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“Investimento em ativo de risco deve voltar em 2024”, diz Bruno Funchal

CEO da Bradesco Asset traça projeções para a Selic, analisa riscos e fala de oportunidades de investimento

“Investimento em ativo de risco deve voltar em 2024”, diz Bruno Funchal
O ex-secretário do Tesouro Nacional e CEO da Bradesco Asset (Foto: Bradesco Asset/Divulgação)
  • Bruno Funchal, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual CEO da Bradesco Asset, vê a política monetária nos EUA como um dos principais fatores que podem impactar o ciclo de queda de juros no Brasil
  • "Se acelerarmos o passo na redução da Selic em um cenário onde os Estados Unidos está com uma política monetária restritiva, correremos o risco de nossa moeda se desvalorizar", alerta Funchal
  • A condução das contas públicas também segue no radar, como um fator de risco importante e que pode jogar um balde de água fria na Bolsa

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu cortar a taxa básica de juros no Brasil em 0,5 ponto percentual, para 12,25% ao ano, nesta quarta-feira (1º). O mercado espera que novos recuos da Selic ocorram nas próximas reuniões da autoridade monetária, mas há riscos que podem impactar esse ciclo de queda de juros.

Para Bruno Funchal, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual CEO da Bradesco Asset, o mais substancial destes riscos está relacionado à dinâmica da política monetária nos Estados Unidos. Na visão de Funchal, se o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), precisar manter o juro alto no país por mais tempo, isto pode acabar limitando a capacidade do Banco Central brasileiro de intensificar a redução da Selic.

“Se acelerarmos o passo na redução da Selic em um cenário onde os Estados Unidos está com uma política monetária restritiva, correremos o risco de nossa moeda se desvalorizar, porque o diferencial de juros entre os países fica muito pequeno. A desvalorização da moeda pode gerar um problema inflacionário”, alerta Funchal.

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As dúvidas quanto à trajetória dos juros nos EUA foi um dos motivos que atravancou a recuperação de ativos de risco no Brasil, como os fundos de ações e multimercados, que já registram resgates de R$ 39,5 bilhões e R$ 57 bilhões no ano, respectivamente.  “Os fundos perderam muito por conta da incerteza”, diz Funchal. “Talvez essa retomada dos investimentos em ativos de risco, como fundos de ações e multimercados, fique para 2024. Ano que vem é muito mais promissor para isso, porque você vai ter o mundo inteiro entrando em um ciclo de queda de juros.”

A condução das contas públicas também segue no radar, como um fator de risco importante e que pode jogar um balde de água fria na Bolsa. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que o governo dificilmente conseguiria entregar a meta de déficit zero no ano que vem, estipulada dentro do âmbito do Arcabouço Fiscal.

“Se começarmos a flexibilizar o modelo, não seguindo o arcabouço ou alterando a meta, o resultado será o aumento da insegurança em relação à trajetória da dívida e o compromisso com as contas públicas. Essa insegurança vira prêmio de risco, ou seja, mais juros”, diz Funchal.

E-Investidor – Quais fatores poderiam provocar uma desaceleração nos cortes na Selic?

Bruno Funchal – Se fosse ter alguma mudança, seria para desacelerar o ritmo de cortes em função da dinâmica dos Estados Unidos. No último mês, os EUA têm sido um player super relevante e influente na nossa política monetária. Se o Federal Reserve (Fed) continuar mantendo o juro muito alto por lá, isto pode acabar limitando a capacidade do nosso Banco Central de acelerar a nossa redução da Selic. Esse é um elemento importante que tende a fazer o Banco Central ser mais conservador.

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Se acelerarmos o passo na redução da Selic em um cenário onde os Estados Unidos está com uma política monetária restritiva, correremos o risco de nossa moeda se desvalorizar porque o diferencial de juros entre os países fica muito pequeno. A desvalorização da moeda pode gerar um problema inflacionário e não queremos isso.

O outro ponto é que, dependendo da dinâmica da guerra em Israel, o conflito poderia afetar os preços do petróleo e gerar inflação também. Mas o que temos conversado com os analistas políticos de Oriente Médio é que o confronto está muito localizado ainda. O risco de se alastrar para ter, de fato, impacto em preços do petróleo, ainda é pequeno.

E tendo em vista todo esse plano de fundo, qual é a sua projeção para a Selic?

Hoje nossa projeção é de 9,5% para a Selic no final do ciclo, que também é uma boa notícia para a economia. Muito da alavancagem (dívida) das companhias está vinculada ao CDI. A queda dos juros pode ajudar o balanço das empresas, pode estimulá-las a captarem mais recursos, a fazerem dívida, e isso acaba estimulando o investimento.

Se tudo ocorrer dentro do que é esperado, a inflação convergindo, a atividade econômica desacelerando, e se a gente ver, pelo menos, uma estabilidade dos juros americanos, com indicativo de queda das taxas, acho que a tendência é ficar em torno de 9,5% mesmo.

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Mas esse nível seria suficiente para devolver a atratividade da renda variável? Fundos multimercados e fundos de ações continuam sofrendo, mesmo em meio ao terceiro corte na Selic.

Os fundos perderam muito por conta da incerteza. Tivemos um período bom lá para junho e julho, quando tínhamos uma expectativa de queda de juros americanos para o ano que vem e estávamos no início do ciclo de queda brasileiro. Estava se criando um ambiente muito favorável e começamos a ver um movimento de interesse em entrada em Bolsa.

O problema é que logo em setembro começamos a ter muito ruído, principalmente em relação à política monetária dos Estados Unidos. A economia americana muito aquecida colocou em xeque a capacidade de fazer a inflação convergir em um prazo mais curto e veio a necessidade de juros altos nos EUA por mais tempo. Isso acabou prejudicando essa retomada que estávamos observando no meio do ano.

Talvez essa retomada dos investimentos em ativos de risco, como fundos de ações e multimercados, fique para 2024. Ano que vem é muito mais promissor para isso, porque você vai ter o mundo inteiro entrando em um ciclo de queda de juros. Na média, em 24 meses após o início de um ciclo de queda de juros, a Bolsa se valoriza mais de 60%. Vimos isso nos últimos seis ciclos.

Nesse momento, o que faz sentido ter na carteira?

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O que faz sentido ter na carteira são aqueles ativos que mais se beneficiam do ciclo de queda de juros – no geral, empresas de crescimento e companhias cíclicas, que se beneficiam com a retomada da economia.

Existem também algumas empresas do setor de utilities (serviços de utilidade pública), como o de saneamento, que possuem fluxo de caixa muito parecido com títulos prefixados, que se beneficiam muito com queda de juros. Agora, é importante ver também o valor específico de cada empresa, como está a saúde de cada companhia.

No momento temos muita oportunidade na Bolsa. Por conta desse movimento técnico de resgates em fundos multimercados e de ações, muitos gestores acabaram vendendo papéis para dar saída aos cotistas. Estamos com um nível de preço/lucro da Bolsa em 9, abaixo do patamar da pandemia e muito abaixo da média histórica, de 12.

Na última sexta-feira (27), o presidente Lula declarou que “dificilmente” o governo conseguiria entregar a meta fiscal do ano que vem, de déficit zero. Caso realmente não alcance ou mude essa meta, qual o impacto sobre os investimentos?

Tem um impacto relevante. Se existe uma regra crível o investidor consegue ter uma previsibilidade em relação à trajetória de geração de resultado fiscal no tempo, quanto o governo vai gastar, os déficits ou superávits. As expectativas ficam ancoradas.

Se começarmos a flexibilizar esse modelo, não seguindo o arcabouço ou alterando a meta, o resultado será o aumento da insegurança em relação à trajetória da dívida e o compromisso com as contas públicas. Essa insegurança vira prêmio de risco, ou seja, mais juros.

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Os juros mais altos comprometem os investimentos e menos investimentos comprometem o crescimento, afetando a geração de renda e emprego. Por isso é importante manter o que foi aprovado, seguir o arcabouço e a meta.

Qual a sua visão sobre os esforços do governo para trazer receita via imposto, como a tributação de fundos exclusivos, offshores e, provavelmente, dividendos no ano que vem?

Faz parte da agenda do governo, que quando foi eleito já veio com uma ideia de revisar políticas sociais com mais gasto e aumento de imposto. Agora, o que o ministério da Fazenda tem feito eficientemente é rever distorções. Avançar sobre benefício tributário é isso, atacar distorções.

Mas claro que tem o outro lado da moeda. Quando se faz imposto, há o risco de afetar a economia. Por exemplo, tributar dividendos pode gerar menos lucros e menos capacidade de investimento, já que uma parte do dinheiro vai para o governo e não vai ficar mais no setor privado para investir. As distorções são reduzidas, mas o incentivo ao investimento também. Precisa ser muito bem calibrado porque a carga tributária no Brasil já é muito alta.

Com risco fiscal no radar, podemos dizer que a renda fixa continua sendo oportunidade, mesmo com o ciclo de queda de juros?

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No Brasil, há boas oportunidades. Uma carteira de renda fixa com risco, com prefixados e títulos atrelados à inflação tende a render mais que o CDI em ciclos de queda de juros. Só que não é sem susto, tem flutuação. A mensagem é que tem oportunidade para aquele que está disposto a correr um pouco mais de risco. A trajetória de longo prazo é vencedora.

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