- Construir a estratégia de investimentos desde cedo permite independência financeira para os planos futuros
- Apenas 21% dos brasileiros aprenderam sobre investimentos na infância
- Antes de dar o pontapé inicial, porém, os pais devem pôr ordem nas próprias contas
Pagar um curso universitário, fazer aquele intercâmbio no exterior, comprar um carro ou apenas ter uma reserva que proporcione independência financeira: são muitas as razões pelas quais vale a pena fazer um plano de investimentos para os filhos que você já tem ou ainda pretende ter. Se pensarmos na maioridade como a transição simbólica para a vida adulta, os pais têm 18 anos a partir do nascimento do filho para construir a estratégia que permitirá acumular os recursos necessários para realizar sonhos como esses.
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Dezoito anos podem parecer uma eternidade. Mas vale a pena se organizar o quanto antes para que todo esse tempo trabalhe a favor do projeto. Quanto mais cedo esse esforço começar, melhor: os juros farão o resto. E os resultados não se limitam à reserva em si. A educação financeira que pode ser dada ao seu filho vem de brinde – e se mostra necessária. Uma pesquisa realizada pelo Ibope mostrou que apenas 21% dos brasileiros aprenderam sobre investimentos na infância – destes, 45% não compartilham ou passam poucas informações sobre o orçamento da casa para os filhos.
“É a chance de ensinar o valor do dinheiro, a estabelecer prioridades. O filho vai aprender a controlar os próprios gastos, evitar o desperdício e poderá até participar das decisões financeiras da família”, destaca o planejador financeiro Caco Santos, da Planejar. “Claro que há um caminho longo a percorrer, com ensinamentos que vão sendo transmitidos ao longo dos anos. Senão, ele chega aos 18 anos, ganha uma bolada, e aí?”, indaga.
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Antes de dar o pontapé inicial, os pais devem pôr ordem nas próprias contas. Isso permitirá estabelecer a fatia do orçamento que será destinada ao projeto. Começar é sempre a parte mais difícil. Para a boa intenção não morrer na praia, 10 entre 10 planejadores financeiros dizem a mesma coisa: é preciso separar a parte a ser poupada e depois gastar o valor que sobrar. Se você gastar primeiro e guardar o que sobrar, provavelmente nunca sobrará nada. A partir daí, é ter regularidade e disciplina.
“Para quem tem mais dificuldade de separar dinheiro para investir, um caminho são os fundos de previdência com aportes mensais. Eles funcionam como uma despesa fixa”, diz o estrategista da Portofino, Mario Kepler. “Pegue um percentual da renda que seja confortável, invista e vá construindo a reserva. Poupar é condicionamento.”
Quando introduzir o assunto dinheiro no universo da criança
A educação financeira dos filhos se dá em etapas, em um processo que começa ainda na infância. É importante introduzir o assunto dinheiro no mundo da criança de um jeito que ela entenda e que seja coerente com o universo e as necessidades dela.
Ao receber dos pais pequenas quantias para satisfazer suas vontades do dia a dia, ela poderá, aos poucos, entender que os recursos são finitos. E que terá que fazer escolhas e renúncias para atingir seus objetivos.
Mãe de filhos de 8 e 13 anos, a psicóloga Ana Pepe de Souza diz que, até os 6 anos de idade, a criança ainda não deve receber quantias regulares, mas sim os “dinheirinhos esporádicos”. São valores dados de presente por avós e parentes, por exemplo, e que podem ser usados em alguma compra especial.
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“É a chance de começar a mostrar que o brinquedo desejado custa X reais. Como podemos chegar ao valor necessário para a compra?”, explica.
Com 6 anos, a criança já pode começar a receber dinheiro dos pais, mas ainda é muito nova para administrar um intervalo de tempo de 30 dias. Por isso, a melhor opção é a chamada semanada. Uma ida ao supermercado com os pais pode render, no mesmo passeio, boas lições de alimentação saudável e educação financeira. “Este suco custa R$ 1,70 no supermercado e R$ 4,50 na cantina da escola. O que é possível fazer com a diferença? A criança vai aprendendo que tem possibilidades de escolha”, diz.
Antes de partir para a mesada, a psicóloga sugere uma etapa intermediária, a quinzenada, paga dos 8 aos 10 anos. A partir dos 11 anos, a criança já tem capacidade de receber uma quantia uma vez por mês. Será seu primeiro contato com um dos dilemas mais recorrentes da vida adulta: como fazer o dinheiro recebido durar até o fim do período. “Sem esse aprendizado, ela terá dificuldade de administrar o próprio salário no futuro”, afirma Ana.
Para a planejadora financeira Emanuelle Serra, os pais não devem interferir no uso que a criança quiser fazer do dinheiro que recebe. Essa liberdade a ajudará inclusive a entender as consequências das próprias decisões.
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“Aquele gasto pode ser uma besteira na opinião do adulto, mas parecer importante para ela”, argumenta. “Além disso, quando tiver gasto tudo, a própria criança poderá concluir que faltou dinheiro para algo mais bacana. Ela vai repensar suas decisões e, provavelmente, não se tornará um adulto que entrará no cheque especial.”
Na adolescência, participação pode aumentar
Lá pelos 15 anos, o pré-adolescente já tem condições de iniciar uma relação mais próxima com o dinheiro. Nessa altura do campeonato, alguns pais que não quiseram guardar a surpresa já contaram aos filhos sobre a existência do projeto.
Para Santos, da Planejar, essa é uma boa oportunidade de levar o filho para uma conversa com o gerente do banco (ou o analista da corretora) e começar a desvendar o universo dos investimentos. “É legal o filho fazer parte dessa construção. As oportunidades de dar educação financeira nesse período são inúmeras, e esse é um presente que ele levará para a vida”, afirma.
Nessa fase, entra em cena a caderneta de poupança. Não como investimento, mas como um valioso instrumento pedagógico. A ideia é disponibilizar ali uma pequena verba que o filho possa movimentar sozinho. E que ele também possa engordar com seu próprio esforço de poupar, em paralelo ao projeto dos pais.
“A poupança tem a rentabilidade muito baixa. Por outro lado, é fácil abrir uma caderneta para um menor de idade. E, para começar, a disciplina é mais importante que a rentabilidade”, defende Caco Santos. “Depois, o jovem poderá migrar para outro tipo de investimento e aprender que escolhas diferentes levarão a resultados diferentes.”
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A gerente de investimentos do Sicredi, Márcia Guerra, faz coro com ele. “A caderneta vai ensinar o jovem a cuidar do próprio dinheiro. Ele vai aprender como funciona e ter um cartão na mão”, diz. “Isso gera um empoderamento: ele cria o mindset de que é capaz de gerir seus recursos. Se não tiver essa educação aos poucos, ele poderá fazer 18 anos e acabar torrando o dinheiro de forma inadequada.”
Por falar nessa bolada, o dinheiro que está sendo acumulado para os 18 anos não deve ser movimentado antes da hora, ainda que os filhos pressionem nesse sentido. “Eu sempre faço esse apelo aos pais: não deem o dinheiro na mão do filho antes dos 18 anos! É um dinheiro de que os pais estão abrindo mão, então nada mais justo que eles mesmos cuidem desse valor”, frisa a sócia-diretora da FB Wealth, Daniela Casabona.
Mentalidade da carteira não é a mesma dos investimentos de curto prazo
O plano de investimento para a maioridade tem um horizonte de tempo bastante longo. Por isso, não deve ser concebido e gerido como uma aplicação de curto prazo. Na prática, isso significa que o investidor dará um peso diferente a características como risco e liquidez. Afinal, há um tempo maior para compensar oscilações negativas e a ideia não é movimentar o dinheiro tão cedo.
“Ainda que tenha um perfil claramente conservador, em um projeto de longo prazo o investidor terá que somar algum tipo de risco. Existe um prêmio do mercado que não pode ser desprezado”, diz Kepler, da Portofino. “Algumas pessoas não tem estômago para oscilações, mas isto é algo para 18 anos. Se a Bolsa vai subir ou cair na semana que vem, isso não importa, porque no longo prazo esse investimento será mais rentável que o de risco muito baixo.”
Se em um horizonte de prazo menor o investidor fica tentado a mexer na carteira o tempo todo, neste caso isso só deve ser feito caso ocorram mudanças estruturais maiores na economia. “Esqueça um pouco o curto prazo”, ele recomenda. “Não olhe o valor diário das cotas, não se exponha aos riscos de perder dinheiro com a marcação a mercado (vendendo antes do vencimento). O tempo está a seu favor.”
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Ele sugere uma estratégia baseada principalmente em juro real – ou seja, títulos que pagam a inflação, mais um cupom de juros prefixado, o que garante como resultado final um rendimento real sempre positivo. Para completar uma carteira equilibrada, entram renda variável, fundos multimercado e uma parcela indexada à taxa Selic.
“O Brasil ainda paga um juro real generoso. Você pode obter isso por meio de um fundo de previdência, que tem o benefício da tabela regressiva de IR, com alíquota de 10% depois de 10 anos. É um investimento passivo que expõe você a juro real”, recomenda.
Já a parcela da carteira dedicada a fundos multimercado deve ser alocada fora da previdência, de acordo com o estrategista. “Os fundos multimercado de previdência têm retorno bem mais baixo. A tributação mais baixa acaba não compensando”, diz.
Previdência é conveniente, mas não é o único instrumento
Márcia Guerra, do Sicredi, destaca que a tributação regressiva não é a única vantagem dos fundos de previdência. Outro atrativo é a possibilidade de trocar o indexador, de acordo com a conveniência do momento da economia.
“A taxa de juros líquida caiu de 12% para 3%, então você precisa pensar em estratégias diferentes. Se ficar 10 anos no mesmo indexador, pode perder boas oportunidades de rentabilizar. Tem que saber aproveitar as distorções do mercado”, ensina.
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Ela também ressalta que o planejamento de longo prazo permite ao investidor “trabalhar na carteira os ativos que ele quiser”. Isso inclui aproveitar boas oportunidades em ações.
“Sugiro um plano de previdência privada tipo VGBL, com uma ‘pimentinha’ de renda variável”, indica. “Mas é importante não ter furos nos aportes mensais, nunca passar de seis meses sem fazer depósitos. Se interromper os pagamentos, tem que compensar lá na frente, no prazo de saída”, alerta.
Outra sugestão de Márcia é os pais criarem, além do plano de previdência principal, um segundo VGBL, este com aportes mensais de valor bem baixo. A ideia é que o próprio filho leve adiante esse plano, fazendo depósitos e mantendo o investimento sozinho. “Assim, ele já fica com uma aposentadoria diferenciada.”
A planejadora financeira Emanuelle Serra diz, no entanto, que os fundos de previdência são apenas um dos instrumentos possíveis. Eles são muito úteis para o investidor que não tem disciplina, ou com menos conhecimento no mercado financeiro. Mas é perfeitamente possível construir um plano de investimentos para os filhos sem recorrer a eles.
“A previdência é conveniente porque ela tira o dinheiro da sua conta todo mês. E você não precisa ter medo de investir em renda variável, porque um gestor vai pensar a estratégia por você”, resume. “Mas eu, por exemplo, trabalhei no mercado financeiro a vida toda e sou disciplinada. Então, para meus dois filhos, eu montei uma carteira com 70% em ações e 30% em títulos públicos indexados ao IPCA”, conta.