- Depois da moeda americana, o euro, o iene e a libra esterlina são as mais negociadas, mas elas não chegam perto do patamar que o dólar tem hoje
- Movimentações geopolíticas podem tirar o dólar do seu trono, mas não há fenômenos a curto prazo que apontem algo nesse sentido
A cotação do real diante do dólar é um indicador estruturante da nossa economia. Isso ocorre pela importância da moeda americana: ainda que ninguém a use nas trocas cotidianas no Brasil, ela afeta diretamente o cotidiano do País, dos juros de um financiamento ao preço do pãozinho e da gasolina.
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Mas o que torna o dólar a moeda mais importante do mundo?
Saiba como as “verdinhas do Tio Sam” se tornaram o principal lastro para as trocas comerciais em todo o mundo.
Por que o dólar é a moeda mais importante do mundo?
Ninguém duvida da importância dos Estados Unidos na economia mundial. A moeda americana é a principal do planeta por conta do comércio internacional e também dos investimentos que são feitos por meio dela.
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De acordo com Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, os principais fatores para isso são um parque industrial poderoso, acumulação de capital, elevada capacidade de investimento e aumento da demanda mundial por produtos.
Mas nem sempre foi assim. Segundo Rodolfo Coelho Prates, economista e professor do curso de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a libra esterlina era a moeda mais importante para a economia mundial até as duas grandes guerras do século passado.
“Com o final da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra foi muito afetada, e os Estados Unidos ocuparam a posição hegemônica entre os países capitalistas. Essa hegemonia também se refletiu no panorama econômico”, explica o professor.
Os gastos militares e a instabilidade geopolítica desse período, que foi de 1914 (início da Primeira Guerra Mundial) a 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial), transformaram o modo de organizar as finanças. Antes disso, o mundo adotava o padrão ouro, um sistema monetário em que os países lastreavam o valor de sua moeda à quantidade de ouro existente no país. Assim, o metal era ao mesmo tempo um meio de troca, uma unidade e uma reserva de valor.
A dinâmica particular do período de guerra e a crise de 1929 aceleraram uma transformação para outro modelo, que buscava menos oscilação. Para Sung, o chamado Acordo de Bretton Woods, de 1944, é um marco na reordenação da economia global. Entre outros elementos, foi decidido que:
- os países deveriam indexar suas moedas ao dólar americano com limite de variação de 1%;
- o dólar, por sua vez, teria um lastro relacionado ao ouro;
- teria a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
A capacidade de investimento dos Estados Unidos na reconstrução dos países europeus no pós-guerra determinou a economia mundial desde então. Mas os termos do acordo foram mudando, sobretudo a partir do fim da década de 1960, quando a economia americana demonstrou problemas em razão do financiamento de guerras e de estímulos dados à economia doméstica.
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“Com isso, os países começaram a enxergar que a paridade dólar-ouro não condizia mais com a realidade, levando ao colapso do modelo em 1971. E, apesar do fim do acordo nos anos seguintes, a moeda americana se manteve hegemônica no cenário internacional”, ressalta Sung.
Até quando o dólar continuará sendo a moeda mais importante do mundo?
Gustavo Sung acredita que o dólar continuará com o status que tem hoje por vários anos. Afinal, mais de US$ 6 bilhões são negociados todos os dias na economia internacional.
Depois da moeda americana, o euro, o iene e a libra esterlina são as mais negociadas, mas elas não chegam perto do patamar que o dólar tem hoje.
Além disso, a moeda americana continua sendo a principal reserva cambial dos bancos centrais: cerca de 60% do cofre dos Países desenvolvidos são compostos por dólares. Por isso, seria necessário algum evento muito significativo para se alterar uma estrutura econômica tão consolidada.
Rodolfo Coelho Prates concorda: “Guerras e outros fenômenos similares têm o caráter de acelerar transições, mas eles não definem uma nova moeda tão facilmente”.
Disputa com a China
Os Estados Unidos estão envolvidos em diferentes guerras, e uma delas é a batalha comercial com a China. O renminbi, moeda oficial chinesa, pode vir a ocupar um lugar central na economia mundial, julgando pelo protagonismo que o país asiático vem assumindo. As taxas de crescimento da China e o tamanho da população (seja em relação à mão de obra disponível, seja ao tamanho do mercado interno) vêm pesando nesse jogo.
Para Sung, os asiáticos ganharam relevância, sobretudo a partir dos anos 2000, estando hoje entre as principais economias do mundo. Porém, para superar o euro, a libra ou o dólar, seria preciso que a moeda chinesa virasse a principal reserva dos principais bancos centrais.
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“O nível de comércio não é a única razão pela qual o dólar americano é a moeda de reserva mundial: os EUA têm uma importância institucional. Além do poder financeiro, os seus títulos de dívida são os mais seguros do mundo, e o banco central norte-americano, o Fed, é uma das âncoras da política monetária internacional”, salienta Sung.
Por isso, não há no horizonte próximo nenhum sinal de que os chineses ocupem a “cadeira do Tio Sam”. Em uma parte, porque o dólar tem força e, em outra, porque os próprios chineses têm uma estratégia de não valorizar a própria moeda.
“A moeda chinesa não é valorizada porque o próprio governo chinês a quer desvalorizada, favorecendo o superávit comercial chinês com o resto do mundo. Portanto, é uma decisão política”, avalia Prates.
Blocos econômicos
Os Estados Unidos vão muito bem, e os chineses “cozinham em fogo lento” sua estratégia de crescimento, ou seja, é improvável que o dólar tenha sobressaltos a curto prazo. Entretanto, alguns acontecimentos chamam a atenção de especialistas.
Um deles é que, além da China, países como Rússia e Índia vêm exigindo e utilizando as próprias moedas para realizar o pagamento de transações comerciais entre si, uma das ideias na criação de blocos como o formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS).
Isso foi utilizado recentemente pelos russos como modo de preservar o câmbio do rublo em meio à guerra: se os alemães quisessem gás natural (e a Alemanha depende dos russos durante o inverno), teriam de pagar na moeda do país, mas o efeito desse mecanismo ainda é marginal.
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O euro também é uma moeda que poderia ameaçar o dólar, mas sofre os efeitos da recessão e da fragmentação da União Europeia. No acumulado do primeiro quadrimestre deste ano, a moeda perdeu mais de 9% de seu valor.
Criptomoedas
Outro elemento que vem sendo observado é a consolidação das criptomoedas. Inicialmente pensadas para eliminar controle e burocracia, elas se transformaram em ativos e já são utilizadas para pagamentos domésticos ou internacionais.
Para Prates, ainda é cedo para julgar se os ativos cripto vão substituir o dólar ou alguma outra moeda em transações internacionais, pois isso requer também uma concordância dos bancos centrais, que discutem hoje o lançamento de moedas digitais controladas por eles.
Sung também enxerga esse cenário com ceticismo. Devido à importância do dólar, é difícil que as criptomoedas sejam capazes de aposentar as moedas. “O poder de um país também está assentado na emissão de sua moeda. Os bancos centrais dificilmente ficarão parados a esse movimento das criptomoedas, pois elas representariam uma perda de sua autonomia para fazer política monetária”, ele avaliou.
Em termos práticos, caso a moeda americanos perca a sua hegemonia, o “Tio Sam” se veria enfraquecido diante de uma dívida de mais de US$ 23 trilhões — uma motivação e tanto para os Estados Unidos trabalharem na manutenção do dólar como a principal moeda do planeta.