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- Nos últimos meses, um dos assuntos mais debatidos no mercado financeiro foi o ‘ESG’, sigla em inglês para melhores práticas sociais, ambientais e de governança
- De acordo com Florian Bartunek, sócio-fundador e CIO da Constellation Asset, a preocupação com a agenda ESG vai se tornar o novo normal das análises de investimento
- Para o executivo, as empresas que não seguem os critérios ESG têm a 'vida' mais difícil e mais custos
Nos últimos meses, um dos assuntos mais debatidos no mercado financeiro é o ‘ESG’, sigla em inglês para melhores práticas sociais, ambientais e de governança. A ideia dessa métrica é poder investir em empresas comprometidas com a sociedade e que tenham a intenção de minimizar os impactos negativos decorrentes dos negócios.
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De acordo com Florian Bartunek, sócio-fundador e CIO da Constellation Asset, essa maior preocupação com o impacto das companhias é uma tendência que veio para ficar nas análises de investimento. “Atualmente as gestoras estão lançando ‘fundos ESG’. Mas, daqui a alguns anos, não vai existir mais essa sigla porque todos as aplicações levarão em conta questões de governança, sociais e ambientais”, diz ele.
Fundada em 2002 e com R$ 15 bilhões sob gestão, a Constellation começou a aplicar conceitos ESG há cerca de três anos. Mas se engana quem pensa que foi preciso abrir mão de rentabilidade para investir em companhias que buscam ter um modelo de negócio mais sustentável. “Somos investidores. Nosso papel é ter um retorno acima da média”, afirma Bartunek. “Acreditamos que vamos ter melhores retornos aplicando esse conceito.”
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Para o E-Investidor, o gestor com mais de 20 anos de experiência explica como avalia as companhias segundo critérios de boas práticas e de que forma enxerga esse ‘boom’ do ESG no Brasil.
E-Investidor – Como explicar esse crescimento exponencial da preocupação com o ESG no Brasil?
Florian Bartunek – Os três pilares do ESG já vem sendo relevantes há um bom tempo, mas agora o que parece é que finalmente todo mundo juntou esses fatores na mesma sigla. O ‘G’ de ESG, por exemplo, é governança corporativa, uma questão com a qual os investidores sempre se preocuparam. Os padrões éticos das companhias sempre foram muito levados em consideração.
Depois tem a questão social, o ‘S’ da sigla, que é o relacionamento com a comunidade, clientes e funcionários. As pessoas começaram a se preocupar mais com isso há cerca de 10 anos, porque os clientes começaram a mudar, a querer saber com que tipo de empresa estão comprando produtos, além de terem mais opções de empresas.
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Na parte ambiental, já existia uma preocupação, mas isso se acelerou com o coronavírus. É como se um grande alarme tivesse tocado e feito as pessoas perceberem que se a gente não tomar conta da natureza, ou parar de afetar tão negativamente a natureza, isso vai ter um custo altíssimo.
E-Investidor – A concorrência foi um fator que levou as empresas a se preocuparem mais com a questão social?
Bartunek – Antigamente, algumas empresas conseguiam tratar ‘mal’ os clientes, porque estavam em setores com pouca concorrência. Você não tinha outro serviço de transporte, por exemplo, a não ser o táxi. O cliente também só tinha uma empresa de telefonia, que era o monopólio da Telesp em São Paulo.
Hoje em dia se uma operadora trata você mal, você vai para outra; se um taxista não está prestando um bom serviço, você pega um Uber. Então essa parte social do cliente começou a ficar relevante nos últimos anos, porque se a empresa não trata bem, há uma chance grande de perder usuários – além de ter de investir mais em marketing.
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Na relação com os funcionários é a mesma coisa. As empresas precisam de diversidade; é importante ter mais opiniões e visões diferentes. Se a empresa é vista como uma organização que não trata bem os seus colaboradores, não treina, não investe, você também tem mais dificuldades de recrutar talentos. O Nubank é um exemplo de companhia que tem mais facilidade para recrutar porque é vista como uma empresa mais inclusiva.
E-Investidor – As companhias que não seguem os parâmetros ESG vão ficar para trás?
Bartunek – As empresas que têm uma classificação ou práticas ruins de ESG estão tendo uma vida mais difícil. Essas companhias acabam tendo que arcar com mais custos. Por exemplo, nos EUA, tem um imposto de automóveis. Quanto mais o automóvel gasta de combustível, maior o imposto. Isso significa que se você tem um carro muito poluente, que gasta muito, vai ser mais caro.
Enquanto isso, os carros elétricos têm benefício fiscal, ou seja, o custo capital de uma empresa poluente é mais alto do que o custo capital de uma empresa que tem energia renovável.
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E-Investidor – Quais outros benefícios a adoção do ESG traz para as empresas?
Bartunek – As empresas que são ESG tem mais longevidade, porque elas tem clientes mais apaixonados, funcionários mais apaixonados, menores custos. Isto é, uma sustentabilidade do modelo de negócio mais robusta. Em resumo, se o seu modelo de negócio é um monopólio, no dia que acabar o monopólio acabou o negócio. Se o seu modelo de negócio era ‘enganar’ o cliente, provavelmente já acabou ou vai acabar.
E-Investidor – É necessário abrir mão de rentabilidade para investir segundo os parâmetros ESG?
Bartunek – Lembre o seguinte: nós somos investidores. Nosso papel é ter um retorno acima da média nos investimentos. Então, eu tenho que procurar empresas que vão me dar um retorno acima da média e que ainda tenham uma boa classificação ESG.
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As pessoas por vezes acham que existe um ‘tradeoff’ entre retorno e fazer o certo. Não, quando você faz o certo, o teu retorno é ainda melhor.
E-Investidor – Como é o processo de avaliação das empresas: primeiro leva-se em consideração a ‘nota’ ESG e depois o negócio em si?
Bartunek – Tudo começa, na verdade, em identificar se empresa tem um modelo de negócios vencedor. Não adianta a empresa ter uma boa nota ESG e ser um mau negócio. Agora, se o negócio for bom, provavelmente a nota ESG também é boa, porque a empresa vai ter uma relação saudável com clientes, funcionários e a comunidade. Mas tudo começa com o negócio, eu quero achar bons negócios e bons empresários. A questão de ser ESG entra depois.
E-Investidor – E quando a empresa é um bom negócio, mas tem um baixo índice de preocupação ESG?
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Bartunek – O que é necessário entender é que tem setores que naturalmente tem um impacto maior, como o segmento de mineração e aviação. E tem setores que naturalmente tem um impacto menor no meio ambiente, como o de serviços.
Mas também tem empresários com percepções diferentes. Então pode ter uma empresa que está em um setor mais agressivo ao meio ambiente, mas possui um empresário ou controlador que está trabalhando para melhorar e fazer com que a companhia seja um benchmark em ESG naquele setor.
Da mesma forma, você pode ter uma empresa zero preocupada com ESG no setor de baixo impacto. Então, procuramos as duas coisas: companhias cujos executivos estejam preocupados com boas práticas e trabalhando para ser referência em ESG dentro daquele segmento.
E-Investidor – O senhor pode dar um exemplo de empresa comprometida com o ESG, mas que esteja em um setor de maior impacto?
Bartunek – A Eneva (ENEV3), que é uma empresa que tem usinas termelétricas, é um exemplo. As termelétricas tem uma característica menos ambiental que as hidrelétricas. Porém, são importantes, precisam existir. E dentro desse setor, a Eneva é a que melhor gere as usinas.
Então, já que é necessário ter esse tipo de geração de energia, é bom que você tenha uma empresa que faça uma gestão muito bem feita das usinas. Somos acionistas da Eneva por isso, por eles terem uma gestão excepcional dos ativos.
E-Investidor – Não existe nenhum setor que seja excluído da carteira apenas pelo impacto negativo à sociedade ou meio ambiente?
Bartunek – Tem setores que naturalmente excluídos, como o de tabaco e armas. Não adianta ser a melhor empresa de tabaco, por exemplo, porque você já tem algumas restrições naturais ao produto. A mesma coisa com o setor de armas, já que mesmo a empresa sendo muito eficiente, existem armamentos que possuem uma restrição natural de uso.
Fora esses, boa parte dos setores, mesmo que tenha um impacto negativo, é importante para a economia e para a sociedade. Por isso é bom ter uma empresa que opere bem aqueles ativos e que tenha uma estratégia de longo prazo para diminuir esse impacto. Para nós o importante é a cultura da empresa e se a empresa está caminhando para se tornar melhor em ESG
E-Investidor – É uma avaliação que passa mais pelo ‘empresário’ do que pelo negócio em si?
Bartunek – Sim. Normalmente é o executivo que não acredita no tema, acha que é uma coisa da esquerda, que é lenda, que não existe. E geralmente você percebe rápido que o empresário não acredita nisso. Em resumo, nós esbarramos muito mais com pessoas que não queremos como sócios, do que necessariamente com empresas.
E-Investidor – Falando agora de gestoras: quem não passar a oferecer produtos ESG vai perder espaço no mercado?
Bartunek – Uma coisa interessante é que estamos na fase em que as gestoras estão oferecendo ‘produtos ESG’. No futuro, as gestoras irão ter que incorporar essa questão por completo. Por exemplo, nenhum gestor vai te dizer que tem um ‘fundo de governança’, já que a governança é uma coisa que permeia todos os investimentos dele. Então atualmente as gestoras estão lançando ‘fundos ESG’, mas daqui há alguns anos não vai existir mais essa sigla, porque todos as aplicações levarão em conta questões de governança, sociais e ambientais.
E-Investidor – Na sua visão, por que o conceito ESG é tão mal interpretado? É apenas falta de educação financeira ou é algo mais cultural da nossa sociedade?
Bartunek – Eu acho que é difícil entender essa questão de sustentabilidade, é difícil entender o impacto. Aliás, muitas empresas estão ainda vendo formas de calcular o impacto delas. Além disso, tem um custo para as empresas também, que por vezes tem que trocar toda a matéria prima por matérias primas mais sustentáveis.
Então acho que as pessoas estão lentamente se acostumando com a ideia, com medo um pouco de ser uma moda, algo passageiro, o que não é. Mas devagarzinho está todo mundo se conscientizando que tem que fazer, que é importante.
E-Investidor – O Índice de Sustentabilidade Empresarial é um bom parâmetro para o investidor pessoa física começar a investir pensando em ESG?
Bartunek – É um bom caminho para o investidor começar, mas o fato de você ter o índice não exclui a necessidade de você fazer o seu próprio trabalho também, olhar as métricas, tentar entender, e aprender mais sobre a companhia. O indicador ajuda, mas ele não exclui a necessidade de você fazer o seu próprio dever de casa.