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Como o corte de juros nos Estados Unidos impacta investimentos no Brasil

Especialistas veem cenário positivo para a Bolsa e o dólar, com maior apetite a risco de investidores globais

Como o corte de juros nos Estados Unidos impacta investimentos no Brasil
Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos (Foto: Adobe Stock)
  • O tão esperado início dos cortes na taxa de juros dos Estados Unidos finalmente aconteceu. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, decidiu reduzir a Fed Funds em 50 pontos-base, para o intervalo entre 4,75% e 5% ao ano
  • Agora, o mercado espera que as próximas reuniões de política monetária do Fed, marcadas para novembro e dezembro, tragam novos cortes de juros. E isso tem tudo para beneficiar o Brasil e os investimentos por aqui
  • Especialistas veem espaço para movimento positivo na Bolsa e no câmbio, com possibilidade de maior apetite global a risco se converter em uma maior entrada de dólares no mercado brasileiro

O tão esperado início dos cortes na taxa de juros dos Estados Unidos finalmente aconteceu. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, decidiu reduzir a Fed Funds em 50 pontos-base, para o intervalo entre 4,75% e 5,0% em reunião realizada nesta quarta-feira (18). É o primeiro ajuste para baixo desde que o ciclo de aperto monetário começou, em março de 2022, e o primeiro corte desde 2020.

O mercado estava dividido nas últimas semanas entre a magnitude do corte, que poderia ser de 25 bps ou de 50 bps. O cenário mais otimista prevaleceu, com voto de 11 dos 12 dirigentes da instituição monetária. A notícia teve um impacto imediato: às 15h, o dólar à vista caiu na mínima do dia, para R$ 5,43 com uma queda de 0,93% frente ao real. A Nasdaq passou a subir 1%, enquanto o Ibovespa, que vinha em baixa no pregão, reverteu o sinal para uma leve alta de 0,11%.

Depois de 18 meses com a taxa de juros no maior patamar em quase duas décadas, a maior economia do mundo finalmente começou a dar alguns sinais de arrefecimento. Os dados de inflação têm mantido uma trajetória mais favorável nos últimos meses, com uma desaceleração no mercado de trabalho, enquanto dados de serviço e varejo ainda mostram certo crescimento.

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Essa combinação fez boa parte do mercado começar a apostar no início dos cortes de juros nesta reunião de setembro, com um sentimento mais positivo em relação à possibilidade de um “soft landing” por lá, o que também afastou os temores de uma recessão severa na economia dos EUA. “A decisão tão aguardada foi possível devido à desaceleração da economia, do mercado de trabalho e da inflação”, explica Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.

Agora, o mercado espera que as próximas reuniões de política monetária do Fed, marcadas para novembro e dezembro, tragam novos cortes de juros. O que deve levar a taxa americana ao intervalo entre 4,5% e 4,75% ao ano ao final de 2024. E isso tem tudo para beneficiar o Brasil e os investimentos por aqui.

Como corte de juros nos EUA beneficia o Brasil

Com juros menores na maior economia do mundo, investidores globais passam a ter maior apetite por risco, o que leva o fluxo de capital de volta a mercados emergentes. Depois de um semestre com a pior saída de investidores estrangeiros desde 2020, a B3 voltou a receber dólares em julho e agosto; um movimento que já estava apoiado na expectativa pelo início do ciclo de afrouxamento monetário agora em setembro.

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“O fluxo para alocação em outros países começou a acelerar e o Brasil é um exemplo disso. Houve um forte fluxo comprador na nossa Bolsa nos últimos meses, refletindo o apetite por risco dos investidores devido à expectativa de um corte mais agressivo nos juros americanos”, destaca Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital. “A tendência de alta está mantida, podendo sofrer alguma correção, principalmente depois de dois meses fortes. Mas os ativos brasileiros ainda estão baratos, há crescimento no PIB, nossa inflação está relativamente controlada, apesar dos ruídos políticos e incerteza em relação ao cenário fiscal, o estrangeiro acaba comprando crescimento e tem boas expectativas para os ativos brasileiros.”

Foi justamente a entrada de capital estrangeiro que levou o Ibovespa ao renovar sua máxima histórica, de 136 mil pontos, em meados de agosto. Mas isso não significa que o Brasil não corra certo risco. Por aqui, as ainda persistentes incertezas em relação ao fiscal e o movimento de desancoragem das expectativas de inflação levaram o mercado a começar a precificar novas altas na taxa Selic; um ajuste que deve ser confirmado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) ainda no noite desta quarta-feira.

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“A queda dos juros nos EUA é bastante positiva para o Brasil, pois é uma das condições para que também se possam baixar os juros por aqui. O Brasil precisa, contudo, também criar as demais condições para que a inflação convirja para a meta”, explica Valter Bianchi Filho, sócio fundador da Fundamenta Investimentos. “Se o governo compreender a oportunidade que a baixa dos juros nos EUA representa, e fizer uma boa revisão dos gastos improdutivos, semeará as condições para também reduzir seus juros de forma sustentável e sem sacrificar o crescimento econômico.”

Com a perspectiva de queda de juros nos EUA e alta de juros no Brasil, é o câmbio quem deve se beneficiar. O aumento do diferencial entre as duas taxas favorece o carry trade; uma aplicação financeira que consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outra moeda, onde as taxas de juros são maiores – e, assim, lucrar com a diferença. Na prática, isso pode significar mais dólares entrando no País, reduzindo as cotações.

Bruno Nascimento, analista de câmbio da B&T Câmbio, explica que a forte valorização recente do dólar americano, que chegou a ser cotado próximo a R$ 5,80, foi influenciada principalmente por fatores internos. “Esses cenários são relativamente favoráveis à valorização do real, uma vez que uma maior previsibilidade no ambiente doméstico, aliada a um diferencial de juros entre as moedas que favorece o Brasil, tende a atrair mais capital estrangeiro. Isso pode resultar em um fluxo maior de dólares para o país, contribuindo para conter a valorização da moeda norte-americana.”

Os impactos dos juros desde 2022

O ciclo de aperto monetário nos EUA começou em março de 2022 e levou a taxa de juros americana de 0,0% a 0,25% para o patamar entre 5,25% a 5,5% em julho de 2023. Desde então, os juros americanos permaneciam estacionados no maior patamar em décadas.

O movimento era uma resposta do banco central americano à forte onda inflacionária que afetou a grande parte das economias do mundo após a pandemia da covid-19. Apesar de não ser uma exclusividade dos Estados Unidos, a elevação rápida dos juros por lá ditou o ritmo dos mercados globais. Este não foi o único fator que pressionou as bolsas nos últimos dois anos, um período marcado por guerras e tensões geopolíticas, eleições presidenciais em diferentes países, e uma verdadeira batalha contra a inflação nas maiores economias do mundo.

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Mas dá pra dizer que o Federal Reserve teve, sim, um papel importantíssimo no desempenho dos investimentos desde 2022.

Gabriela Paixão, coordenadora internacional do Grupo Fractal e planejadora financeira CFP pela Planejar, explica que as constantes elevações dos juros nos EUA desencadearam uma reprecificação global dos ativos de risco globalmente. Com a alta dos retornos do investimento mais seguro do mundo – os títulos do Tesouro americano –, investidores migraram capital para o mercado americano em busca da combinação de maior segurança e remuneração mais alta.

“Essa mudança de fluxo pressionou moedas de economias emergentes, como o real brasileiro, ao mesmo tempo em que elevou os custos de financiamento de dívidas atreladas ao dólar. Além disso, a força do dólar frente às outras moedas contribuiu para a volatilidade nos mercados de commodities, impactando ainda mais os países exportadores, como o Brasil”, destaca Paixão.

A alta de juros nos EUA também teve seu peso no desempenho das Bolsas; tanto as americanas, quanto o Ibovespa, que viu o fluxo de investidor estrangeiro minguar enquanto os juros subiam lá e aqui. Um levantamento feito pela Economatica mostra como os índices Dow Jones, Nasdaq e S&P 500 foram impactados.

Levantamento da Economatica mostra evolução dos mercados junto à alta da Fed Funds

Para Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, o desempenho das ações americanas de tecnologia, que viveram um boom desde 2023 apoiadas nos ganhos de inteligência artificial, “mascararam” parte do impacto da alta de juros nos principais índices acionários dos EUA. Mas isso não significa que ele não aconteceu.

“Com uma taxa de juros maior, quem foi impactado negativamente foram os ativos domésticos nos EUA, empresas mais ligadas à economia real, que em sua grande maioria estão listadas principalmente no índice Russell 2000. Até o ano passado, ele ficou bem pra trás em relação ao S&P 500, que subiu em grande parte sustentado pelas ações de tecnologia, e acabaram não sentindo tanto esse ciclo de alta das taxas juros nos EUA“, explica.

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