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Em última entrevista ao Estadão, Pastore disse não acreditar em déficit zero

Um dos maiores economistas do Brasil e ex-presidente do BC falou com o E-Investidor duas semanas antes de sua morte

Em última entrevista ao Estadão, Pastore disse não acreditar em déficit zero
Affonso Celso Pastore deu entrevista ao E-Investidor dias antes de sua morte. Foto: WERTHER SANTANA/ ESTADÃO
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  • O economista Affonso Celso Pastore feleceu aos 84 anos, em São Paulo. O ex-presidente do Banco Central (BC) estava internado após passar por cirurgia no sábado (17) para tratar de um problema vascular na perna
  • Colunista do Estadão, Pastore concedeu entrevista ao E-Investidor no último dia 5 de fevereiro. Por telefone, falou sobre o atual momento do mercado financeiro brasileiro e as expectativas para economia em 2024

O economista Affonso Celso Pastore faleceu nesta quarta-feira (21), aos 84 anos, em São Paulo. O ex-presidente do Banco Central (BC) estava internado após passar por cirurgia no sábado (17) para tratar de um problema vascular na perna. Colunista do Estadão, Pastore concedeu entrevista ao E-Investidor há duas semanas. Por telefone, ele falou sobre o atual momento do mercado financeiro brasileiro e as expectativas para a economia em 2024.

Embora o Brasil tenha melhorado sua nota de risco ao longo do último ano, o economista não enxergava espaço no curto e médio prazos para o Brasil recuperar o grau de investimento. Considerado um certificado de bom pagador, o título influencia investidores a aportar ou não recursos. A relação dívida/PIB é o principal entrave para o País se tornar atrativo aos estrangeiros, na avaliação do economista.

“Precisaria gerar superávits primários suficientemente grandes para estabilizar, no mínimo, a relação dívida/PIB. Mas estamos gerando déficits primários”, disse Pastore. “Esquece o grau de investimento. Isso é uma coisa que está a léguas de distância.”

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Outra descrença de Pastore era sobre a meta de déficit zero, que o Governo sustenta como alvo possível em 2024. “Nem a torcida do Corinthians acha isso factível. O consenso de mercado coloca para este ano, para o qual a meta é zero, um déficit de 0,8% do PIB”, afirmou o ex-presidente do BC.

Sobre a agenda macroeconômica, Pastore apontava uma trajetória bem delineada e sem grandes surpresas. Os juros devem ficar em 9% ao final do ano, a inflação acima da meta e o PIB à metade de 2023 – mas acima do atual consenso de mercado, de 1,5% -, projetou.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista, feita em 5 de fevereiro de 2024.

E-Investidor – O Sr. já escreveu que o bom desempenho do PIB em 2023 reflete apenas um surto de crescimento, puxado pelos gastos públicos, e que isso retrai o setor privado. O mercado financeiro precificou errado esse crescimento?

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Affonso Celso Pastore – A bolsa está próxima dos 127 mil pontos. Há um ano, estava na faixa dos 105 mil pontos. A economia nacional também teve uma subida importante, cerca de 3% de crescimento. O mercado olha a taxa de juros, o exterior, os Estados Unidos, e se pergunta: a taxa de juros vai cair nos EUA antes ou depois do Brasil? Se cair antes nos EUA, isso significa que os capitais que estão fluindo para lá ficariam aqui. Se cair depois, os capitais vão para lá porque pagariam uma taxa de juros mais alta. O mercado levou em consideração todos esses fatores e isso coloca a Bolsa nesse patamar. Não vejo razão para fazer observação crítica a respeito dessa precificação do mercado.

Como deve ser a performance da economia nacional em 2024?

Crescemos 3% em 2023. Um pedaço disso foi o crescimento do PIB da agricultura nos 1º e 2º trimestres, com a ajuda do clima. A agricultura não vai reproduzir o mesmo tipo de desempenho em 2024. Além da agricultura, quem puxou o crescimento do PIB foi o déficit público, que foi muito alto, e um volume de transferência de renda para as famílias, que exacerbou o crescimento do consumo. O governo deve fazer também um déficit em 2024, porém menor do que o de 2023. No entanto, as transferências de renda, em termos reais, se mantêm no mesmo nível que estavam em 2023. O mercado de trabalho está aquecido. As taxas de salário estão subindo e isso sustenta o consumo. Essa é uma força para manter o crescimento em 2024. No entanto, a política monetária está no campo restritivo há mais de um ano e tem defasagens. Isso significa que, apesar do estímulo que vem do consumo, de um impulso fiscal, a economia não deve crescer em 2024 perto do que cresceu em 2023. Ela desacelera o crescimento. O consenso nas projeções de mercado está num crescimento de 1,5% em 2024. A minha impressão é de que provavelmente vai ser um pouco acima disso.

Quais setores vão se destacar?

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Setores ligados ao consumo das famílias, que é a grande força de impulsionamento da demanda agregada no Brasil. À medida em que o consumo das famílias é a força mais importante na criação de demanda agregada, os setores que fornecem bens para esse consumo são mais beneficiados.

Para 2024, colocando na conta, qual é o maior desafio do Brasil na economia?

O governo já determinou o que quer fazer com o gasto público. Isso já está dado. Vai aumentar o gasto em 2,5% em termos reais. Não vai cumprir a meta de resultado primário. O BC vai baixar a taxa de juros até 9% ao ano. Vamos chegar ao fim deste ano com um crescimento econômico acima do crescimento de consenso, de 1,5%, porém, abaixo do crescimento de 2023. E vamos fechar o ano com uma inflação acima da meta.

Com uma possível desaceleração da economia, devemos ver novamente o embate entre o governo e Banco Central (BC) em torno do controle dos juros?

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Se o BC estiver olhando para a meta de inflação, vai cortar a taxa de juros em um nível que faça chegar à meta. O mandato do BC é cumprir a meta de inflação. A taxa está agora em 11,25% ao ano. Há um consenso do mercado de que ele vai levar a taxa Selic até 9% em 2024. Essa é uma boa previsão a respeito disso.

Acredita que o BC vai atingir a meta de inflação?

O BC vai baixar até 9% ao ano, mas a inflação vai ficar um pouco acima da meta. Para chegar à meta, o BC teria que parar (o corte na) a taxa de juros antes de 9%.

Neste contexto, o Brasil é uma boa opção para o investidor estrangeiro?

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O fechamento do balanço dos pagamentos de 2023 mostra que o ingresso de investimento estrangeiro em ações, ao longo de 2023, é zero. Não há entrada de dinheiro estrangeiro na bolsa. Houve uma entrada de R$ 10 bilhões em investimento em renda fixa. Se não entrou fluxo, não acho que o comportamento da bolsa teve uma grande contribuição de estrangeiro.

Em que aspectos o Brasil ainda precisa avançar? Recentemente, houve melhora nas notas por agências de classificação de risco.

O Brasil tem um problema fiscal muito sério. Precisaria gerar superávits primários suficientemente grandes para estabilizar, no mínimo, a relação dívida/PIB. Existe uma narrativa no mercado de que o Brasil está ruim fiscalmente, mas os outros países estão piores. Consequentemente, o estrangeiro olha para nós e entra aqui. Se isso fosse verdade, olhando para os dados de fluxo de ingresso de investimentos estrangeiros na bolsa do Brasil, deveria haver uma montanha de recursos entrando aqui. E não vejo isso. O que existe aqui dentro é um risco fiscal, de sustentabilidade da dívida pública. A política fiscal que o governo vem imprimindo, daqui até 2026, não vai gerar superávits suficientes nem para estabilizar a relação dívida/PIB. Quando chegar em 2026, a dívida pública será da ordem de 85% do PIB. Ela está em 76% hoje em dia. Esse risco fiscal entra na equação dos investidores, que investem menos no Brasil do que poderiam, caso o País fosse fiscalmente muito mais responsável do que é.

O que o Brasil precisa fazer para voltar a ter grau de investimento?

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Precisaria controlar o gasto público e aumentar receita, fazer coisas que, até agora, não há nenhum sinal de que está sendo feito. Esquece o grau de investimento. Isso é uma coisa que está a léguas de distância.

Como vê a questão do déficit zero? Acha que essa meta do governo é factível?

Nem eu nem a torcida do Corinthians está achando isso. Ninguém. O consenso de mercado coloca para este ano, para o qual a meta é zero, um déficit de 0,8% do PIB.

Por que o governo ainda insiste nessa meta?

O ministro Fernando Haddad tenta convencer o governo a ser mais responsável. Acontece que o presidente Lula acha que gastar mais é o segredo para o Brasil crescer mais, mas o Congresso não aprova aumentos de receita. Haddad está tentando fazer o melhor que pode e vai tentar até o fim. Ele é insistente, persegue o objetivo, mas acho muito difícil que ele convença o governo.

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