O que este conteúdo fez por você?
- Até chegar ao posto de CEO da Conta Black, banco digital focado em pessoas pretas, o empresário não desistiu de cada não que o racismo colocou como obstáculo na sua jornada
- O negócio que começou apenas oferecendo um cartão de débito pré-pago, hoje tem todos os serviços de uma conta digital, além de seguros e consórcio
Criado no extremo da zona sul de São Paulo e filho de um metalúrgico e uma empregada doméstica, Sérgio All diz que já nasceu empreendedor. Até chegar ao cargo de CEO da Conta Black, banco digital voltado para pessoas pretas, o empresário não desistiu de cada “não” que o racismo colocou como obstáculo na sua jornada.
A semente para mergulhar no universo financeiro foi germinada em 2008, quando resolveu pedir um empréstimo em um banco. O objetivo era expandir a agência de publicidade que tinha naquela época, mas o plano foi barrado junto com o crédito. Segundo ele, havia ótimo score no Serasa e um negócio em boas condições.
“Assim como eu, deve haver outros Sérgios por aí”, pensou o empresário, que levou mais alguns anos em uma imersão no mercado financeiro para aprender todo o processo de criação de produtos e serviços neste segmento, até criar a sua fintech, em 2017.
“O entrave mais importante é que a maioria da população quer ter acesso a crédito. O desafio foi criar uma ferramenta que permita uma análise mais humana dentro do processo, entendendo a necessidade do empreendedor. Ou seja, uma análise menos agressiva”, diz All, sobre a dificuldade que pessoas pretas ainda relatam sofrer em grandes instituições.
O negócio que começou oferecendo apenas um cartão de débito pré-pago, hoje tem todos os serviços de uma conta digital, além de seguros e consórcio. Até março deste ano, a empresa quer lançar um cartão de crédito e produtos de investimentos.
A ideia é começar com uma prateleira formada apenas com produtos conservadores. Conforme os clientes se aprofundarem e se educarem mais sobre o assunto, a fintech pretende disponibilizar produtos com maior risco.
Confira a seguir os principais pontos da entrevista do CEO da Conta Black ao E-Investidor.
E-Investidor – Em um mercado constituído e pensado praticamente por pessoas brancas, qual é o maior entrave para desenvolver produtos e serviços que atendam às reais demandas da população negra?
Sérgio All – O entrave mais importante é que a maioria da população quer ter acesso a crédito. Então é necessário criar uma ferramenta que permita uma análise mais humana dentro do processo, entendendo a necessidade do empreendedor. Ou seja, uma análise menos agressiva. É isso que temos colocado como desafio e provocado o mercado. Esse tem sido um desafio ao longo dos anos.
Temos estudado um modelo de crédito dentro e fora do País para começar a construir um modelo mais acessível. Afinal, quando uma pessoa abre uma conta, a primeira coisa que vem à cabeça dela é crédito, seja um empréstimo ou um cartão. E alguns players já têm se colocado à disposição para trazer essa tese à mesa para discussão.
A Conta Black tem cinco anos de trajetória. O que era a empresa no começo e o que é agora?
All – Quando fomos fazer o produto viável mínimo (MVP), nós criamos uma conta digital totalmente como um arranjo mesmo, em que a pessoa pagava um boleto e em D1 (um dia útil). Esse recurso era creditado no cartão para a pessoa utilizar débito. Dali em diante, começamos a entender quais eram os hábitos de uso com esse cartão.
Depois lançamos um segundo cartão (de crédito pré-pago). Isso foi transformador. Se a pessoa já tinha a alegria de ter o nome dela no cartão, imagina ter o nome do negócio dela no novo cartão, que era pré-pago. O cartão de crédito também traz o processo de inclusão digital, como usar em compras em sites que só aceitavam esse meio de pagamento. Atualmente, em diversos aplicativos as pessoas conseguem utilizar esse tipo de cartão e ter uma experiência de crédito.
No começo de 2019, a conta digital deixou de ser um arranjo e se transformou numa conta. Isso gerou agência e as pessoas tiveram experiência de Ted, Doc, que até então não existia no arranjo.
Como funcionava a conta?
All – Começamos só com o internet banking, no computador. Fomos duramente criticados porque naquela época (em 2017) tudo era o app. No meio de 2019, resolvemos lançar o aplicativo, porque já estávamos com uma base de praticamente seis mil pessoas. Daí o app se tornou uma opção para a mobilidade do cliente, que passou a ter o cartão virtual, o que gerou outra trilha de experiência.
E viemos acompanhando todos os processos até chegar o Pix, que foi um divisor de água na vida dos empreendedores. Agora está chegando o open banking que já foi lançado, mas ainda estamos aprendendo a como transformar a nossa tecnologia de uma forma que o open finance possa ser absorvido por essas experiências. A ideia é hoje é que qualquer pessoa que abra conta com a gente, seja pessoa física ou jurídica, tenha uma experiência de banco.
Qual foi o maior impacto para o público de vocês?
All – É o propósito que tem transformado a vida de muitos, de querer fazer parte dessa construção. Nós temos trazido muita gente preta, boa, que não está formalizada. Isso é o que ainda gera mais impacto, sermos a primeira fintech preta no País e que tem um papel de gerar acessibilidade. Mas o mais importante disso tudo é desenvolver produtos que atendam a demanda dessa grande maioria.
Qual é o forte da empresa hoje em oferta de produtos e serviços?
All – Além de serviços básicos de conta corrente, nós também temos seguros. Inclusive, vamos trazer muito conteúdo sobre seguro dentro da Conta Black. No final de janeiro, implementamos o serviço de consórcio porque sempre ouvimos os clientes dizendo que gostariam de fazer consórcio de uma casa, de intercâmbio etc. Então procuramos um parceiro e lançamos.
O que devem lançar na sequência?
All – Provavelmente, na última quinzena deste mês ou no começo de março, pretendemos lançar uma vertical de investimentos. Tem muito cliente que diz que não abre conta porque não tem isso na Conta Black. Tem muitos membros que investem em CDBs de outras instituições e a gente vai dar a possibilidade de transferir esses recursos para a conta deles. Ou seja, a experiência de banco de fato.
Qual o diferencial de investir pela Conta Black?
All – A partir do momento que você estava em uma corretora e quer portabilizar o investimento da carteira para o mesmo fundo, por exemplo, pela Conta Black, só o fato de fazer a portabilidade já vai estar contribuindo com o programa de educação financeira da empresa. Ou seja, vai estar embarcando mais pessoas pretas dentro do mercado financeiro.
Quais tipos de produtos serão disponibilizados?
All – Nesse primeiro momento, não vamos trabalhar com investimento de risco. Começaremos com os fundos mais simples, considerando um perfil conservador, para ajudar nesse processo de conversão do que hoje já é investido em poupança. A partir daí, vamos trazer uma opção mais rentável do que a poupança e, à medida que essa régua de educação financeira começar a avançar, vamos trazer mais informação para as pessoas e disponibilizar outras modalidades de investimentos, que envolvam mais risco.
Qual é o diferencial da empresa, que quer ter 100 mil clientes, para concorrer em um mercado concentrado por grandes bancos e disputado por novas e grandes fintechs?
All – A personalização da jornada. Nós temos uma meta de crescer em pouco tempo. De uma forma conservadora, pleiteamos um plano de 18 meses, para chegar a marca de 100 mil membros ativos, focando justamente no nosso diferencial, que é o propósito.
O nome Black é porque nós representamos uma grande massa no nosso País e vamos continuar falando a nossa língua, representando os nossos. Black também por ser um cartão preto, que muitas pessoas gostariam de ter um, por conta dessa escala de importância. Hoje, 5% do público bancário são clientes que têm cartão black. Nós estamos mostrando que, para a Conta Black, 57% da população pode ter um cartão desse. Trazer esse senso de pertencimento é o que nos mantém.
O foco da empresa é só em pessoas pretas?
All – Em toda a nossa comunicação, temos falado muito sobre o nosso povo, sobre a nossa dor, sobre os números que corroboram o quão forte nós somos economicamente. Hoje, cerca de 24% do nosso público são de pessoas não pretas, que também passam por problemas, são engajadas, têm propósito e que querem de certa forma apoiar a causa. Em resumo, falamos a língua do nosso público (preto), mas qualquer pessoa pode ter acesso ao serviço.
Onde o Sr. esperar chegar com a Conta Black?
All – Imaginamos a Conta Black sendo um banco já nos próximos anos. Entendemos que existe um desafio interno de entregar a melhor solução, a melhor tecnologia, personalizável de acordo com a necessidade dos nossos clientes, mais inclusiva. E tem também um desafio externo de captar recursos, investimentos, que nos permitam acelerar esse processo de melhorias tecnológicas, criar mais programas de incentivo, porque isso de certa forma aumenta o número de novos membros.
O mercado subestima vocês?
All – O mercado de business não via muito a Conta Black como um projeto que fosse perdurar e só com o tempo é que ele foi caindo em si, percebendo que temos um propósito forte e que essa é uma pauta que não se pode menosprezar. De certa forma, hoje eles têm nos procurado com o intuito de gerar essa proximidade.
Para o mercado investidor, quando se toca no termo ESG, agora estão começando a surgir fundos de investimento com essa pegada mais de impacto, e eles já entendem o nosso modelo de negócio e o enxergam como o único quando se trata de um produto financeiro inclusivo.
Mas nós vivemos em um país que, infelizmente, é racista. Ainda encontramos a resistência de pessoas fazendo comentários sem ao menos baixar o app e ver como é abrir uma conta nossa. Os desafios que surgem e nos questionam fazem parte de empreender e o grande censo disso tudo é que estamos aqui porque resistimos e vamos continuar até o final.