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- A empresa apresentou uma projeção preliminar de lucro de US$ 730 milhões a US$ 800 milhões, sobre uma receita de aproximadamente US$1,8 bilhão
- Sua avaliação inicial poderia passar dos US$ 100 bilhões, talvez excedendo o valor até do Facebook, o gigante das redes sociais, que foi avaliado em US$ 104 bilhões quando abriu capital em 2012
- Fundado há nove anos, o Coinbase sempre pretendeu ser mais do que um mercado em que as pessoas comprassem e vendessem dinheiro digital
(The Economist) – A próxima grande abertura de capital em Wall Street será uma decepção – pelo menos para os puristas das criptomoedas. Quando o Coinbase, uma plataforma de câmbio dessas moedas digitais, começar a negociar ações nesta quarta-feira (14), isso ocorrerá em uma bolsa de valores enfadonha e convencional, e não – como seria condizente com uma das maiores empresas de negociação de criptomoedas – em uma movimentada blockchain, como é chamada a tecnologia por trás de moedas como o bitcoin.
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Ainda assim, para os investidores que apostam no Coinbase, a flutuação parece ser um sucesso. Em contraste com ofertas públicas iniciais (IPOs) comuns, nenhuma ação nova será vendida, e investidores já existentes não terão de esperar seis meses antes de negociar suas ações, o que significa que eles poderão se beneficiar de qualquer animação inicial e alta no preço das ações. E os resultados do primeiro trimestre do Coinbase, publicados em 6 de abril, dão a impressão que certamente haverá animação.
A empresa apresentou uma projeção preliminar de lucro de US$ 730 milhões a US$ 800 milhões, sobre uma receita de aproximadamente US$1,8 bilhão, de anteriores US$ 179 milhões e US$ 585 milhões, respectivamente, nos últimos três meses de 2020. Sua avaliação inicial poderia passar dos US$ 100 bilhões, talvez excedendo o valor até do Facebook, o gigante das redes sociais, avaliado em US$ 104 bilhões quando abriu capital em 2012.
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Por mais impressionante que tudo isso possa parecer, será que o valor do Coinbase se justifica? Certamente, em comparação com muitos unicórnios (empresas de tecnologia que valem mais de US$ 1 bilhão) devoradores de dinheiro, o Coinbase parece maduro. No trimestre mais recente, os usuários negociaram cerca de US$ 335 bilhões em criptomoedas na plataforma. E também guardaram US$ 223 bilhões nas contas mantidas no aplicativo – mais de um décimo do valor de todas as criptomoedas emitidas no mundo.
Fundado em 2012, o Coinbase sempre pretendeu ser mais do que um mercado em que as pessoas comprassem e vendessem dinheiro digital. Tinha o objetivo, em vez disso, de se tornar uma ponte entre o anárquico mundo das criptomoedas e as finanças convencionais. Apesar de sua história ter sido tumultuada em certos momentos, a empresa não está longe de sua meta: os usuários não precisam de um diploma em criptografia para se beneficiar de seus serviços (apesar do atendimento ao cliente ser conhecidamente problemático); a firma mantém boas relações, de maneira geral, com agências reguladoras e bancos; e, ao contrário de outros câmbios de criptomoedas, até agora tem evitado se tornar vítima de algum hack catastrófico.
Em outros aspectos, porém, os prospectos da firma são incertos. Apesar de ter variado um pouco e passar a oferecer serviços como guardar e armazenar ativos em criptomoedas, as taxas das transações ainda representaram até 96% de sua receita no ano passado. Isso não significa somente que sua sorte depende fortemente das condições da economia das criptomoedas, que podem ser voláteis; significa também que sua fatia de participação nesse mercado poderia diminuir se a concorrência aumentar. Dos US$ 335 bilhões negociados no primeiro trimestre de 2021, a empresa ficou com cerca de 0,5% em taxas – muito mais, por exemplo, do que a Nasdaq, a bolsa de valores em que o Coinbase será listado.
A avaliação estratosférica poderia começar a fazer sentido se a economia das criptomoedas continuar a prosperar e se os câmbios convencionais não decolarem – evidentemente, dois grandes “se”. O Coinbase, então, pode parecer mais bem posicionado para colher as recompensas e se tornar o centro de um “sistema financeiro aberto para o mundo”, como o prospecto de sua IPO coloca. “Muitos de nossos clientes pensam em nós simplesmente como sua conta principal na economia das criptomoedas”, escreve Brian Armstrong, diretor da firma.
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Como outras promissoras startups que abriram capital recentemente, o Coinbase se vê alimentado por um “flywheel” – termo do setor da tecnologia que significa ciclo virtuoso – em aceleração: aumento nos clientes significa maior liquidez, o que permite que a empresa aceite mais ativos em criptomoedas e ofereça mais serviços; atraindo, desta maneira, mais clientes; e assim por diante.
Mas, mesmo assim, o Coinbase teria de remediar alguns desequilíbrios para decolar de verdade. Um deles é ficar tão apegado ao seu flywheel a ponto de não conseguir fazer mais nada, um mal do qual outras gigantes da tecnologia também padecem. Tanto Google quanto Facebook, por exemplo, ainda são essencialmente vendedores de espaço de publicidade. O Coinbase, apesar de todas as suas ambições, pode empacar sendo principalmente um câmbio.
Outra interrogação importante diz respeito à gerência da empresa. Armstrong está disposto a aprender com os erros e, por fim, consertar as coisas, mas ele não é um líder do setor da tecnologia nos moldes de um Steve Jobs ou um Elon Musk. Armstrong se descreve como uma pessoa introvertida e, por essa razão, a força de sua personalidade não basta para concretizar com sucesso a visão de tornar as criptomoedas acessíveis para as massas, escreve o jornalista Jeff John Roberts em seu recente livro “Kings of Crypto”, um perfil do Coinbase. Isso ajuda a explicar por que a história da empresa tem sido permeada por decisões vacilantes e brigas internas.
E há também a contradição inerente de tentar ser um operador grande, ou dominante, em um mundo que, por definição, é destinado a ser fragmentado (ou “descentralizado”, no jargão do setor). Se a economia de criptomoedas for tão bem-sucedida como o Coinbase quer que ela seja, talvez não haja necessidade de um colosso das finanças. Na verdade, os mais perigosos rivais da empresa podem não ser nem seus concorrentes diretos, como Binance e Kraken, nem as instituições financeiras convencionais, mas aqueles que não contam com nenhuma grande organização por trás de si – totalmente descentralizados, como a maioria das criptomoedas.
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(Tradução de Augusto Calil)
© 2021 The Economist Newspaper Limited. Direitos reservados. Publicado sob licença. O texto original em inglês está em www.economist.com