Comprar, vender e trabalhar são só algumas atividades econômicas que se multiplicam nas plataformas e redes sociais ao longo da última década. Com a tendência, surge também a necessidade de organizar e regular essas práticas, que até pouco tempo atrás só eram possíveis a partir da interação física e presencial. Grosso modo, é sobre essas transformações que se debruçam os operadores do direito digital – incluindo a herança de influencers.
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Com a migração de diversos ramos do trabalho para redes como Instagram, YouTube e TikTok, o direito à herança de influenciadores e produtores de conteúdo se tornou uma questão real. Canais com mais de 100 mil inscritos e perfis com milhões de seguidores têm potencial de gerar engajamento e monetização, mesmo após o falecimento do criador da conta. Nesses casos, quem teria direito ao espólio digital? Quais regras são aplicadas? A plataforma pode ficar com a herança?
Bens digitais são reconhecidos pelo direito e, quanto a eles, não há divergência. São classificados dessa forma os vídeos em plataformas, as palestras online, as assinaturas de serviços digitais e todo material intangível, isto é, armazenado em um servidor, hardware ou nuvem. No entanto, o direito de herdar ou não um determinado material ou espaço digital passa pelo caráter apresentado por ele.
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Conteúdos com finalidade econômica ou patrimonial estão entre aqueles que podem ser repassados a herdeiros. Páginas e espaços existenciais de um usuário ou produtor de conteúdo não podem. Exemplificar ajuda a distingui-los: um canal com vídeos monetizados no YouTube ou um perfil de vendas no Instagram possuem caráter econômico; uma página pessoal no Facebook é apenas a representação de um cidadão nas redes. Este último é considerado como um bem digital existencial.
Quem tem direito à herança de um influencer?
Via de regra, influenciadores são usuários famosos nas redes que produzem conteúdo patrocinado ou recebem pelas chamadas ‘publis’ (publicidades pagas), para promoverem uma determinada marca, um produto ou serviço prestado por uma empresa. Em outros casos, produtores de conteúdo podem ser remunerados a partir de anúncios que são exibidos em seus vídeos, armazenados em plataformas como YouTube ou Twitch, por exemplo.
Levando em conta o caráter econômico da atividade, a legislação que regulamenta e garante a transmissão dos bens e direitos digitais é a mesma que define quem tem direito aos bens móveis e imóveis de um familiar falecido.
Desse modo, têm direito ao espólio deixado por influenciadores “os herdeiros necessários, seguindo a ordem de vocação hereditária, ou os testamentários, conforme disposto no artigo 1.829 do Código Civil”, pontua Renata Mangueira de Souza, especializada em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócia do Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados.
São considerados herdeiros necessários os filhos, netos, bisnetos; pai, mãe, avô, avó; marido, esposa ou companheiro (a). A estes é destinada parte da herança denominada legítima. A quantia mínima que deve ser reservada a eles é de metade do patrimônio do falecido.
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No caso de quem vive produzindo material para a internet, entram no inventário as contas e perfis de caráter patrimonial, os rendimentos e os direitos que advêm desses espaços digitais. Vale ressaltar que a ordem no processo de sucessões, prevista no artigo 1.829 do Código Civil, é:
- filhos (descendentes) e cônjuge, como herdeiros de primeira classe;
- cônjuge e pais do falecido (ascendentes, se estiverem vivos);
- cônjuge (não havendo descendentes e ascendentes);
- por fim, os colaterais (irmãos, tios, sobrinhos e primos).
Se for da vontade dos sucessores do falecido (isto é, filhos, pais, irmãos e outros herdeiros), fica autorizada a solicitação de exclusão ou encerramento da conta ou perfil na plataforma ou rede social. “A herança digital em nenhuma hipótese será transferida para a plataforma, mas tão somente aos herdeiros, se for o caso”, explica a advogada. De modo que as empresas (ou big techs) que hospedam essas contas não têm direito a se apropriar da totalidade dos valores gerados pelo produtor de conteúdo, após seu falecimento.