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![Ainda não existe no Brasil uma legislação específica sobre a chamada herança digital. Foto: Adobe Stock](https://einvestidor.estadao.com.br/wp-content/uploads/2025/02/adobestock-330840082_070220255931.jpeg-710x473.webp)
Em um mundo cada vez mais conectado, pensar em como transmitir bens digitais a herdeiros tornou-se uma prática necessária. Agora, além dos ativos tradicionais, contas em redes sociais, domínios em sites, criptoativos e até mesmo milhas acumuladas também devem entrar no planejamento sucessório.
Esses bens englobam a chamada herança digital, um tema recente no cenário jurídico, que tem gerado debate entre especialistas da área. “Há quem defenda que ela inclui absolutamente tudo o que diz respeito a uma pessoa no âmbito digital. Outras doutrinas a caracterizam com os bens financeiros digitais que uma pessoa deixa”, explica Amanda Helito, sócia do PHR Advogados e especialista em Direito de Família e Sucessões.
A falta de um conceito jurídico único sobre o tema ocorre por ainda não existir uma legislação específica no Brasil que trate sobre a herança digital. Quando os bens envolvem contas em redes sociais e domínios de sites, outro agravante é o fato de que cada plataforma tem as suas próprias políticas internas.
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Segundo Helito, o Instagram, por exemplo, permite que os familiares transformem a conta de um falecido em um memorial. Depois que isso ocorre, ninguém mais pode alterar as publicações ou as informações existentes no perfil.
Nova lei no radar?
Um projeto de lei (PL) pode vir a reduzir a insegurança jurídica no que se refere à herança digital. O PL 4/25, que trata da atualização e reforma do Código Civil, prevê diretrizes para a transmissão desse tipo de ativo, garantindo que os herdeiros possam acessar e gerir conteúdos de valor econômico.
Para Helito, caso aprovada, a nova legislação deve proporcionar maior segurança aos familiares. “O projeto traz alterações para dar garantia de que, quando se tratar de uma herança digital de caráter econômico, isso seja prontamente considerado um bem integrante da herança como todos os demais bens”, afirma.
O PL foi protocolado no Senado no início deste ano. De acordo com a advogada, a proposta busca eliminar a necessidade de os herdeiros passarem pela fase de comprovar que determinado bem digital faz parte da herança, evitando disputas judiciais que ainda são comuns sobre o tema.
Como se planejar agora para transmitir bens digitais?
Enquanto ainda não há uma legislação específica sobre a herança digital, especialistas recomendam que os titulares dos bens estipulem previamente o destino de suas contas e ativos por meio de um testamento.
“Esse é o instrumento mais seguro para que qualquer pessoa trate da disposição que quer dar ao seu patrimônio após a morte. O mesmo vale para os ativos digitais. As pessoas devem ser claras ao dizer, por exemplo, quais contas devem ser acessadas ou não por herdeiros”, destaca Helito.
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Outra recomendação é consultar diretamente profissionais especializados em planejamento sucessório. “Esse tema é muito recente. As regras não estão estabelecidas no Brasil, então realmente precisa de muito cuidado para entender o que fazer em cada caso. Hoje dependemos muito de precedentes (decisões jurídicas anteriores que servem como diretriz para casos futuros semelhantes)”, afirma Ludmila Corrêa, sócia da Finvity e advogada especialista em planejamento patrimonial e sucessório.
Na hora de realizar o testamento, o titular do bem deve ter cuidado para deixar as informações necessárias de forma clara. “Vale listar e identificar esses bens digitais em testamentos escritos em que se detalhem modos de acesso, senhas e opções de cancelamento, indicando a quem eles devem ser transmitidos”, recomenda Fábio Botelho Egas, advogado especializado em Direito Sucessório e de Família, sócio do Botelho Galvão Advogados.
Também é aconselhável nomear uma pessoa de confiança para assegurar que a vontade do falecido seja respeitada. Quem fica encarregado dessa função recebe o nome de testamenteiro.
Quando o assunto são os criptoativos, Julia Moreira, sócia de família e sucessão do PLKC Advogados, explica que há diferentes maneiras de proceder. Uma delas envolve incluir no testamento a senha da conta para acesso às moedas digitais.
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“Também existem contratos inteligentes que permitem a transferência dos ativos automaticamente após certo evento, como o óbito ou um adoecimento, e as carteiras multiassinaturas, que possibilitam várias pessoas autorizarem as transações”, destaca.
Ao fazer o planejamento sucessório, também vale levar em consideração que a doutrina jurídica tem dividido os bens digitais em dois tipos: os de caráter econômico e os de caráter personalíssimo.
“Os primeiros incluem criptomoedas, NFTs (tokens não fungíveis), domínios de sites, contas monetizadas em plataformas digitais, bibliotecas de músicas, vídeos e livros adquiridos on-line, além de direitos sobre conteúdos digitais geradores de receita, como canais no YouTube e perfis em redes sociais monetizados”, explica Helito, do PHR Advogados.
Já os de caráter personalíssimo são aqueles ligados exclusivamente à identidade, à privacidade ou à memória de uma pessoa, tendo, portanto, um aspecto mais afetivo do que financeiro. Entre eles, estão as contas pessoais em redes sociais, e-mails, mensagens privadas, fotografias armazenadas na nuvem e históricos de navegação.
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Esses bens, muitas vezes, escapam às regras do Direito Sucessório brasileiro, o que causa mais dificuldades para transmiti-los em herança. “Contudo, já foram proferidas decisões em tribunais ao longo do País autorizando o acesso de familiares e herdeiros ao acervo digital deixado pelos falecidos”, afirma Moreira, do PLKC Advogados.
A tributação também é um ponto relevante. No Brasil, a herança de bens está sujeita ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Embora as criptomoedas ainda careçam de uma regulamentação específica, elas são consideradas ativos financeiros e, portanto, entram nessa tributação. Já as contas em redes sociais permanecem em uma zona cinzenta, sem definições sobre a aplicação do imposto, mesmo quando pertencem a influenciadores e possuem valor econômico. “Atualmente, não há um mecanismo definido para essa avaliação. Acredito que dependerá de cada caso e do rigor da fiscalização”, explica Corrêa, da Finvity.
No caso dos bens digitais, assim como para os econômicos, vale a recomendação de autorizar, em testamento, o acesso ou não a esse tipo de herança. Isso ajuda a evitar potenciais conflitos entre os familiares e a Justiça.
“Algumas plataformas digitais já permitem que o usuário indique, no momento da adesão, uma pessoa que será considerada herdeira daquele material. A mera nomeação por meio da rede ou plataforma, no entanto, não torna a pessoa efetivamente herdeira aos olhos da lei brasileira. Por isso, a melhor opção é incluir isso no testamento”, conclui Moreira.
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