O que este conteúdo fez por você?
- Marília Lima enviou uma marmitinha de bolo de cenoura para uma amiga durante a pandemia, em 2020. O negócio "pegou" e em pouco tempo, a arquiteta já tinha que lidar com uma avalanche de pedidos
- “Nos primeiros meses eu vendia R$ 4 mil no mês. Depois, foi para R$ 12 mil, avançou para R$ 50 mil. Em 2022, chegamos a faturar R$ 890 mil no ano. Entre janeiro e março de 2023, passamos de R$ 1 milhão”, diz a empreendedora
- A gestão financeira fez diferença para o sucesso do negócio. Desde o início, mesmo que de maneira simples, Marília planilhava as entradas e saídas de capital e calculava os custos dos produtos
A arquiteta Marília Lima começou a empreender por acaso. Em março de 2020, início da pandemia no Brasil, ela e todos os outros funcionários da empresa em que trabalhava foram postos compulsoriamente em férias. Em seguida, foi demitida.
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Neste período de muito medo e incerteza por conta do avanço da covid-19, ela decidiu tornar o dia de uma amiga mais doce. “Assei um bolo de cenoura e enviei em uma ‘marmitinha’ com o recado: um bolinho chegou para alegrar o seu dia”, conta. O gesto comoveu quem recebeu o presente e iniciou uma espécie de corrente entre amigos. “Minha amiga gostou tanto que disse para eu começar a vender. Aí um amigo começou a mandar para o outro. Quando eu vi, tinha uma empresa”, diz.
Ela então abriu um CNPJ e uma conta no Ifood. Rapidamente o “Cenoradas”, como batizou a empresa de bolos de cenoura, foi ganhando escala. Depois de dois anos trabalhando em casa, decidiu abrir uma loja física no bairro do Itaim Bibi, na capital paulista. Conforme a demanda foi crescendo, Lima expandiu o negócio criado em maio de 2022.
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Em outubro do ano passado, a empreendedora decidiu abrir um delivery na Mooca e outro em Higienópolis. Em janeiro deste ano, foi a vez de inaugurar a segunda loja física, desta vez na região de Pinheiros, além de uma fábrica na Vila Mariana.
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“Nos primeiros meses eu vendia R$ 4 mil no mês. Depois, foi para R$ 12 mil, avançou para R$ 50 mil. Em 2022, chegamos a faturar R$ 890 mil no ano. Entre janeiro e março de 2023, passamos de R$ 1 milhão”, destaca.
Precificação e planejamento
No início, Lima não tinha noção de finanças, mas fez o básico. Para precificar os produtos, utilizava uma conta simples: multiplicou os custos, que no início eram basicamente com farinha e açúcar, por 2,5. Também calculava a necessidade de materiais para cada fornada de bolo.
“Com uma massa de bolo, eu vendia sete marmitinhas”, relembra a empresária. A partir do momento que abriu lojas físicas, outros valores foram sendo incorporados ao preço. “Hoje nós temos impostos, verba para marketing e tudo isso entra dentro da precificação do produto.”
Para entender se estava realmente lucrando ou não, no início ela também “planilhava” no Excel, de forma simples, as entradas e saídas de capital. Mesmo sem saber, o que a fundadora do Cenoradas estava fazendo era o chamado “fluxo de caixa”, instrumento essencial para a sobrevivência de qualquer negócio.
Essas medidas parecem simples, mas não saber exatamente quais são os custos do negócio, nem como precificar os produtos, leva muitos empreendedores à falência já nos primeiros meses de vida da empresa.
De acordo com dados da pesquisa “Demografia das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo”, publicada em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21,7% das empresas fechou em até 1 ano após a criação (de 2015 para 2016).
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Ana Calixto, economista e consultora financeira, afirma que um erro comum e bastante grave entre empreendedores é justamente não ter um bom fluxo de caixa ou não saber como interpretá-lo. “Muitas vezes a pessoa anota as entradas e as saídas de dinheiro, mas no final do mês não sabe identificar quanto faturou, quais foram as despesas fixas e variáveis nem quanto foi direcionado a investimentos”, afirma.
Sem ter essa fotografia bem desenhada das despesas e receitas, o empreendedor pode cair em armadilhas comuns. Uma delas é, por exemplo, não ter noção de qual é a quantidade mínima de vendas que a empresa precisa fazer no mês para não fechar no prejuízo. “O fluxo de caixa precisa ser um histórico que responda as perguntas-chaves para a empresa seguir”, diz Calixto. “Caso contrário, corre-se o risco de vender e não ter lucro. Seria o mesmo que trabalhar de graça.”
Essa também é a visão de Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos e pós-graduado em análise financeira. “O que faz um pequeno negócio quebrar é a falta de planejamento. E mesmo com planejamento, ainda tem uma chance razoável de dar errado”, afirma.
Expansão
A inauguração da primeira loja física do Cenoradas em São Paulo custou para Lima um investimento de cerca de R$ 30 mil. Parte deste montante, considerado “baixo” para a região, foi fruto de economias feitas durante o período em que vendeu por meio do aplicativo de entregas.
“Eu já tinha forno e várias coisas para o trabalho. Mudei para um espaço bem pequeno e, como sou arquiteta, consegui economizar bastante. Tem gente que já começa com uma loja de R$ 300 mil, mas essa coragem eu não tinha”, afirma. “Fui bem pé no chão, não peguei aluguel alto, nada disso.”
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A estratégia da empreendedora, de utilizar recursos em caixa para expandir e procurar não se endividar em demasia nesse processo de ampliação, é também uma forte recomendação dos especialistas. Na visão de Brasil, da Gava Investimentos, um dos piores erros cometidos por quem quer expandir um negócio é se alavancar demais e a taxas muito altas.
“E esse é um erro cometido, inclusive, pelas empresas de capital aberto”, afirma Brasil. “Em vez de sair investindo horrores, o melhor é fazer um ‘projeto mínimo’, um teste para saber de vai dar certo. É preciso ter também um caixa, uma reserva de emergência para o negócio.”
Caso o empreendedor não tenha recursos em caixa para investir na expansão, é preciso avaliar se um empréstimo é realmente viável. “Só faz sentido pedir empréstimo se você já tem um modelo que funciona. Isto é, você só pede empréstimo se for para escalar o negócio, investir em lojas e fábricas. E, claro, calculando sempre o risco e o retorno”, diz Brasil. “Se essa empresa não for dobrar de faturamento em cinco anos, será que não é melhor investir em uma renda fixa, que hoje deve render 100% no mesmo período?”, questiona.
Calixto, consultora financeira, reforça a diferença entre empréstimo bom são aqueles que se convertem em um lucro maior que os juros cobrados pelos bancos. Além disso, o empreendedor precisa ainda calcular se com uma nova loja, por exemplo, as vendas crescerão mais que as novas despesas.
Faturamento não é lucro (e também não é seu dinheiro)
Outro ponto que pode levar empreendedores à falência é confundir faturamento, que é todo o dinheiro que entra na empresa pelas vendas, com lucro, o capital que sobra após o pagamento de todas as despesas e custos.
Sem ter essa diferença em mente, o empresário pode ter uma visão deturpada da lucratividade do negócio.
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Além disso, é preciso distinguir o que é “dinheiro da empresa” do que é “dinheiro do empreendedor”. No caso de Lima, a maior parte do lucro é reinvestido na companhia. Entretanto, a fundadora recebe um “pro-labore”, ou seja, uma remuneração variável pelas funções administrativas exercidas no Cenoradas. Essa remuneração é equivalente a menos de 10% do faturamento.
Com o “salário”, a empresária também busca fazer uma gestão eficiente, pensando nas conquistas financeiras pessoais. “Eu tenho meus investimentos de pessoa física, ações, fundos, até cripto e dólar. Cerca de 15% eu poupo e uma outra parte eu invisto em mim, em cursos de línguas, de finanças”, afirma. “E claro, gosto de viajar, comer em restaurantes, mas nada muito extravagante.”
Hoje, a empreendedora não está mais sozinha à frente do Cenoradas. Ela possui dois novos sócios no negócio, cada um com uma fatia de 5%. Apesar de todo o sucesso, Lima diz não ter muito tempo para refletir sobre suas conquistas. “Estou sempre fazendo alguma coisa, resolvendo algum problema, mas quando consigo parar e pensar em tudo que ocorreu, é uma alegria muito grande”, diz.