O Index-Infra da JGP, que acompanha cerca de 400 debêntures emitidas por grandes empresas de setores como energia, transporte e saneamento, busca justamente dar mais visibilidade a esse mercado de títulos privados, servindo de parâmetro para investidores e emissores.
Alexandre Muller, sócio e gestor responsável pelos fundos de crédito privado da gestora, vê que a demanda por títulos de renda fixa isentos, como LCI, LCA, CRI e CRA, vai continuar este ano. Isso deve se manter mesmo que a MP não avance no Congresso, dada a fragilidade do governo na articulação da pauta fiscal. Para o executivo, o apetite dos investidores por isenção de IR cresce justamente em ambientes de juros altos. “Quanto maior o juro, maior o benefício tributário”, diz.
Nesta entrevista, Muller analisa também como o atual patamar de Selic a 15% favorece os credores e as grandes empresas, enquanto impõe desafios aos investidores de ações e às companhias de menor porte. Um ambiente, aliás, que termina contribuindo com mais inflação em mercados consolidados.
E-Investidor – No início do ano, a JGP previa menos emissões de crédito privado em 2025. Essa previsão vem se confirmando?
Alexandre Muller – Sim. Temos registrado cerca de R$ 10 bilhões por mês de emissões de renda fixa distribuídas no mercado doméstico. Esse número era de R$ 25 bilhões no ano passado. Isso é reflexo da política monetária, dos juros altos. Muitas empresas estão desistindo de fazer investimentos discricionários, tirando um pouco de pé da parte de Capex (parcela dos recursos da empresa destinada a bens de capital), e isso leva a uma menor demanda por crédito. Além disso, no ano passado, muitas empresas realizaram exercícios de alongamento de dívida, o que tirou um pouco da necessidade de emissões.
Nesse contexto, sob o olhar do investidor, o mercado hoje é melhor para o credor ou para o acionista?
O mercado está mais favorável para o credor porque ele acaba com a sua dívida atrelada ao CDI, na maior parte dos casos. E o acionista fica com o resultado depois do pagamento dos juros, que por sua vez também está atrelado ao CDI. Esses juros elevados deixam a vida das empresas mais difícil. E esse é o jogo da política monetária. O Banco Central tem que tentar esfriar a economia na outra ponta, para tentar convergir a inflação para meta. A resistência do governo em adotar uma política fiscal mais prudente está gerando um custo para a economia real, para o empreendedor e para o acionista.
Para o investidor de crédito isso significa também mais riscos?
Sim. Para empresas menores, o risco fica muito alto, dado esse custo de capital. Isso gera um impacto no mercado, onde os investidores acabam priorizando as maiores empresas em detrimento das empresas pequenas e médias. O que também não é bom, porque isso acaba gerando uma concentração na disponibilidade de funding (dinheiro disponível no mercado para empresas captarem e investirem). Por exemplo, não falta crédito para a Rede D’Or (RDOR3), a número um do setor hospitalar, mas os pequenos operadores de saúde convivem com uma oferta de crédito superrestrita. O resultado dessa política fiscal é juros mais altos que favorecem as grandes empresas.
Com um custo de crédito mais caro, por que não vemos quebradeira no mercado?
A inadimplência corporativa no sistema bancário, pelos dados do Banco Central, está bastante contida. Primeiro, muitas empresas e setores estão ficando com características mais concentradas. E essas empresas estão conseguindo repassar, no preço, o aumento do custo de capital. No setor de aluguel de carros, Localiza (RENT3) e Movida (MOVI3) têm reajustado tarifas de locação em mais de 10% nos últimos trimestres, ano contra ano. Por mais que os juros estejam altos, são empresas que têm uma parcela do mercado tão grande que elas estão conseguindo repassar isso na ponta. Outro ponto é a evolução do mercado de capitais. Hoje temos muito mais alternativas de captação de crédito no Brasil do que se tinha há cinco anos, em termos de debêntures de infraestrutura, de CRAs, de CRIs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio e Imobiliários), de operações de securitização, além dos financiamentos bancários tradicionais. Essa maior oferta tem contrabalanceado a restrição de funding.
O governo veio com uma medida provisória tributar em 5% a renda sobre sobre LCI, LCA (Letra de Crédito Imobiliário e do Agronegócio), CRI, CRA e outros produtos isentos. Isso comprimiu os spreads desses títulos (o quanto pagam a mais que o Tesouro Direto). Essa compressão de spread veio para ficar?
Me parece que sim, principalmente para grandes empresas. Nesse segmento de mercado especificamente, a demanda tende a continuar alta e os spreads tendem a continuar comprimidos. No segmento de títulos incentivados também há uma vantagem potencializada no ambiente de juros altos. A isenção acaba sendo aplicada pelos juros, seja o 15% da Selic, seja o IPCA mais 7,5% dos títulos públicos, mais o spread de crédito. Então, o investidor acaba logrando um benefício econômico alto ao não recolher 15% sobre a rentabilidade completa desses títulos. Quanto mais alto são os juros, maior é esse benefício tributário na ponta do investidor. A demanda por títulos incentivados vai continuar quente.
Em junho, o governo teve uma derrota no decreto do IOF, demonstrando fraqueza diante do Congresso, que poderia vetar também a MP dos títulos isentos. Caso isso aconteça, quem comprou esses títulos com menor rendimento vai ficar no prejuízo se o spread voltar a aumentar?
Acho improvável ter uma correção relevante nos spreads dos títulos incentivados por conta da derrubada do decreto de IOF no Congresso. O movimento foi relativamente pequeno no mercado secundário, com o anúncio da MP, e parece que essa demanda tem muito mais fundamento estrutural das pessoas estarem procurando esse benefício econômico da isenção tributária sobre o cupom cheio, do que um movimento tático do decreto do IOF.