A notícia saiu por volta das 17h20 (horário de Brasília) em um post de Trump nas redes sociais, mas os contratos de dólar futuro vinham registrando oscilações relevantes desde o início da tarde, horas antes do anúncio oficial das medidas.
A pauta chegou ao STF depois de um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), feito no sábado (20) – confira aqui –, após uma reportagem mostrar operações de bilhões de dólares montadas contra o real antes do anúncio, com a cotação a R$ 5,46, e vendidas depois que a informação foi publicada por Donald Trump, com a cotação a R$ 5,60. Mas não é consenso no mercado financeiro brasileiro que isso represente um caso de insider trading.
Isso porque, antes do anúncio oficial da retaliação ao Brasil, o presidente dos EUA já havia mencionado essa possibilidade em evento na Casa Branca. E especialistas destacam que alguns dos argumentos que estão na mesa – que apostas contra o real que poderiam ter rendido um lucro de até 50% em poucas horas, conforme indicado por um gestor internacional na reportagem que motivou o pedido de investigação da AGU – são muito difíceis de serem confirmados sem ter acesso aos dados.
Prevalece o seguinte entendimento: o movimento do dólar naquele pregão foi expressivo e deve ser investigado? Sim. As informações públicas até agora indicam necessariamente um insider trading? Difícil afirmar.
Houve mesmo crime de inside trader com o dólar?
Na avaliação de Felipe Pontes, gestor de patrimônio na Avantgarde Asset Management, a movimentação do dólar futuro naquele pregão, especialmente entre 14h e 15h, foi “truculenta”, tanto em termos de volume negociado quanto na velocidade e intensidade da valorização da moeda. O que justificaria uma investigação formal. “Não é prova de crime, mas é um comportamento estatisticamente incomum que levanta suspeitas”, diz. “Se houve ou não insider trading, a investigação com os dados que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), B3 e Banco Central (BC) têm acesso poderá rejeitar ou não a hipótese de forma rápida, fácil e simples.”
Claudio Santos, presidente do Next Group, destaca que oscilações bruscas no câmbio não são tão anormais e que seria preciso evidências mais concretas do que a correlação temporal do movimento para sustentar se houve ou não um insider trading. “São investigações que, por natureza, envolvem informações assimétricas, estruturas sofisticadas de operação e muitas vezes uso de terceiros, trusts ou corretoras no exterior”, ressalta.
Ele avalia que a iniciativa da AGU é importante, pois sinaliza que as autoridades brasileiras estão atentas ao uso indevido de informação. Mas é preciso olhar os fatos para além da politização que a pauta ganhou. “É essencial que a análise seja técnica, criteriosa e que não se use esse episódio como gatilho para alimentar uma narrativa inflamada sem base real”, diz Santos.
Pela análise dos gráficos daquele pregão, é possível ver que a alta mais expressiva nos contratos de dólar futuro teve início por volta de 14h30, no horário de Brasília. Neste mesmo horário, Trump dava uma coletiva de imprensa após reunião com líderes de países africanos na Casa Branca.
O Broadcast publicou uma notícia às 14h34 com uma fala de Trump: “O Brasil não tem sido bom conosco”, em tradução livre. Depois, às 14h37, outra fala: “Os números [de tarifas] para o Brasil vão sair hoje ou amanhã”. Dez minutos depois, às 14h47, um texto do Wall Street Journal já estava na plataforma, dizendo que os Estados Unidos iriam impor tarifas mais duras ao Brasil, mencionando ataques de Trump ao processo judicial instaurado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no País.
Neste vídeo da Reuters, que contém a reunião completa, é possível assistir à fala do presidente americano a partir do minuto 37:50, quando Trump é questionado por uma repórter sobre a forma como os EUA calcularam as tarifas impostas aos países e se haveriam novos anúncios. Trump diz que novas tarifas seriam anunciadas naquele dia e que o Brasil era um exemplo.
Muitos analistas têm atribuído a alta do dólar contra o real perto das 14h30 às falas de Trump, que aconteceram naquele mesmo horário. Apesar de não ser um anúncio oficial, as ameaças de novas tarifas já seriam suficientes para motivar um posicionamento contra ativos brasileiros. “Quem está na mesa de operações e escuta isso opera contra”, diz Marcelo Bacelar, gestor de portfólio da Azimut Brasil Wealth Management.
O gestor afirma que é possível discutir o tamanho do movimento, o volume financeiro das operações – e se uma fala de Trump justificaria uma oscilação daquela magnitude, por exemplo. “O volume foi bem grande, mas nada anormal para um dia de trade com um fato relevante. Também me parece razoável o dólar subir 30 pontos, naquele momento do dia que não tem muita liquidez”, pontua Bacelar. “Existem elementos para acreditar que não foi uma compra sem motivo.”
Dados levantados pela Economatica mostram que o volume de contratos de dólar futuro negociados no pregão de 9 de julho foi de R$ 70 bilhões, 10% acima da média dos 30 dias anteriores. No dia seguinte ao anúncio oficial das tarifas, o volume foi de R$ 88 bilhões.
Trump Trade
Nas redes sociais, a movimentação atípica do dólar naquele pregão de 9 de julho já tinha sido pauta. O tema ganhou celeridade e virou alvo da AGU depois de uma reportagem do Jornal Nacional, publicada na sexta-feira (18), que entrevistou Spencer Hakimian, fundador da Tolou Capital Management, uma gestora de hedge funds focada em estratégias globais macro criada em 2019. Ele não respondeu a tentativa de contato do E-Investidor.
Com mais de 159 mil seguidores no X, antigo Twitter, o gestor vem tecendo críticas à gestão Trump e publicou nas últimas semanas muitos outros exemplos de operações que sugere se tratar de insider trading, semelhantes ao caso do Brasil. Em todos, Hakimian destaca oscilações expressivas em moedas ou índices de ações horas antes do anúncio oficial de medidas da administração dos EUA. Esta é a publicação dele sobre um suposto insider trading em posições contra o real:
Ainda que não haja consenso em relação ao movimento no mercado de câmbio no dia 9 deste mês, nenhum dos especialistas cravaria que não houve manipulação ou uso de informações privilegiadas. Uma fonte ligada a investidores em Wall Street destaca que, por lá, predomina um entendimento de que alguém está ganhando dinheiro de antemão com as políticas incertas de Trump. Um pequeno grupo que em teoria fica sabendo das medidas antes de elas serem anunciadas; o que explicaria essas movimentações atípicas no mercado.
Apesar da cobrança pública, as investigações não saem do papel porque é o republicano quem controla os órgãos que devem fazer as investigações, como a SEC (Securities and Exchange Commission, a “CVM dos EUA”), diz a fonte.
Já ocorreram outros episódios emblemáticos em 2025. Em 9 de abril, os índices de ações americanos tiveram a maior alta diária em anos, com ganhos de quase 8% no Dow Jones e de 12% no Nasdaq depois de o presidente americano divulgar uma pausa de 90 dias nas tarifas recíprocas anunciadas poucos dias antes, com exceção das alíquotas impostas à China.
Horas antes do anúncio que faria o mercado disparar, Trump publicou que aquela era uma “boa hora de comprar”, seguido de “DJT”. Como o executivo não tem o costume de assinar as próprias publicações, muita gente entendeu que tratava-se de uma referência ao ticker da Trump Media & Technology Group. A DJT saltou mais de 22% na Bolsa naquele dia.
O episódio foi classificado por muitos – do mercado, mas também da política – como um insider trading. Senadores e deputados democratas enviaram uma carta à Casa Branca solicitando que todos os funcionários do alto escalão enviassem relatórios de transações de valores mobiliários desde o início do mandato de Trump sob a suspeita de que poderiam estar sendo beneficiados em negociações com uso de informações privilegiadas.
Em janeiro, o republicano já tinha se envolvido em outra polêmica de conflito de interesses. Poucos dias antes de tomar posse, publicou em suas redes sociais uma mensagem de divulgação da nova criptomoeda oficial dele, a $TRUMP. “Junte-se à minha comunidade especial. Pegue sua $TRUMP agora”, dizia o texto, antes de publicar o link para o site de compras.
Nos dois dias seguintes, no pico, o ativo valorizou mais de 1.000 %. O sucesso levantou polêmica nas redes, principalmente após a divulgação de que 80% dos tokens pertenciam à CIC Digital, uma afiliada da The Trump Organization. À época, investidores também apontaram uma possível manipulação de mercado. Leia mais nesta reportagem.
Os próximos passos da investigação
O insider trading nada mais é que o uso de informações privilegiadas, que não são públicas, para obter vantagem na negociação de ativos. A prática é crime desde 2001 e prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos, além da possibilidade de multa de até três vezes o valor da vantagem obtida. No Brasil, quem investiga e julga é a CVM, que deve ser acionada agora pelo STF.
Os processos desse tipo não são raros no mercado brasileiro, mas poucos terminam em condenações. Felipe Pontes, da gestora Avantgarde, destaca que tanto a CVM, quanto a B3 e o Banco Central têm acesso a dados da microestrutura do mercado. Portanto, não seria difícil identificar as negociações atípicas, levantando qual foi a corretora por trás da operação, quem operou e qual o padrão histórico daquele player.
No entanto, isso não significa que a investigação solicitada pelo STF trará respostas rápidas, especialmente envolvendo o mercado de câmbio. “A CVM reconhece que provar insider trading no mercado de dólar é um desafio e uma exceção”, diz Alessandra Araújo, advogada do Paschoini Advogados e especialista em Direito Empresarial. “A dificuldade de detectar e punir essas condutas no mercado de dólar, dada sua alta liquidez e o volume de informações disponíveis, faz com que sejam casos raros e que exigem muita perícia técnica para evitar incorreções e injustiças processuais.”