- A chave para a recuperação de um FII está nos resultados. Se o fundo mostra que está indo bem, o mercado reage. Quando consegue convencer as pessoas de que a expectativa de futuro é positiva, a recuperação é mais rápida
- O investidor deve fazer uma análise criteriosa antes de escolher o fundo. E, depois, monitorar os ativos, sejam eles imóveis ou CRIs. Para isso, ele deve se aproximar da gestora, ler as cartas mensais e se situar sobre a estratégia do fundo
- Quem tem o objetivo de receber renda deve focar nos dividendos recebidos, não na valorização das cotas. E compor uma estratégia diversificada. Retornos elevados não vêm de graça, mas trazem riscos também altos
Faz mais ou menos um ano que os fundos imobiliários (FIIs) começaram uma rápida escalada no mercado, impulsionada pela adesão cada vez maior do investidor pessoa física. Com o achatamento progressivo da taxa básica de juros, a Selic, a migração da renda fixa para outras modalidades de investimento que pudessem oferecer retornos mais atrativos se intensificou, e os FIIs estiveram entre os maiores beneficiados por esse movimento.
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A consolidação desse mercado foi coroada pela marca de 1 milhão de cotistas. São pessoas interessadas em explorar as vantagens do setor imobiliário, mas sem os riscos de administrar a locação de um imóvel físico. O pagamento de dividendos, que em um FII de retorno mais trivial gira em torno de 0,5% ao mês sobre o valor da cota, já coloca esses produtos em uma posição interessante, em um ambiente em que o CDI paga 2% ao ano.
Mas nem tudo são flores nesse jardim. Com a pandemia de covid-19, a volatilidade causada pelo pânico inicial derrubou os valores das cotas e estancou a rentabilidade de algumas carteiras – especialmente as que se baseavam em ativos como hotéis e shopping centers, que foram fechados como parte das medidas de contenção do vírus. De lá para cá, o mercado já corrigiu os ajustes excessivos, mas parte das perdas ainda não foi devolvida.
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Para ter um cenário atual desses produtos que estão entre os preferidos dos investidores, o E-Investidor conversou com Marcelo Kayath, sócio da Habitat Capital. Ele mostrou que, para construir uma estratégia de renda bem sucedida a partir de FIIs, é preciso fazer a lição de casa corretamente: pesquisar fundos e gestoras e monitorar os ativos da carteira. “Faça uma análise criteriosa, não se seduza por retornos elevados e não compre nada sem entender o que está comprando”, recomenda.
Confira a entrevista a seguir.
E-Investidor – Os fundos imobiliários acabam de atingir a marca de 1 milhão de cotistas. Isso é só o começo?
Marcelo Kayath – O mercado viveu uma onda de IPOs anterior a essa atual, entre 2005 e 2015. Foi uma revolução do capitalismo brasileiro por meio do mercado de capitais, a Bolsa recebeu empresas como Renner e Localiza que até então não tinham presença. Vejo um paralelo muito grande com o que está acontecendo com o setor imobiliário, que também está vivendo uma revolução via mercado de capitais. Isso nunca havia acontecido. Não que antes não existissem fundos imobiliários (FIIs), assim como também havia IPOs antes de 2005. Mas os FIIs não tinham atividade relevante e significativa a ponto de afetar o mercado como um todo. Vários players com décadas de atuação no mercado imobiliário passaram a atuar de forma diferente, mais eficiente.
Como o investidor individual se encaixa nesse momento?
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Para o investidor de varejo, que forma boa parte desse milhão de cotistas, investir por meio de FIIs ou CRIs é muito mais eficiente do que comprar imóveis e viver de aluguel. É essa a revolução que as pessoas estão descobrindo, a do investimento via mercado de capitais. Em pouco tempo, isso deve dobrar ou até triplicar.
A taxa Selic a 2% ao ano contribui com essa mudança?
Nunca tivemos uma taxa de juros tão baixa no Brasil. Esse elemento vai ajudar a causar a segunda parte dessa revolução dos FII via mercado de capitais. No ambiente antigo de juros altos, era difícil qualquer coisa vencer o CDI de 14% ou 16% ao ano, então o investidor não tinha que ter imóveis, ativos reais. Agora, o cenário é exatamente o oposto: a taxa de juros está baixíssima e isso está afetando o comportamento de investidores, incorporadores e mercado imobiliário. Esse 1 milhão de pessoas que compram FII em Bolsa é uma revolução que está apenas começando.
Os indicadores econômicos sugerem uma retomada de vários setores. Qual é a fotografia dos FII neste momento?
A crise atingiu os diversos setores de FII, como lajes, galpões e loteamentos, de maneira desigual. Mesmo dentro de um mesmo segmento, há comportamentos distintos. Um empreendimento residencial no Nordeste vai diferente de outro no Cinturão da Soja em Mato Grosso ou Goiás.
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O que podemos dizer é que os segmentos que foram menos afetados pela crise já tiveram uma recuperação importante, significativa, mas esse processo ainda está em andamento. Alguns fundos já recuperaram tudo o que caíram. O nosso teve recuperação quase total, outros também. É como tudo na vida: as coisas boas se recuperam antes, as que são mais ou menos levam mais tempo.
As cotas dos FIIs variaram bastante nesta pandemia. Ainda estão baratas ou já estão em um preço justo?
Temos que fazer essa análise com muita calma. A análise de preço justo varia de pessoa para pessoa, porque depende das percepções de taxa de juro e cenário futuro. O que parece justo para uma pessoa pode não ser para outra. Mas muita gente, e nisso eu me incluo, tem uma história de mercado muito contaminada por um Brasil passado, de juros altos. Minha percepção é muito mais conservadora do que a da média do mercado, eu vivi o confisco das poupanças do [presidente Fernando] Collor. Isso marca a pessoa para o resto da vida, e a maioria das pessoas que investem em Bolsa não tem ideia do que é isso. Dito isso, eu acho que o preço justo está longe.
O Sr. pode explicar?
Se você olhar as curvas futuras de juros que estão precificadas no mercado, o fato de que toda notícia boa sobre vacina derruba o dólar e o “kit risco”, é difícil alguém falar que os preços atuais são justos. As pessoas ainda não levaram em conta que esses juros baixos de agora vieram para ficar por muito tempo, não são coisas de 6 meses, mas de 3 anos para mais.
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Pra mim, não faz diferença se o juro é de 2%, 4% ou 5%. É tudo muito baixo do mesmo jeito, minha geração está habituada a juros de 15%, 18%, 20%. Esses juros baixos estruturais vieram para mudar tudo no mercado imobiliário.
Alguns FII já viram seu valor de cota devolver boa parte das perdas. O que interfere na recuperação de cada fundo e quanto tempo ela pode levar?
A principal variável é o resultado. Resultado e expectativa em relação ao futuro. Os fundos divulgam os resultados de forma mensal. Quando o fundo mostra que está indo bem, o mercado reage rapidamente. Quando se sinaliza e se consegue convencer as pessoas de que a expectativa de futuro é positiva, a recuperação tende a ocorrer de maneira muito rápida.
Isso é precificado pelo mercado, mas nem sempre o investidor é capaz de ler esses resultados e entender se o fundo que ele comprou é promissor.
Hoje há vários sites e clubes na internet que ajudam as pessoas a entender o que tem em cada fundo. Nem sempre é fácil: eu mesmo, como investidor, às vezes tenho dificuldade de encontrar essas informações. Mas hoje é muito mais fácil ter explicações rápidas do que era 20 anos atrás, tem muita gente expressando pontos de vista que ajudam a entender o que está acontecendo.
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Informação não falta, há até informação demais. O desafio é entender o que é real, o que é ficticio e o que é relevante para cada decisão de investimento. Algumas coisas parecem ser um problema grande e não são, outras não parecem e são.
Em geral, não gosto de pensar em investimentos em curto prazo, e falo isso como gestor e como investidor pessoa física. É muito dificil acertar no curto prazo, é preciso ter um horizonte adequado ao tipo de investimento que se está fazendo. Tudo no mercado imobiliário acontece a médio e longo prazo. Um empreendimento leva tempo para ser construído, amadurecer e mostrar resultado.
Não se deve nunca pensar os FIIs em curto prazo. Você pode dar um azar, comprar caro, surgir uma crise e a cota cair, te dar um prejuízo momentâneo. Se o produto for bom, ele pode cair, subir, ir para qualquer lado, mas a médio e longo prazo você vai ganhar dinheiro.
Qual é o cenário que se apresenta para as diversas categorias de fundos de tijolo?
Os shopping centers ainda não voltaram, estão longe do nível pré-covid. Se tudo der certo, a recuperação se dará entre 3 e 6 meses. As pessoas mudaram seu padrão de comportamento de compra, aprenderam que dá para conviver melhor com o e-commerce do que se imaginava. Então, o que será do futuro não se sabe, é cedo para se dizer.
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Os galpões têm uma perspectiva positiva, justamente por conta do avanço recente do e-commerce, que demanda nova logística nos centros urbanos.
Sobre as lajes corporativas, a perspectiva que tenho a partir do meu ponto de observação na (Avenida Brigadeiro) Faria Lima é um pouco mais desafiadora. Muita gente descobriu o home office, muitas empresas viram que não precisam de tanto espaço de escritório. Então acho que pode haver uma revolução, mas novamente está cedo para dizer.
Muitos dizem que agora é “home office forever“, mas tenho uma opinião um pouquinho diferente, acho que nada substitui o contato físico e o contato presencial, vejo isso até mesmo pelo nosso próprio time aqui na gestora. É cedo para dizer o final dessa história, mas há bastante gente disposta a experimentar um tempo maior em casa e uma flexibilidade maior, e isso vai afetar a laje corporativa. Várias empresas de amigos estão devolvendo andares, e nenhuma que eu conheço está alugando andares adicionais.
E os fundos de papel? Eles seriam mais resilientes que os fundos de tijolo? O fato de estarem lastreados no valor do crédito impede que eles sofram baixas tão fortes, enquanto os de tijolo chegam a ser negociados muito abaixo do valor patrimonial em momentos de pânico?
Eu não diria que o lastro do fundo de papel é mais firme ou menos firme. A qualidade pode ser equivalente, eu não colocaria que tijolo é melhor que papel ou vice-versa. Quando um fundo de papel é mal constituído, com créditos de qualidade duvidosa, é um desastre. Você resolver situações baseadas em crédito em FII de papel é algo horroroso, muito difícil de recuperar.
Por outro lado, quando você tem um fundo baseado em tijolo e as coisas dão errado, porque a cidade mudou e aquele prédio perdeu valor, ou o ciclo logístico migrou, você tem o mesmo problema. São problemas semelhantes. Você tem que ser capaz de fazer uma análise criteriosa, um julgamento dos riscos e um monitoramento desses riscos. Depois que comprou o fundo, tem que tomar conta do ativo, seja ele um galpão ou o crédito de um CRI. Tem que saber analisar, filtrar, comprar bem e monitorar, seja com papel ou tijolo.
Mas como o investidor pode fazer esse monitoramento?
O primeiro passo é se aproximar de onde você está investindo: entrar no site do fundo, ver quem são os gestores, o time inteiro, entender quem eles são e qual o histórico de mercado dessas pessoas. Depois, imprima as últimas cartas mensais, veja o que o gestor falou e o que de fato aconteceu depois. Cada gestor tem a sua marca.
Depois que tiver feito esse dever de casa, lido algumas cartas mensais e entendido a estratégia, procure o time de investimento da gestora e tire suas dúvidas. O fundo é público, atende o mercado e tem que estar à disposição do público.
Algumas gestoras criam sites específicos para cada fundo, com tudo o que é publicado. Aqui temos podcast, Instagram. Fornecer ferramentas para aproximar cotista e gestora é um diferencial que o investidor deve analisar antes de investir naquele fundo ou gestora.
Qual é a estratégia mais adequada para construir e receber uma renda mensal a partir de FIIs?
Simplificando de forma brutal, a questão é de concentração versus diversificação. Quando se quer especular e ter ganhos de capital, comprar Vale a $10 e vender a $20, é preciso concentrar. Só tem um ganho de capital expressivo quem se concentra em duas, três, quatro apostas.
Já quando se quer ter renda, a diversificação é fundamental. Renda é segurança, elas andam juntas. Não se pode guardar todos os ovos na cesta da mesma gestora. O investidor deve pesquisar todos os FII do mercado que efetivamente sejam de renda, definir qual estratégia quer seguir, ver quais fundos o impressionaram mais, e aí dividir a alocação entre vários deles.
Todos os fundos podem ter fases boas e ruins, nem sempre é uma questão de o fundo ser bom ou não. Shopping centers ficaram sem rendimento algum durante um período. Mas quem diversificou em vários setores tem menos chance de ficar um mês sem receber nada.
Pesquise bem, pulverize e compre. Ou, se você não quiser ter esse trabalho, pode investir em FoFs (fundos de fundos), e deixar a curadoria para um gestor. Só não pode investir baseado em dicas dos outros, aí não dá.
Nem todos os FIIs são fundos de renda?
Há alguns tipos de FII, como os FII de desenvolvimento, em que o objetivo preponderante do investidor não é a renda, e sim a valorização das cotas. Nem todos os fundos distribuem dividendos mensalmente. Alguns dependem de um prédio ser alugado, têm uma vacância variável. A lei obriga ao pagamento de 95% dos lucros líquidos, mas de forma semestral. Alguns fundos pagam todo mês, outros seguram mais.
Uma questão importante: quem quer renda tem que ter cabeça de renda. Muitas vezes o cara entra em fundo mais voltado para renda, a cota não sobe no mercado e ele fica inquieto, começa a reclamar. Ele comprou o fundo a R$ 100, a cota continua a R$ 100, ele está recebendo a renda dele direitinho, mas ele acha ruim que a cota não se valoriza.
É preciso escolher seu objetivo. Se seu fundo subiu de R$ 100 para R$ 110 e, ainda por cima, você teve a renda, melhor ainda, vá festejar. Mas se seu objetivo é de renda, você tem que analisar aquele fundo pelo viés da renda. Se ele está pagando a renda que você esperava, perfeito. Valorização é no médio e longo prazo.
Como o investidor pode descobrir se o dividend yield de um FII é atrativo ou não?
Espero que vocês nos ajudem neste processo de educação do mercado: as pessoas têm que parar de correr atrás do maior yield do mercado! “Ah, aquele cara pagou 1%, o outro só pagou 0,5%”. Não é essa a maneira correta de olhar. As pessoas precisam decidir quanto querem ter de rendimento. E entender que, quando saem de 0,5% ou 0,6% ao mês e vão para um fundo que está pagando 1%, essa diferença não é de graça. O investidor passou a correr muito mais risco, e esse 1% pode virar zero ou uma conta negativa. Não existe almoço grátis.
Você tem que construir um perfil de renda conservador, diversificado. Não correr para aquele que está dando mais, mas sim fazer um mix de estratégias, com fundos de perfil mais agressivo e outros mais conservadores. E entender o que você fez. Se escolheu cinco fundos que pagam 1% ao mês, fico feliz se der certo, mas tem que ter consciência de que escolheu uma estratégia de alto risco.
Amanhã o fundo de 1% dá zero ou 0,1% e a pessoa começa a se queixar: “pô, não é o que eu esperava”. Amigo, você deveria saber que retorno maior tem riscos maiores, e muito provavelmente a carta mensal já discutia esses riscos. As pessoas tendem a enxergar o lucro e ignorar o risco.
Não tentamos dar o maior resultado possível, mas controlar o risco e entregar o melhor dentro do risco que aceitamos correr. O resultado é consequência de uma análise criteriosa de risco, e a nossa primeira finalidade é proteger o patrimônio dos clientes, não dar o maior possível. Eu poderia facilmente alocar em operações de alto rendimento, ser o herói do mercado nos primeiros três meses, e ter problemas depois.
Então um yield de 1% ao mês é agressivo, enquanto 0,5% seria um ganho mais, digamos, trivial?
Não diria que 1% é “agressivo”, mas certamente comporta um risco maior que o do fundo que paga 0,5% ao mês. Existem fundos que pagam de 0,1% a 1,5% ao mês. O estado da arte neste negócio é o que chamo de risco assimétrico. Sair de 0,5% para 1% de forma absurda, isso daí qualquer um sabe fazer.
A arte é escolher o fundo que eleva o retorno para 1% ao mês, mas o risco não é alto. Esse é o fundo que você mais quer ter na carteira. Com uma estratégia diferenciada, como a nossa, que busca operações no Cinturão da Soja, em centros logísticos no Nordeste, em regiões afastadas de São Paulo. Aí a gente consegue retornos maiores com risco muito baixo, às vezes mais baixos que o de alugar uma laje na Faria Lima.
Em linhas gerais, fundos que entregam entre 0,40% e 0,65% ao mês costumam ser high grade, com risco menor. Já os FII que pagam acima de 0,75% são considerados high yield, mais arriscados.
Não se seduza por retornos elevados, faça uma análise criteriosa, não veja apenas o retorno. Gaste um tempo para fazer o dever de casa, pesquise na internet, pergunte para o assessor ou o agente autônomo. Não compre nada sem entender o que está comprando, pelo amor de Deus.
A última coisa que todos nós que estamos na indústria queremos é que isso vire uma bolha descontrolada e exploda. E aí depois vão dizer que FII é uma bolha. Não é: é um instrumento financeiro como outro qualquer e tem que ser tomado com o devido cuidado, como tudo na vida.