A medida provisória, publicada em decreto nesta quarta (11) como uma das propostas do governo para aumentar a arrecadação, tem vigência de 120 dias e ainda precisa passar pelo Congresso. Se após este prazo, não tiver o aval do Congresso perderá a sua validade. Nos últimos anos, ideias para taxar dividendos ou extinguir o JCP foram discutidas, mas não avançaram. Agora, com a urgência de arrecadação e um ano eleitoral à frente, o cenário parece diferente.
Mas se a alíquota subir mesmo para 20%, quem perde mais: empresas ou investidores?
Antes de tudo, é preciso separar os conceitos. Dividendos são lucros distribuídos e isentos para o investidor, pois o imposto é pago pela empresa. Já o JCP é classificado como despesa financeira, o que permite dedução no IR da companhia, mas quem arca com o tributo é o acionista.
Justamente por esse benefício fiscal, muitas empresas priorizam o uso de JCP. E, mesmo com a alíquota maior, analistas acreditam que o instrumento continuará sendo usado com a taxa de 20%. Para Pedro Ávila, analista da Varos Research, no caso das empresas, não muda quase nada, já que o benefício fiscal prevalece. Mas o impacto recai todo sobre o investidor. Segundo ele, o valor distribuído ao acionista pode cair de 4% a 5% na média da Bolsa.
Ele exemplifica: uma empresa com lucro de R$ 100 mil distribui R$ 20 mil em JCP. O imposto incide sobre R$ 80 mil, gerando uma carga de R$ 28 mil. O lucro líquido fica em R$ 72 mil. Com imposto de 15%, o investidor recebia R$ 17 mil. Com 20%, passa a receber R$ 16 mil e a empresa segue lucrando os mesmos R$ 72 mil.
Empresas que usam muito JCPs podem perder atratividade diante dos investidores, com pressão sobre o preço das ações. Ainda assim, Ávila avalia que a maioria seguirá com a prática: “Não acredito que uma alta de 15% para 20% vai mudar muito o comportamento das companhias”, ressalta Ávila. Mas não descarta que algumas pensem em reinvestir no próprio negócio.
Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista, lembra que a diferença parece pequena, mas pesa no longo prazo. Um JCP de R$ 1 por ação antes entregava R$ 0,85 ao investidor. Agora, R$ 0,80. “Quando se tem mil, dez mil, cem mil ações, o impacto é relevante.” Para ele, a saída é buscar ações com bom preço e margem de segurança na hora da compra.
Oliveira aponta que empresas podem usar outras formas de retorno ao investidor, como aumentar dividendos, recomprar ações ou conceder bonificações e subscrições. Mesmo assim, o JCP ainda é a forma mais eficiente sob a ótica tributária – recompras, por exemplo, dependem do momento de mercado.
E isso significa o fim da estratégia de proventos? Para Marcos Duarte, analista-chefe da Descomplica Investimentos, não. “Quem recebe dividendos, que ainda são isentos, está bem posicionado. O impacto no curto prazo é real, mas não invalida a estratégia no médio e longo prazo”, observa.
Do lado das empresas, ele acredita que muitas já pensam em ajustes para manter a atratividade, seja via dividendos, recompras ou modelos híbridos. “Essas estratégias já estão no radar delas, sem dúvida.”
Oliveira concorda: a estratégia de dividendos segue viva, mas exige mais critério. “O único ajuste é comprar ações mais baratas e a Bolsa, atualmente, está cheia de oportunidades com desconto.”
Quem usa mais JCP na Bolsa?
Para entender o impacto do aumento da alíquota de IR sobre os juros sobre capital próprio (JCP) para quem investe com foco em renda, o E-Investidor solicitou à Elos Ayta Consultoria um levantamento com ações de setores preferidos por investidores de proventos, como bancos, elétricas, seguros, saneamento, telecomunicações, petróleo e gás, entre outros.
A consultoria listou 20 papéis com maior retorno via JCP na mediana dos últimos cinco anos, comparando as rentabilidades ao dividend yield (JCP + dividendos) total das ações. Também foi apresentada a participação dos JCP no total de proventos pagos.
Banco do Brasil (BBAS3), Cemig (CMIG4), Banco ABC (ABCB4), Copasa (CSMG3) e Sanepar (SAPR4) lideraram em retorno com JCP nos últimos cinco anos.
Já empresas como Banco ABC, Sanepar, Bradesco (BBDC3; BBDC4), Isa Energia (ISAE4), Ferbasa (FESA4) e Multiplan (MULT3) usaram o JCP para 100% dos proventos pagos na mediana do período, o que, segundo analistas, pode exigir ajustes nas políticas de remuneração para manter a atratividade com os investidores.
Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta, aponta que os JCP distribuídos por essas 20 ações somaram R$ 22,06 nos 12 meses até 9 de junho, com R$ 3,30 retidos na fonte (15%). Com alíquota de 20%, a retenção subiria para R$ 4,41 — R$ 1,10 a menos no bolso do investidor.
“A mudança deve afetar setores com uso intensivo de JCP, como financeiro e energia elétrica. Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Copel e Engie estão entre os maiores pagadores de JCP”, afirma. Para ele, além de revisão nas políticas de remuneração, a medida acende um alerta para novas tributações no contexto da reforma tributária.
Veja abaixo as ações mais impactadas pela alta da alíquota do JCP
Empresa |
Ação |
Setor |
Mediana de retorno com JCP em 5 anos |
Mediana de dividend yield (dividendos + JCP) em 5 anos |
Quanto o JCP representa do total de proventos pagos por ação na mediana de 5 anos? |
Banco do Brasil |
BBAS3 |
Bancos |
7,08% |
8,36% |
84,60% |
Cemig |
CMIG4 |
Energia elétrica |
6,88% |
10,51% |
54,30% |
ABC Brasil |
ABCB4 |
Bancos |
6,73% |
6,73% |
100,00% |
Copasa |
CSMG3 |
Saneamento |
6,04% |
10,22% |
77,20% |
Sanepar |
SAPR11 |
Saneamento |
5,7% |
5,7% |
100,00% |
Bradesco |
BBDC3 |
Bancos |
5,68% |
5,68% |
100,00% |
Banrisul |
BRSR6 |
Bancos |
5,42% |
6,18% |
91,30% |
Copel |
CPLE6 |
Energia elétrica |
5,21% |
8,82% |
37,80% |
Bradesco |
BBDC4 |
Bancos |
5,19% |
5,19% |
100,00% |
Copel |
CPLE3 |
Energia elétrica |
5,16% |
8,98% |
37,80% |
Itaú |
ITUB3 |
Bancos |
5,07% |
5,98% |
57,50% |
Santander |
SANB11 |
Bancos |
4,9% |
5,63% |
87,60% |
Isa Energia |
ISAE4 |
Energia elétrica |
4,56% |
8,73% |
100,00% |
Itaúsa |
ITSA4 |
Holdings |
4,45% |
5,59% |
66,30% |
Tim |
TIMS3 |
Telecomunicações |
4,44% |
6,48% |
70,50% |
Itaú |
ITUB4 |
Bancos |
4,4% |
5,14% |
57,50% |
Ferbasa |
FESA4 |
Siderurgia |
4,26% |
5,86% |
100,00% |
Vibra |
VBBR3 |
Exploração refino e distribuição |
4,07% |
8,21% |
71,70% |
Multiplan |
MULT3 |
Exploração de imóveis |
3,72% |
3,72% |
100,00% |
Porto Seguro |
PSSA3 |
Seguradoras |
3,71% |
5,33% |
72,30% |
Fonte: Elos Ayta Consultoria
Quem sente mais a pressão
Bancos
Tradicionalmente, os bancos são os maiores distribuidores de JCP, usando o instrumento para otimizar a carga fiscal. Por isso, devem ser os mais impactados pela nova alíquota. Para Milton Rabelo, analista da VG Research, é provável que instituições financeiras aumentem o uso de dividendos, bonificações ou recompra de ações, embora de forma marginal. Ele vê efeitos mais relevantes para Bradesco, Santander, além de bancos médios como BMG (BMGB4) e ABC Brasil.
Mesmo com os ajustes, o dividend yield segue atrativo: Bradesco deve pagar 8,5% nos próximos 12 meses; Santander, 6,5%; BMG, 9,5%; e Banco ABC, 8%, segundo Rabelo.
Para Oliveira, todos os bancos serão afetados pela mudança, especialmente Banrisul (BRSR6) e Banco do Brasil (BBAS3), mas isso não compromete o histórico robusto do setor de décadas. “Se comprou ação de banco ciente dos fundamentos, mantenha, mas se comprou seguindo alguma dica, reavalie as empresas e o custo psicológico de tê-las”, aconselha.
Entre os bancões, o dividend yield projetado por Oliveira é de 8,22% para Banco do Brasil, 7,82% para Bradesco, 5,94% no Santander e 6,92% no Itaú.
Elétricas
O setor elétrico também será afetado pela alta da alíquota do JCP, especialmente empresas como Isa Energia (ISAE4), que fazem uso intenso do instrumento. Para Jayme Simão, sócio-fundador do Hub do Investidor, migrar para dividendos ou recompras pode afetar o lucro líquido das empresas ou depender de fatores como alavancagem e precificação. “É possível contornar, mas com limitações”, afirma.
Ele considera que manter o mesmo nível de remuneração das elétricas pode ser desafiador.
Copel (CPLE6) e Isa Energia estão entre as mais impactadas, segundo Simão. Na Copel, o dividend yield pode cair de 6,2% para até 5,8%, mas os efeitos da privatização e nova política de dividendos são positivos. Já a Isa Energia deve ver o dividend yield recuar de 7% para 6,5%, com as mudanças tributárias.
Para Oliveira, dificilmente a Isa Energia tentará trocar o JCP por dividendos, porque sempre priorizou a eficiência tributária. Ele projeta dividend yield de 8,58%,
Por outro lado, empresas como Alupar (ALUP11), Cemig (CMIG4), Eletrobras (ELET6) e CPFL (CPFE3) devem manter remuneração sólida com uso equilibrado entre dividendos e recompra, aponta Duarte, da Descomplica. Ele recomenda compra para Copel, com dividend yield projetado entre 6,30% e 7,72% para os próximos 12 meses.
Para a Isa Energia, a indicação de Duarte é aguardar, com projeção de proventos entre 10,25% e 11%.
Outros setores perenes
Fora bancos e elétricas, a mudança no JCP afeta também outros setores. Em seguros, a mais impactada deve ser a Porto Seguro (PSSA3), já que BB Seguridade e Caixa Seguridade distribuem principalmente dividendos e, portanto, ficam livres de efeitos.
No saneamento, os efeitos recaem sobre Sanepar e Copasa. Em telecomunicações, empresas como Vivo, Tim e Unifique tendem a sofrer menos, com maior flexibilidade para migrar para dividendos, recompras ou bonificações.