Na prática, com a decisão de Moraes, o IOF permaneceu como queria o Congresso, sem aumento de alíquotas. O ministro, no entanto, colocou um freio na aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL), instrumento que havia derrubado as medidas do governo. Na última sexta-feira (11), a Câmara dos Deputados e o Senado chegaram a enviar uma carta ao STF pedindo que a corte declarasse constitucional o PDL.
Ao marcar a audiência entre Congresso e governo, Moraes afirmou que o embate entre os dois Poderes, com “sucessivas e reiteradas declarações antagônicas”, contraria a Constituição Federal, que exige a harmonia entre eles.
Roberto Beninca, advogado especializado em Direito Tributário e sócio da MBW Advocacia, explica que a reunião de conciliação busca encontrar uma solução consensual antes do julgamento da questão. “Se houver acordo, ele pode incluir a revisão das alíquotas, novos critérios de incidência ou regras transitórias, evitando um desgaste maior entre os Poderes. Caso não haja consenso, o STF terá de realizar o julgamento sobre o caso”, afirma.
O que disse Moraes em sua decisão?
Em sua análise, o ministro identificou possíveis inconstitucionalidades tanto nos decretos presidenciais quanto no decreto legislativo. Moraes explicou que o IOF apresenta como principal função a regulação do mercado financeiro e da política monetária, tendo natureza extrafiscal. Segundo ele, caso fique demonstrado que o Executivo utilizou esse instrumento apenas com objetivo arrecadatório, haverá desvio de finalidade, o que autoriza o Judiciário a verificar a validade do ato.
Em análise preliminar, Moraes considerou plausível o argumento de que os decretos presidenciais podem ter extrapolado o objetivo regulatório do IOF, pois propuseram aumento superior a 60% na arrecadação desse tributo.
No caso da decisão do Legislativo, Moraes questionou o fato de ela incidir em decreto autônomo do presidente da República. O ministro do STF também indicou que a Constituição só admite que um decreto legislativo seja operado contra medidas que extrapolam o poder regulamentar – ou seja, quando regulamentam a lei de forma indevida.
As alternativas em jogo
De um lado, o Ministério da Fazenda e o governo federal tentarão convencer Moraes de que todas as medidas do IOF tiveram finalidade regulatória. Em entrevista ao Estadão, o secretário executivo da pasta, Dário Durigan, afirmou que o aumento de arrecadação não é o principal objetivo do decreto.
“Estamos muito seguros em dizer que o decreto tem fundamentos regulatórios. Temos argumentos regulatórios colocados no processo, explicitados, com as alterações do IOF”, disse Durigan. “A consequência fiscal é importante, mas não é fundamento para o ato.”
Do outro lado, na última semana, líderes partidários indicaram ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que aceitam negociar com o governo o aumento do IOF em patamar abaixo do pretendido pela Fazenda, dentro de uma lógica apenas regulatória. A saída desenhada é que a pasta reduza a arrecadação para algo inferior a R$ 5 bilhões em 2025, contra os R$ 12 bilhões estimados no último decreto presidencial sobre o imposto.
As mudanças nas regras do IOF poderiam ocorrer por duas vias: a aplicação de um porcentual menor em todas as alíquotas ampliadas pelo governo ou por uma separação do que deveria ser interpretado como arrecadatório e do que deveria ser regulatório. Em troca, o governo se comprometeria a liberar emendas de comissão que estão represadas e que, por não serem de caráter impositivo, não exigem pagamento obrigatório pelo Executivo.
O que pode mudar para o investidor?
Como existe a possibilidade de novas mudanças no IOF, consumidores e empresas ficam em estado de incerteza quanto ao custo real de operações financeiras futuras. Nesse cenário, quem precisa realizar uma transação sujeita ao IOF, como contratação de crédito, câmbio, seguros ou investimentos, tende a antecipá-la.
Beninca, da MBW Advocacia, avalia ser provável que o IOF volte a subir, ao menos em parte. “Em um processo de conciliação, é comum que ambas as partes cedam para alcançar um consenso. Nesse contexto, espera-se que o Executivo consiga preservar parte da ampliação pretendida no imposto, ainda que com ajustes, validando ao menos uma ou algumas das hipóteses de incidência do decreto original”, destaca.
Especialistas na área tributária consideram, no entanto, improvável um aumento do IOF no porcentual inicialmente pretendido pelo governo. “O Congresso já deixou bastante claro que não aceitará utilizar esse imposto como um ‘tapa-furo orçamentário’. No entanto, dentro do contexto de negociação entre os envolvidos, existe a possibilidade de alguns ajustes pontuais serem feitos no tributo”, diz Rafael Pandolfo, advogado tributarista.
Na visão dele, as constantes indefinições sobre o imposto aumentam a incerteza dos investidores. Ele enxerga que, ao usar um tributo de natureza regulatória para aumentar a arrecadação, o recado que o governo passa ao mercado é de improviso fiscal e de insegurança jurídica, afastando o consumidor e paralisando decisões de investimento.
Para André Felix Ricotta de Oliveira, sócio da Felix Ricotta Advocacia e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/Pinheiros, o que se espera agora é uma definição clara sobre a possibilidade de o IOF ser ampliado ou não com finalidade exclusivamente fiscal. “A insegurança jurídica só tende a crescer se o Supremo demorar muito a julgar o mérito das ações, especialmente se não houver acordo entre as partes envolvidas”, avalia.
As idas e vindas do IOF
O primeiro decreto sobre IOF foi publicado em 22 de maio e trouxe alterações no imposto em operações de câmbio, linhas de crédito para empresas e planos de previdência privada do tipo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).
Após repercussão negativa, o Ministério da Fazenda voltou atrás na ideia de tributar com IOF aplicações de fundos de investimentos fora do País. Remessas para contas no exterior direcionadas para investimentos também retornaram à tributação anterior, de 1,1%. Para oficializar as mudanças, foi publicado um novo decreto sobre o imposto em 23 de maio.
Em junho, houve mais uma recalibragem nas alíquotas do IOF, após o governo apresentar uma Medida Provisória (MP) com propostas para tributar em 5% as novas emissões de títulos de renda fixa que hoje são isentos, como Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCIs). Em relação às aplicações que seguem atualmente a tabela regressiva do Imposto de Renda (IR), a ideia é estabelecer uma alíquota única de 17,5%, independente do tempo de investimento. Essa MP, no entanto, ainda precisa ser analisada no Congresso Nacional.
No final de junho, a Câmara dos Deputados e o Senado derrubaram todos os últimos atos do governo relacionados ao IOF. O decreto nº 176, de 2025, que anulou as medidas, foi assinado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e publicado no último dia 27 no Diário Oficial da União (DOU).
Já em 1º de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionou o STF para tentar manter em vigor os decretos que elevaram o IOF. O argumento usado foi de que o Congresso Nacional violou os princípios da separação dos Poderes e da legalidade tributária ao derrubar as medidas do governo.
Em 4 de julho, Moraes suspendeu tanto os atos do Executivo quanto o decreto do legislativo sobre o imposto, marcando a audiência de conciliação, que acontece nesta terça-feira.
Como está o IOF hoje para o investidor?
O que vale agora são as alíquotas reduzidas do IOF, que eram o desejo dos parlamentares. Como mostramos aqui, as novas taxas já estavam sendo aplicadas pelas instituições financeiras desde o dia 27 de junho, com a publicação da decisão do Congresso no DOU.
Para os investidores, um dos pontos mais importantes envolve as operações de câmbio. A alíquota de IOF agora está em 3,38% para cartões de crédito e débito internacional, assim como para cartões pré-pagos internacionais e cheques de viagem para gastos pessoais. Quando o governou subiu o IOF, essa taxa havia aumentado para 3,5%.
A taxa para a compra de dólar ou de outras moedas em espécie voltou para 1,1%, contra os 3,5% sugeridos pelo governo. O mesmo aconteceu com as remessas para contas no exterior não ligadas a investimentos. Já as remessas direcionadas para investimentos não sofreram mudanças, pois não tiveram sua alíquota de IOF ampliada.