Com 1,9 milhão de investidores pessoa física, o segmento de fundos de investimento imobiliário (FII) vive a expectativa por novas regras. Agentes desse nicho especulam sobre a norma que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editará nos próximos dias.
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A mudança deve trazer mais flexibilidade à composição das carteiras, com regras mais claras para a convocação de assembleias por minoritários.
Pelo regramento atual, a Instrução 472 editada em 2008, somente direitos reais sobre imóveis podem constar na carteira, o que impede que empreendimentos em áreas de concessão sejam estruturados em fundos imobiliários, diz Felipe Claudino, sócio da área de Mercado de Capitais e Fundos de Investimento do Veirano Advogados.
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“Hoje, só direitos reais sobre imóveis – a propriedade, o usufruto do imóvel – podem entrar na carteira”, explica. “Isso impede, por exemplo, que empreendimentos em áreas de concessão sejam estruturados em fundos imobiliários. A nova norma deveria dar mais flexibilidade, permitindo outros tipos de direitos sobre imóveis na carteira.”
Assembleias
O anexo dos FIIs deverá abordar as convocações de assembleias por grupos de minoritários para deixar a regra mais clara. Esses grupos, em geral, são formados por fundos de investimento. A norma atual permite que grupos com ao menos 5% das cotas peçam assembleia.
As controvérsias costumam surgir em temas como propostas de liquidação do fundo, venda de ativos, estratégias de gestão e taxa de administração.
Num caso recente, de novembro, o HGBS11 (Fundo Imobiliário Hedge Brasil Shopping), fundo da Hedge Investments que é cotista do FLRP11 (FII Floripa Shopping), convocou uma assembleia para votar a substituição do administrador e do gestor, funções até então desempenhadas pelo BTG. As propostas foram aprovadas e a Hedge Investments passou a ser a nova administradora e gestora do FII.
A assembleia também votou e aprovou a alteração da taxa de administração, de 9% ao mês da receita do fundo para 0,6% ao ano sobre o valor de mercado das cotas.
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Mas, apesar da previsão pela Instrução 472, sobra espaço para embates, nos quais as partes discutem se o interesse do fundo está sendo atendido ou não. Muitas vezes, os cotistas minoritários são investidores profissionais – como outras gestoras de fundos com suas próprias estratégias de investimento.
Foi assim em um caso do ano passado. Em meados de 2022, a liquidação do Fundo Imobiliário FOF Integral Brei (IBF11) foi realizada após assembleia convocada por um cotista, a gestora Capitânia Investimentos, que tinha quase 30% das cotas.
Insatisfeita com o desempenho do FII, a Capitânia convocou assembleia para deliberar sobre a venda de todos os ativos e fechamento do fundo.
A Brazilian Real Estate Investments (Brei), gestora do FII, reagiu e foi à Justiça alegando que a iniciativa era abuso de direito e visava interesse particular, em detrimento dos outros cotistas e do fundo. Mas a Justiça negou o pedido e deu aval à assembleia, que foi realizada e decidiu pela venda de todos os ativos da carteira e a liquidação do fundo.
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Além disso, a norma condiciona a convocação: “observados os requisitos estabelecidos no regulamento do fundo”. A convocação pode acabar à mercê do aval da Justiça ou da CVM.
Foi o caso da gestora de um FII que desejava comprar CRI emitido pela securitizadora do mesmo grupo econômico a que pertence. “A norma exige que situações como essa, consideradas de conflito de interesse, devem ser aprovadas em assembleia”, diz Marcelo Cosac, sócio do Madrona Advogados. “Conseguimos que esse conflito fosse aprovado em assembleia única, de forma que novas situações idênticas – compras de recebíveis emitidos pelo mesmo grupo – poderiam ocorrer sem a necessidade de nova aprovação.”
“A norma vigente não dá segurança plena aos cotistas. É preciso se fiar na atuação da CVM”, diz Claudino, do Veirano. “Hoje, os FIIs guardam certa semelhança com as corporations, pois têm administração com poder de agir, mas não um sócio controlador que se contraponha ou equilibre eventuais decisões desfavoráveis.”
Investidor individual
Já o investidor individual, seja pessoa física do varejo ou do segmento alta renda, tem baixíssima representatividade relativa pelo número de cotas que detém. Outra barreira impede a participação desse investidor em decisões ou assembleias.
Geralmente, a pessoa física tem muita dificuldade para compreender as regras e transações relativas às assembleias, todas escritas em linguagem jurídica.
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Sócio na área de Fundos de Investimento e Asset Management do Mattos Filho, Flávio Lugão espera que a CVM continue evoluindo no entendimento do tratamento dos conflitos de interesse por comitês ou conselhos especializados, e não para avaliação da assembleia geral.
“Em regra, o investidor de varejo tem pouca condição de avaliar o conflito e o grande absenteísmo nas assembleias gerais de FII faz com que muitas transações nessas situações não sejam analisadas, por mera falta de quórum”, diz.
Decisões consolidadas
A publicação da regulação dos FIIs se dará como anexo da regra principal, que a CVM editou em 23 de dezembro. Na ocasião, a reguladora fixou também os anexos dos FIFs (renda fixa, cambiais, de ações e multimercados, antes regidos pela Instrução 555) e dos FIDCs (Fundos de Direitos Creditórios).
E informou que as normas para os segmentos de fundos estruturados – FIIs e Fips (Fundos de Investimento em Participações) – seriam editadas antes de a Resolução 175 entrar em vigor, em 3 de abril.
Portanto, o texto deve sair até o fim de março. As feições, porém, ainda podem trazer alguma surpresa, já que a norma não foi objeto de audiência pública. “O anexo deverá se apoiar no que se consolidou em decisões da reguladora sobre os conflitos de interesse”, diz Claudino.
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A advogada Ana Carolina Nomura, também sócia na área de Fundos de Investimento e Asset Management do escritório Mattos Filho, prevê uma atualização e modernização do arcabouço e concorda que deve haver incorporação de práticas e entendimentos mais recentes.
O desenvolvimento do mercado impôs “novas experiências, novos casos práticos e novas discussões com o regulador no contexto da estruturação de produtos e processos sancionadores”, segundo a advogada.