Street ocupadas com projetos em blockchain destinados a transformar ativos tradicionais em tokens digitais, o futuro da inovação cripto, pode-se argumentar, nunca pareceu tão institucionalizado.

Já Feenan — a cripto-órfã cujo cão, Toshi, foi batizado em homenagem a Satoshi Nakamoto, o misterioso inventor do bitcoin — não está pronta para deixar a indústria dos ativos digitais definitivamente.

“O universo cripto é capaz de se transformar, ir da profundidade ao absurdo, muito rapidamente”, afirma ela, “Eu voltaria se algo interessante aparecesse, se eu achasse que o projeto fosse ajudar a mudar as coisas.”

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— Com colaboração de Stephanie Davidson e Jody Megson

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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