

Quem nunca foi seduzido com a promessa de um dividendo elevado e acabou frustrado por não analisar a empresa, seus fundamentos e a estratégia da gestão? Até grandes investidores, como Luiz Barsi Filho, maior investidor pessoa física da bolsa brasileira, já cometeram esse erro.
Os dividendos são uma ferramenta poderosa para remunerar acionistas, atrair investidores e impulsionar a cotação e liquidez das ações. Nos últimos anos, esse movimento ganhou força. Empresas de setores como shoppings, construção, varejo e alimentos passaram a adotar políticas de distribuição mensal ou trimestral, antes restritas a bancos e seguradoras.
Mas é preciso cautela. O mercado está cheio de armadilhas. Há empresas que prometem dividendos insustentáveis para mascarar dificuldades financeiras ou enganar investidores. Outras, apesar da intenção de serem boas pagadoras, não têm fundamentos sólidos para enfrentar desafios macroeconômicos ou setoriais. E há ainda as que distribuem dividendos extraordinários sem esclarecer sua falta de recorrência.
Publicidade
Nesta reportagem, analisamos algumas dessas armadilhas, seus impactos e quais empresas podem repetir esses erros nos próximos anos.
Como identificar uma armadilha de dividendos
O analista independente Ricardo Schweitzer explica que a distribuição de dividendos é sustentável quando a empresa combina crescimento, rentabilidade e ainda tem sobra de caixa para pagar proventos.
No entanto, ele alerta que muitas companhias mantêm distribuições elevadas mesmo com baixo crescimento ou rentabilidade medíocre, seja por pressão de acionistas controladores, para conter insatisfações no curto prazo de investidores minoritários ou por incompetência na alocação de capital, por incapacidade de fazer investimentos atrativos.
Pedro Ávila, analista da Varos Research, destaca um sinal clássico de armadilha: quando uma empresa distribui mais dividendos do que gera de caixa. Isso a obriga a captar recursos via follow-on (aumento de capital), diluindo acionistas, ou a contrair dívidas para pagar proventos, estratégia arriscada diante dos juros elevados.
No entanto, Ávila ressalta que, para algumas empresas, como bancos, pode ser vantajoso distribuir o máximo de juros sobre capital próprio (JCP), pois isso reduz o imposto de renda devido. Nesses casos, até faria sentido fazer um follow-on posteriormente. Mas são exceções.
Publicidade
Outro alerta do analista da Varos são empresas que geram caixa, mas optam por distribuir dividendos em vez de reinvestir em projetos de alta rentabilidade. “Se uma companhia pode construir uma fábrica que geraria retorno acima do custo de capital, seria mais vantajoso reinvestir do que pagar proventos”, exemplifica.
Armadilhas de dividendos do passado
Os analistas destacam companhias que já foram armadilhas dos dividendos. Algumas corrigiram o rumo, enquanto outras afundaram na tentativa.
O caso mais emblemático é o da Oi (OIBR3), atualmente em sua segunda recuperação judicial. A empresa ficou conhecida por se endividar para pagar dividendos insustentáveis. Nem Luiz Barsi Filho escapou: em 2012, o então presidente da Oi prometeu R$ 2 bilhões em dividendos anuais e R$ 8 bilhões até 2015. Com valor de mercado de R$ 20 bilhões na época, a promessa representava um dividend yield (retorno em dividendos) de 10%, o que atraiu investidores, incluindo o megainvestidor que comprou as ações preferenciais OIBR4.
Mas logo ficou claro que a empresa precisava captar recursos e emitir debêntures para manter os proventos. A dívida líquida disparou e, apesar dos alertas dos analistas, a gestão da Oi insistia que os dividendos eram sustentáveis e tinham reservas suficientes para respaldar as distribuições.
Em 2013, os pagamentos começaram a encolher e os resultados deterioraram. A promessa de pagar R$ 2 bilhões de dividendos por ano caiu para R$ 500 milhões. Barsi amargou prejuízo de 95% do valor investido e vendeu as ações em 2014.
Publicidade
“Em situações assim, de empresas que se vendem com dividendos agressivos, o investidor minoritário foca no provento e ignora fatores importantes, um erro perigoso”, alerta Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista. Ele lembra que o número de investidores da Oi saltou naquela época e impulsionou a cotação da ação, que depois desabaria quando o mercado descobriu o uso de dívida para remunerar acionistas.
A Oi só conseguiu pagar dividendos de 2007 até 2013, para nunca mais retomar as distribuições.
Outro caso foi a Taesa (TAEE11), que entre 2019 e 2021 dobrou sua dívida para sustentar dividendos elevados e ainda continuou fazendo investimentos. A companhia usava o lucro líquido IFRS, que incluía receitas ainda não recebidas, distorcendo a real geração de caixa. A companhia tinha como regra pagar no mínimo 50% do lucro IFRS, mas geralmente distribuía 100% ou mais desde 2018.
Desde 2024, mudou sua política e passou a distribuir dividendos com base no lucro regulatório, mais transparente. No ano passado, a proposta foi pagar no mínimo 75% desse resultado. Já a partir de 2025, a distribuição seria de 90% a 100% do lucro líquido regulatório. “A Taesa conseguiu resolver o problema mudando a sua política para contabilidade regulatória”, defende Oliveira.
Publicidade
Ainda assim, investidores questionaram o payout de 91% em 2024, acima dos 75% previstos. Muitos desconfiaram se a transmissora estaria se endividamento novamente para pagar dividendos elevados.
A Metal Leve (LEVE3) também gerou controvérsia. Com um modelo de negócios baseado em motores a combustão, sem um futuro promissor diante do avanço de veículos elétricos, seu controlador, Mahle GmbH, decidiu reduzir participação na empresa via follow-on em 2023.
Na época foram distribuídos R$ 710,8 milhões, equivalentes a R$ 5,54 por ação condicionados ao follow-on. Na oferta a empresa chegou a captar R$ 402,5 milhões. Com isso, o dividend yield disparou para 35,80% se tornando a maior pagadora da bolsa em 2023, com proventos de R$ 10,72 por ação naquele ano.
“Era um dividendo alto para maquiar a venda de ações do controlador e a falta de visibilidade com o negócio da Metal Leve. Quase o triplo da Selic daquele período”, afirma Victor Bueno, sócio e analista da Nord Research. Muitos investidores acreditaram que essa política se manteria, mas desde então o dividend yield ficou abaixo de 9%. “Aumentaram o dividendo para deixar a ação mais bonita, mas muitos se frustraram depois”, comenta. Atualmente a empresa não tem muito destaque na bolsa.
Publicidade
Já a Eletrobras (ELET6), antes de 2012, pagava dividendos agressivos com base em lucros não recorrentes, mascarando sua real capacidade de geração de caixa. No governo Dilma, a dívida disparou e o preço das ações desabou entre 2012 e 2016. “Os caça dividendos foram para o buraco”, lembra Ávila, da Varos. Mas a companhia conseguiu dar a volta por cima e atualmente até trabalha para ter uma política de dividendos trimestral e atrativa.
O banco BMG (BMGB4) ainda tenta se livrar do estigma de furada. Conhecido por pagar proventos elevados mesmo com baixa lucratividade, o banco passa por uma reestruturação. Segundo Ávila, em 2024, o lucro líquido cresceu 115%, mas o dividendo por ação caiu 1,5%, sinalizando uma nova estratégia. “O payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) é menor. Agora há mais potencial para investir e crescer”, analisa ele.
Armadilhas de dividendos em 2025
Mas será que em 2025, diante de tantos aprendizados, ainda existem empresas consideradas armadilhas dos dividendos? Analistas elencam cinco nomes:
Syn Prop Tech (SYNE3)
Quem olha para os dividendos da Syn nos últimos 12 meses pode achar que encontrou a melhor oportunidade da bolsa, com um dividend yield de 74,11% até 20 de março, segundo dados da Elos Ayta Consultoria.
A empresa atua na aquisição, locação, venda e operação de imóveis comerciais. Bueno, da Nord, alerta que os dividendos elevados se devem à venda de empreendimentos e participações em shoppings, sem garantia de continuidade. “Não há visibilidade de que a empresa seguirá entregando esses proventos ou sequer superando a média da bolsa de 6%”, afirma.
Publicidade
Não é a primeira vez que a Syn segue essa estratégia de distribuições extravagantes, seus dividendos oscilam conforme a venda de ativos, mas não são recorrentes. Nos últimos cinco anos, a sua mediana de dividend yield é de apenas 7,75%.
Unicasa (UCAS3)
Desconhecida por muitos investidores, a fabricante de móveis planejados Unicasa tem um dividend yield de 6,88% nos últimos 12 meses, mas já chegou a pagar mais do que 15% no passado. No entanto, Ricardo Schweitzer destaca que suas receitas estão estagnadas há uma década, e o Retorno Sobre Patrimônio Líquido (ROE) e o Retorno sobre Capital Investido (ROIC) são baixos. “A empresa enfrenta produtos em declínio, fechamento de lojas e não investe para reverter a situação”, aponta.
Nos últimos cinco anos, o dividend yield médio foi de 8,59%, acima da média da Bolsa, mas os números podem iludir investidores desatentos. A mediana de dividend yield no mesmo período foi de 6,88%.
Se a situação não for contornada, Schweitzer prevê um futuro de retornos medíocres, ações desvalorizadas e maus investimentos.
Allied (ALLD3) e Anima (ANIM3)
Apesar de não serem empresas mal-intencionadas, Bueno acredita que não servem para uma carteira de dividendos. A Allied, distribuidora de eletrônicos e celulares, e a Anima, do setor educacional, tiveram dividend yields elevados nos últimos 12 meses, de 31,14% e 9,31%, respectivamente.
Porém, são companhias de setores cíclicos e vulneráveis a oscilações macroeconômicas, o que pode impactar os dividendos. “A queda drástica dos proventos pode frustrar investidores no futuro”, avalia Bueno. O analista não enxerga estas empresas ganhando espaço nos seus mercados respectivos e nem se tornando grandes pagadoras da Bolsa nos próximos 3 ou 5 anos.
A Anima, por exemplo, só pagou dividendos em 2024 nos últimos 5 anos e agora pretende estabelecer uma política formal de proventos.
JHSF (JHSF3)
Renato Reis, analista da Blue3 Research, considera a incorporadora de alto padrão JHSF uma armadilha de dividendos. Ele destaca que a JHSF distribui mais dividendos do que gera em caixa, um modelo semelhante ao que a Taesa utilizava no passado, mas com as peculiaridades do segmento imobiliário. “A empresa distribui um lucro que não virou caixa e, em cenários complexos, toma dívida para pagar dividendos”, explica.
Reis alerta que o endividamento da companhia tem aumentado nos últimos anos.
A volatilidade do negócio imobiliário também não ajuda para dividendos consistentes. Além da incorporação, a JHSF diversifica sua receita com shoppings de alto padrão, hotéis, restaurantes Fasano, fazenda Boa Vista e o aeroporto executivo internacional São Paulo Catarina. Recentemente, lançou o São Paulo Surf Club, com piscina de ondas artificiais. No entanto, Reis acredita que enquanto não mudar sua forma de remuneração, a empresa não é atrativa para investidores e não vale correr o risco de compra.
A JHSF testou pagar dividendos mensais em 2023 e 2024, distribuindo R$ 0,03 por mês. Porém, em 2025, ainda não confirmou se manterá essa política, apesar de ser questionada diversas vezes pelo E-investidor, optou por não se posicionar. Até o momento, só tem anúncio de pagamento mensal até março.