

No início de abril, o Twitter se tornou palco de uma briga interessante. O bilionário Elon Musk anunciou publicamente seu desejo de investir mais de US$ 40 bilhões na companhia que comprou nesta semana.
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No início de abril, o Twitter se tornou palco de uma briga interessante. O bilionário Elon Musk anunciou publicamente seu desejo de investir mais de US$ 40 bilhões na companhia que comprou nesta semana.
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O Conselho de Administração do microblog, por sua vez, contra-atacou com algumas medidas conhecidas como poison pills ou ‘pílulas de veneno’. E foi graças a essas medidas que o Twitter conseguiu ganhar poder de barganha e chegar a um acordo que preservasse o interesse da administração na venda da companhia.
Se o dono da SpaceX tem entre suas atividades a organização de viagens siderais, a preocupação dos conselheiros do Twitter foi bem mais “pé no chão”: criar um plano de direitos que desse nitidez aos acionistas atuais sobre o futuro do investimento e oferecesse recompensas por uma eventual compra que concentrasse poder na corporação. Uma espécie de senso de gravidade para a dinâmica do mercado.
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Mas, afinal, o que são as poison pills? Como elas funcionam? Existe regulamentação para isso? Entenda como funciona esse elemento importante na “queda de braço” diante de aquisições consideradas hostis.
As ‘poison pills’ são uma medida de autorregulação do mercado contra movimentações que afetem o interesse das companhias. (Fonte: Shutterstock/Reprodução)
Segundo Mateus Lopes da Silva Leite, sócio do Candido Martins Advogados, a medida foi criada em 1982 pelo estadunidense Martin Lipton para evitar que um acionista ou um terceiro adquirisse um percentual significativo de ações sem que houvesse um contrapeso a esse fenômeno.
“Graças às poison pills, ao entrar em cena um investidor muito grande, os demais acionistas podem comprar ações por um valor abaixo do mercado para diluir o novo sócio e impedir que ele tome o controle da companhia”, ele explica.
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Leite acrescenta que, no Brasil, esse instrumento começou a se difundir a partir dos anos 2000. Até então, a maior parte das empresas de capital aberto tinha um investidor majoritário que controlava a administração.
A partir do momento em que se abriram mais corporações de capital pulverizado, as poison pills se mostraram especialmente úteis.
A questão, segundo o advogado, é que em uma empresa de capital aberto é possível adquirir as ações e criar alterar completamente o cenário empresarial.
Leite explica que “um terceiro pode fazer aquisições sucessivas na bolsa para adquirir o controle e depois mudar radicalmente a companhia de acordo com seus interesses e contra os objetivos dos demais acionistas e da administração”.
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Segundo Graziela Fortunato, especialista em Finanças Pessoais e professora da Escola de Negócios (IAG) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), as empresas podem ter no estatuto medidas de proteção contra aquisições hostis, as chamadas hostile takeover. Isso costuma ocorrer quando um acionista controla de 10% a 35% da corporação.
“Assim, ele entra no ranking de segurança e é obrigado a realizar uma oferta pública de ações para os demais acionistas, como se falasse: ‘Eu comprei, mas preciso dar direito aos demais acionistas de se posicionarem em relação à minha posição'”, afirma a especialista.
Uma medida comum nesse caso é que, ao entrar na faixa de segurança, o investidor que deseja ser majoritário deve pagar um ágio pelas ações. Então, ele investe um pouco mais, de modo a frear uma tentativa de controle que desequilibre a organização.
Nesse sentido, outro ponto de equilíbrio bastante utilizado é a emissão de novas ações, com preço abaixo do mercado, o que oferece um “antídoto” ao movimento do comprador maior.
Por promoverem o equilíbrio do mercado, as poison pills são consideradas medidas legítimas de governança corporativa.
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Não à toa, a Bolsa de Valores brasileira (B3) tentou algumas vezes incorporar regras para o uso desse instrumento em companhias listadas no Novo Mercado, mas não foi possível avançar em uma regra geral, segundo Leite. O advogado acrescenta que outro modo possível de regulamentação seria alterar a legislação societária.
Porém, tudo indica que a regra do jogo continue sendo definida empresa a empresa, conforme a manifestação do estatuto.
A Comissão de Valores Mobiliários emitiu em 2009 um parecer segundo o qual as poison pills não são pétreas e podem ser alteradas pelos acionistas, conforme a conveniência. Desse modo, é no campo da organização que o tema é definido.
Além das poison pills, Leite acrescenta que as empresas têm outros modos de inibir comportamentos indesejados por parte dos agentes do mercado e proteger a posição de sócios. “Shark-repellent, pac man, white knight e tag along são outros dispositivos de governança usados pelas companhias”, ele acrescenta.
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No caso recente envolvendo Musk e Twitter, o Plano de Direitos da rede social estabelecia uma nota de corte de 15% em ações e era válida por um ano. Ela se aplicava a qualquer tentativa de aquisição hostil, mas esse projeto tinha nome e sobrenome: a ideia era barrar o assédio do bilionário sul-africano.
Segundo o documento, se algum acionista ultrapassar a cota de ações em operações não autorizadas pela direção da companhia, as poison pills passam a ser aplicadas.
Como o proprietário da Tesla já era dono de 9% do Twitter desde o início de abril, isso o limitaria a aumentar a própria participação na empresa em, no máximo, 66%. E foi graças a essa barreira que Musk e o Conselho de Administração do Twitter foram capazes de fechar uma venda sob uma mediação.
Em situações análogas, companhias conseguiram afastar “tubarões”, como a Netflix, em 2012, que usou o instrumento contra a Icahn.
A compra do Twitter por Musk possui uma série de consequências, a começar pelo mercado: o Twitter deixará de estar listado na bolsa de valores, já que o bilionário será dono de 100% do capital da empresa. Mas os principais efeitos ainda devem ser definidos ao longo deste ano, prazo para que o processo de venda seja concluído.
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Um exemplo disso é a possível reabertura de contas banidas anteriormente, como a do ex-presidente Donald Trump. Musk defendeu nos últimos meses que o Twitter precisava ser menos regulado, justamente em um período em que a União Europeia discute medidas para regular a atuação das mídias online.
O sul-africano prometeu otimizar a plataforma, inclusive em relação à transparência, a exemplo de abrir o código dos algoritmos, eliminar robôs de spam e autenticar usuários humanos. Mas não há nada de concreto a respeito do assunto. Se a venda está fechada, suas consequências estão longe de uma definição.
Em razão desse contexto, os rumos da “ágora digital” podem ser um termômetro sobre o futuro da regulação do debate público, ao menos a partir dos Estados Unidos.
Fonte: Invest News; NY Times; Graziela Fortunato, especialista em Finanças Pessoais e professora da IAG da PUC-Rio.
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