Investimentos

‘É justo pagar 2 com 20 para um baita gestor de fundos’

Sócia-fundadora e CEO da Spiti fala sobre a controversa cobrança nos fundos de investimento, sobre o conflito nos rebates e indica três gestoras para os investidores

‘É justo pagar 2 com 20 para um baita gestor de fundos’
Luciana Seabra, sócia-fundadora da Spiti
  • Se tem uma coisa que tenho batido na tecla, que está errado: a padronização de todo mundo cobrar 2 com 20. Pode ser o zé mané ou a estrela do momento
  • Não tem modelo certo e errado. Eu prefiro aquele em que quem atende não é comissionado pelo produto, que é o que eu sigo
  • Cobrar taxa de performance sobre o CDI é pagar para o seu filho ou sua filha arrumar a cama. É muito fácil bater o CDI

É preciso muita coragem para mudar de carreira profissional. Quando essa decisão vem junto com o empreendedorismo, a emoção acontece em dobro. Luciana Seabra seguiu esse roteiro: trocou o jornalismo pela orientação financeira e abriu em novembro de 2019 a Spiti, uma casa de análise com foco nos fundos de investimentos, uma indústria com patrimônio líquido total de R$ 6,52 trilhões e mais de 13,6 mil veículos de diferentes classes, como multimercados, ações, renda fixa e outros, segundo os dados mais recentes da Anbima.

Em um momento em que as grandes estrelas são os influenciadores que vendem cursos de day trade prometendo a riqueza do dia para a noite, Seabra colocou todas as suas fichas naquilo que acredita: a formação de um portfólio de investimentos que só vai dar resultado lá na frente.

“Empreender é um desafio gigantesco e o coronavírus juntou mais uma complexidade para montar uma empresa”, diz a sócia-fundadora e CEO da Spiti. “Estou muito feliz em ver um estilo de educação financeira voltado para o longo prazo. Não quisemos ceder no meio do caminho às tentações, porque sei que day trade vende para caramba.”

Publicidade

Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos

Nesta entrevista, Seabra fala sobre os desafios da indústria de fundos, se existe ou não conflito no pagamento de rebates, quais são os problemas da escolha dos benchmarks, o que pensa sobre fundos quantitativos, quais são suas três indicações para o investidor e, claro, o controverso pagamento da taxa de administração e da taxa de performance.

E-Investidor – Os fundos de investimento ficaram interessantes ou menos interessantes ao longo da pandemia?
Luciana Seabra – Investidores de varejo, infelizmente, ainda são muito endividados. Mas existe uma outra camada que é o varejo alta renda [pessoas com renda superior a R$ 10 mil ao mês] que já investe e, em geral, que investe muito mal porque não tem assessoria ou uma assessoria de profissionais muito conflitados que recebem pelo produto que recomendam. A grande revolução aconteceu, justamente, nesse mercado porque o investidor de altíssimo patrimônio já investia em fundos incríveis há muito tempo. Esses fundos não estavam nas prateleiras do varejo alta renda, nem nas corretoras, nem nos bancos. Hoje, eles chegaram. Um cliente Personnalité, Prime e Select ou mesmo das corretoras tem acesso a fundos muito legais. É como se o varejo frequentasse um supermercado que só vendesse marca própria, mas nos últimos tempos chegou o Lindt na prateleira do nosso mundo de investimentos para esse varejo alta renda.

E-Investidor – Por que aconteceu esse movimento?
Seabra – Não é que os bancos tiraram os produtos de marca própria deles. Eles mantiveram e foram pressionados, até pelo movimento de crescimento das corretoras, a colocar também o Lindt. Uma começou a colocar, a outra falou ‘não posso ficar sem, então vou oferecer também’. São os fundos de gestores independentes. É poder ter o Armínio Fraga gerindo o seu dinheiro ou o Fundo Verde, do Luis Stuhlberger, que chegou às plataformas com uma aplicação mínima alta, mas chegou, ou a SPX, que é uma baita gestora brasileira. Todos esses produtos só estavam no private banking. E nos últimos tempos, de quatro ou cinco anos para cá, eles invadiram as prateleiras das corretoras e das plataformas bancárias. Para mim, esse é o grande movimento: a democratização dos bons produtos no mundo dos fundos de investimentos.

E-Investidor – A discussão sobre o rebate ou pagamento de comissões no universo dos investimentos veio à tona no ano passado. O que mudou desde então?
Seabra – Não tem modelo certo e errado. Eu prefiro aquele em que quem atende não é comissionado pelo produto, que é o que eu sigo. Se estou falando aqui do fundo da Verde Asset e estou recomendando, não estou ganhando nada da Verde e nem da corretora que distribui. Quem paga pelo meu serviço é quem assina o relatório. É a minha única fonte de receita. Dá para o mercado inteiro funcionar nesse modelo? Seria um sonho, mas para mim tem um passo antes desse: as pessoas saberem o que está acontecendo. Quando o consumidor entra em uma loja de roupa isso é muito claro. Ele sabe que a pessoa que está ali não é a consultora de estilo. Sabe-se que ela está ganhando comissão da loja. Da mesma maneira quando se contrata um arquiteto – pelo menos as experiências que eu já passei. Ele fala ‘olha, você tem dois modelos aqui: um que eu vou ganhar uma comissão da loja de sofá que você comprar e o outro que eu só ganho de você’. No mundo dos fundos de investimento isso não existe. Está melhorando? Sim, está começando a aparecer. Mas a maior parte das pessoas não sabe o que é rebate; não sabe. E fica uma sensação de que aquele trabalho ali é gratuito, que a pessoa está ajudando de graça. Isso é um problema.

“Não tem modelo certo e errado. Eu prefiro aquele em que quem atende não é comissionado pelo produto, que é o que eu sigo. Se estou falando aqui do fundo da Verde Asset e estou recomendando, não estou ganhando nada da Verde e nem da corretora que distribui. Quem paga pelo meu serviço é quem assina o relatório

E-Investidor – Deveria existir mais transparência?
Seabra – Não tem problema aquela pessoa estar trabalhando e ser comissionada. É um negócio. Mas o cliente precisa saber para se questionar: será que essa pessoa está oferecendo o melhor para mim ou não? Virão as perguntas: quanto você está ganhando?… Um modelo transparente seria muito melhor do que o que tem hoje. Para mim, isso tem de melhorar. O que melhorou muito foi que as pessoas começaram a ter alguma ideia de como aquelas pessoas são remuneradas. O rebate começou a vir a público porque surgiram algumas corretoras que tem cash back, que devolvem um pedaço do rebate para o cliente. Elas fizeram muita campanha em cima do cash back e a pergunta veio: de onde está vindo esse dinheiro? Era um pedaço dessa remuneração que não se sabia que existia. Isso está fazendo as pessoas entenderem que o rebate existe. Ainda é muito incipiente. Hoje, já existe mais gente trabalhando com o modelo que só o cliente paga. É crescente, mas ainda falta muito para mudar, muito mesmo.

E-Investidor – Fundos de investimento no Brasil são muito caros pela casadinha de 2% de taxa de administração com 20% de taxa de performance?
Seabra – Tem gente que demoniza os fundos todos por conta da taxa de administração e da taxa de performance. Para mim, o grande problema é que todos os fundos multimercados e de ações do Brasil foram para o 2 com 20. É um negócio assim: acabei de abrir uma gestora, nunca fiz isso na vida, mas o meu multimercado custa 2 com 20. Alguns gestores podem cobrar isso. E eu defendo muito. Quando você vai comer arroz com feijão, aquele do dia a dia, um PF, você quer pagar barato, mas no dia de uma comemoração você vai em um restaurante especial e paga mais. O que falta no mercado brasileiro de fundos é essa diferenciação. São duas coisas erradas: tem gente pagando 5% para fundo DI enquanto que o fundo do Luis Stuhlberger, que é considerado um dos maiores gestores brasileiros de fundos multimercado, cobra 2 com 20. O segundo erro é a casa de multimercados que acabou de nascer cobrar a mesma coisa que o fundo do Stuhlberger ou do Rogério Xavier, da SPX. Tem de ter diferenciação porque é justo pagar 2 com 20 para um baita gestor de fundos.

Publicidade

E-Investidor – Como o investidor deve avaliar o benchmark?
Seabra – Uma coisa que questiono é o benchmark, que é o referencial sobre o qual eles cobram a taxa de performance. Estou começando a ficar incomodada porque o referencial para cobrar performance para os multimercados é o CDI. Fundo multimercado é CDI? O gestor está operando bolsa de valores, câmbio no Brasil e lá fora. Cobrar taxa de performance sobre o CDI é pagar para o seu filho ou sua filha arrumar a cama. É muito fácil bater o CDI! Trago isso nas conversas, mas isso me faz deixar de investir em multimercados? Não. Isso me faz escolher muito bem os multimercados que invisto porque se não vou deixar muito dinheiro em cima da mesa e não vou ganhar nada. A verdade é que se você tem bons fundos, a taxa de performance some no meio desse produto. E, claro, carregando para o longo prazo.

“Cobrar taxa de performance sobre o CDI é pagar para o seu filho ou sua filha arrumar a cama. É muito fácil bater o CDI!

E-Investidor – Faz sentido investir em fundos por 12 meses?
Seabra – Pegue o exemplo de um fundo de ações. Ficar só um ano nele, em geral, tende a ser ruim porque esses gestores não constroem um fundo com esse horizonte. Eles constroem com horizonte de 3, 5 anos. Eu gosto de um horizonte de 5 anos para começar a conversar. Quando se pega uma janela de 5 anos, com um bom gestor de ações, ele bate o benchmark depois de pagar as taxas. Muita gente não sabe, mas a regra da CVM é: todo retorno que está divulgado no mercado já é descontado de taxas. Vale muito a pena ficar no longo prazo com uma boa carteira de bons gestores: vai superar os referenciais. Agora, se tem uma coisa que tenho batido na tecla, que está errado: a padronização de todo mundo cobrar 2 com 20. Pode ser o zé mané ou a estrela do momento. A outra é a cobrança de taxa de performance sobre o CDI. As pessoas batem muito na taxa, mas elas deveriam estar olhando mais para o benchmark, para o referencial que estão cobrando a taxa de performance.

E-Investidor – Muitos fundos bons apanham quando se olha uma janela curta de tempo?
Seabra – Muita gente acha que é a invenção de uma teoria. Mas estudamos isso. Tem uma métrica que normalmente as pessoas não olham e infelizmente não está disponível nos comparadores gratuitos que é a métrica de janela móvel de retorno. Uma pessoa que entrou no fundo e ficou três anos, seja qual for o momento do tempo em que ela tenha entrado, quanto ganhou? Ela bateu o referencial? Eu faço muito esse estudo para os fundos que recomendamos em vez de olhar o retorno consolidado. As pessoas olham o retorno inteiro: quanto o fundo rendeu desde o começo. Esse retorno é muito impactado pelo início da história do fundo, em que o gestor está gerindo pouco dinheiro. No começo é mais fácil gerir um fundo porque você consegue operar qualquer ativo. Quando o fundo vai crescendo, ele tem mais dificuldade de replicar essa estratégia, tem mercados que são ilíquidos, ele mexe com os preços quando está se movimentando, então não adianta só olhar o consolidado porque pode pesar muito o retorno do começo do fundo. E muito menos olhar apenas os últimos 12 meses. Essa é a maior burrada possível porque você acaba pegando o gestor que foi bem no último ciclo. Vamos supor que o último ciclo foi horrível para câmbio, que ficou totalmente fora do preço. O fundo era de um gestor super especialista e você saiu dele no dia em que o câmbio vai começar a entrar no preço. Você perdeu a alta para colocar no gestor que acerta juro. Mas o ciclo do juro já passou. É ficar correndo atrás de novos ciclos. Mas, voltando para janelas móveis. Quando olhamos um gestor de fundos multimercado ou de ações em janelas de 12 meses, talvez ele bata o índice. Mas quando se pega esses gestores em janelas de 3 anos no caso dos multimercados e de 5 anos no caso de fundos de ações, vários batem todos os referenciais.

“Se tem uma coisa que tenho batido na tecla, que está errado: a padronização de todo mundo cobrar 2 com 20. Pode ser o zé mané ou a estrela do momento. A outra é a cobrança de taxa de performance sobre o CDI

E-Investidor – Você sempre investiu pensando dessa maneira?
Seabra – Aprendi sofrendo na pele. Entrei no fundo Gávea Macro em 2014 e foi um dos meus primeiros multimercados. Tinha o Gávea em uma corretora com aplicação mínima de R$ 1.000 reais. Falei para mim, vou experimentar isso aqui. Naquele ano, o fundo rendeu menos de 5% e o CDI era de mais de 10%. Falei, nossa, que porcaria estar aportada nesse fundo e saí no final de 2014. Aí veio 2015 e foi o melhor ano da história da Gávea. O fundo rendeu mais de 25% e o CDI era perto de 10%. Aquele dia eu olhei e pensei: usei esse brinquedo errado. Isso me ajuda muito, hoje, a falar com os investidores. O que defendo é montar uma carteira, principalmente para fundos multimercados, com pelo menos três fundos e carregá-los, pelo menos, por 3 anos. O Armínio Fraga teve aquele ano difícil, o Stuhlberger perdeu dinheiro com Ásia em um ano difícil, o Rogério Xavier teve ano difícil com juro europeu. Eles montam operações que nem sempre vão acertar. Se você entende essa “humanidade” do gestor, entende que tem de ter mais do que um fundo, e para janelas longas. Não é uma teoria, é a prática. Eles não funcionam necessariamente em janelas tão curtas.

E-Investidor – Fundos quantitativos estão na moda. Os robôs vieram roubar o lugar de bons gestores?
Seabra – Pelo menos no Brasil, eu ainda não tenho conforto para indicar fundos quantitativos. Acompanho esse mercado, e na última crise eles foram muito bem. Mas em crises passadas alguns deles… Eu sou muito Talebiana [referência ao autor libanês Nassim Taleb] e como tal eu tenho um entendimento de que os padrões se quebram. Quando se quebra um fundo que segue padrões para operar ele tende a se machucar. Essa indústria está evoluindo muito no Brasil, tenho muito respeito por ela. São as equipes mais bem formadas do ponto de vista de time, muita gente do ITA, por exemplo, mas ainda tem muito a avançar. Eles foram muito bem nesta crise, mas na crise do Joesley Day tiveram uns que patinaram. Eles seguem o padrão, vem a quebra e no Brasil temos muita quebra. Lá atrás, por exemplo, a mudança de regras da energia elétrica prejudicou vários desses fundos, pois o setor tem muitos padrões. Quando vem um estresse, fundos extremamente comportados tiveram um baque grande. A última crise mostrou a maturidade desses gestores de verificar diferentes estratégias e investir muito lá fora. Não existem mais fundos super concentrados em um único setor como existia antigamente, mas eu quero ver mais. Por exemplo, para investir em quantitativo eu invisto um pouquinho em quats lá fora, em gestora com mais de 100 anos operando, que usa infinitos algoritmos diferentes. É uma questão de conforto com a estratégia que eu ainda não tenho tanto no Brasil.

Publicidade

E-Investidor – Qual é o fundo que ninguém está de olho, mas as pessoas deveriam parar para pensar?
Seabra – Sou contra um fundo específico. Sempre defendo que o investidor tem de ter pelo menos três fundos em cada estratégia para ter diferentes cabeças trabalhando. O que tenho defendido muito para os clientes, e tem funcionado, é ter um tipo específico de multimercado: num momento como a atual, de ex-tesoureiros de bancos. Esses gestores que operam juro com inteligência, para mim, vão fazer uma grande diferença – e já estão fazendo – no mercado operando juro no Brasil e lá fora. Porque estamos acostumados com um juro de tendência clara. Nos últimos anos foi uma tendência de queda muito forte. Agora é um juro para cima, mas em alguns pontos da curva é para baixo e para cada vencimento tem uma historinha diferente e muita coisa interferindo ali. Para mim, a Kapitalo, a SPX e a Legacy são gestores que estão se virando muito bem neste momento porque eles não compram e carregam, eles ficam operando. Cada hora compram um vencimento diferente, fazem arbitragem entre diferentes vencimentos. A Legacy é de ex-tesoureiros do Santander e a SPX e a Kapitalo são do antigo Bahia/BBM. Essa galera cuidava do dinheiro do banco e agora está cuidando do dinheiro da pessoa física. Para mim, esse estilo de gestor é o do momento. Sim, vai pagar o 2 com 20, conforme-se, mas vai acessar uma estratégia muito sofisticada que você não vai conseguir fazer como pessoa física. O movimento de queda é muito fácil para pessoa física, que compra um título pré-fixado e vai ser feliz. Mas o movimento de alta, que é ficar tomado no jargão do mercado, não se faz para o investidor pessoa física. E eles fazem isso muito bem, de forma rápida e tem ganhado muito dinheiro com isso, não só aqui como lá fora. Um dos grandes ganhos dos multimercados nos últimos meses foi estar tomado em juro americano. Quando você vai fazer isso na pessoa física? A SPX é para investidor qualificado, mas a Legacy você acha com aplicação mínimo de R$ 500 em várias plataformas e agrega muito à sua carteira.

Informe seu e-mail

Faça com que esse conteúdo ajude mais investidores. Compartilhe com os seus contatos