A inadimplência ainda está aí, mas não é mais a maior preocupação de quem investe nos bancos brasileiros. A qualidade do crédito perdeu espaço para as discussões regulatórias, como as relativas ao cartão de crédito e aos juros sobre o capital próprio (JCP), de acordo com analistas. Segundo eles, este fator impede que os papéis dos bancos subam mais neste ano, mesmo com a queda dos juros que deve aliviar os atrasos dos empréstimos ao longo dos próximos 12 meses.
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“É muito pesado o tema regulatório, um véu enorme, que não nos deixa ver bem, e isso está pesando nos valuations [avaliações de mercado dos bancos]”, afirma Pedro Leduc, analista do Itaú BBA. “Metade de uma conversa de uma hora [com investidor] é revisando regulatório, principalmente para o estrangeiro.”
Eduardo Rosman, do BTG Pactual, afirma que metade do tempo de uma conferência feita pelo banco com CEOs do setor em Nova York neste mês foi ocupada por discussões sobre o cartão de crédito e JCP, os dois temas de regulação que têm sido mais lembrados ao tratar do setor.
Segundo o analista, discussões regulatórias têm pressionado a avaliação dos bancos mundo afora. Nos Estados Unidos, a virada de humor veio com a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), em março, que levou a um debate sobre o aperto da regulação sobre os bancos americanos. Na Europa, o ano foi marcado pelo resgate do Credit Suisse pelo rival UBS, arquitetado pelas autoridades suíças para evitar o colapso da instituição financeira.
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Por isso, Rosman acredita que o valor de mercado dos bancos brasileiros ainda não reflete totalmente as preocupações dos investidores com mudanças regulatórias. “Se tudo passar e não tiver um impacto tão grande para os bancos, as ações reagem bem, mas se houver um teto muito forte [nos juros do cartão], as ações caem”, diz ele.
No início do mês, em relatório enviado a clientes, o Bank of America (BofA) afirmou que as incertezas regulatórias motivam uma posição conservadora quanto aos papéis dos bancos brasileiros, se comparados aos de outros bancos da América Latina.
“Vemos os maiores riscos regulatórios no Brasil, como o potencial fim do benefício tributário de JCP, que poderia levar a um aumento significativo na alíquota efetiva do setor, e a implementação de um teto de juros no crédito rotativo – estes riscos não estão refletidos em nossas estimativas”, escreveu o analista Mario Pierry.
Incertezas
Tanto o cartão de crédito quanto o JCP continuam cercados de indefinições. Nos cartões, o Banco Central (BC) passou a mediar as discussões de uma autorregulação do crédito rotativo que impediria a imposição de um teto de 100% do valor da dívida original. Na semana passada, o BC propôs limitar o parcelado sem juros a 12 prestações, além de possivelmente impor um teto à tarifa de intercâmbio, como mostrou o Broadcast.
Os bancos atribuem ao parcelado as altas taxas do rotativo, que financiariam o parcelamento de compras sem a incidência de juros. Analistas de mercado consideram que uma limitação a 12 prestações seria pouco efetiva neste caso, pois “85% do volume do sistema é em até seis vezes”. “Limitar a 12 não vai fazer diferença para o banco”, diz Leduc, do BBA.
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No JCP, o governo tem sinalizado a disposição de abrir uma exceção aos bancos caso a dedutibilidade do instrumento de fato acabe. Os bancos argumentam que precisam do instrumento porque são obrigados a reter capital pelas regras do BC, ao contrário do que acontece em outros setores. “Os bancos têm uma alíquota maior que a das outras empresas, mas por causa do JCP, conseguem trazer a alíquota total para um patamar um pouco mais comparável”, afirma Rosman, do BTG.
Leduc enxerga ainda um outro risco: o do retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), dado pelo governo em casos de empate em julgamentos do órgão que analisa disputas entre contribuintes e a União. Os bancos estão entre as empresas com os maiores valores em disputa no Carf. “Tem um peso principalmente porque não há provisão nos bancos, exceto no Banco do Brasil (BBAS3)”, diz ele.
Por outro lado, o analista afirma que o governo tem mostrado razoabilidade nos debates, ao reconhecer que mudanças de grande impacto sobre o setor financeiro podem reduzir a oferta de crédito. “Hoje a incerteza está na máxima, e talvez a gente caminhe para um meio-termo. Um meio-termo já é suficiente para melhorar os valuations.”