Investimentos

Disparada de taxas do Tesouro IPCA+ para 6% surpreende o mercado

Títulos estão com retornos vistos como “divisor de águas”; entenda se há oportunidade e os riscos

Disparada de taxas do Tesouro IPCA+ para 6% surpreende o mercado
Marca de 6% de juro real ao ano para títulos do Tesouro Direto não pode ser considerada "trivial". (Foto: Luciano Luppa em Adobe Stock)
  • Desde o início da semana, a subida das taxas do Tesouro IPCA+ no Tesouro Direto vem gerando preocupação no mercado
  • Na última terça-feira (16), todos os títulos IPCA+ estavam oferecendo retornos reais de mais de 6% ao ano pela primeira vez em 2024. Na manhã desta quarta-feira (17), as taxas avançaram ainda mais na abertura da sessão e as negociações do IPCA+ e títulos prefixados chegaram a ser suspensas no Tesouro Direto
  • A marca de 6% de juro real ao ano não é considerada "trivial". Esse nível de rentabilidade geralmente é atingido quando há algum “estresse econômico”

Desde o início da semana, a alta das taxas do Tesouro IPCA+ no Tesouro Direto vem gerando preocupação no mercado. Esses títulos públicos são indexados à inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e também possuem uma rentabilidade prefixada. Ou seja, além de pagarem a variação da inflação no período entre a compra e a venda do título, também contam com um juro “real” acima do IPCA.

Na última terça-feira (16), todos os títulos IPCA+ estavam oferecendo retornos reais de mais de 6% ao ano pela primeira vez em 2024. Na manhã da quarta-feira (17), as taxas avançaram ainda mais na abertura da sessão e as negociações do IPCA+ e títulos prefixados chegaram a ser suspensas no Tesouro Direto. As compras e vendas foram normalizadas às 11h56, com os títulos oferecendo rendimentos menores do que na abertura – mas ainda acima de 6% de juro real ao ano.

Oportunidade rara no Tesouro Direto

A marca de 6% de juro real ao ano não pode ser considerada “trivial”. Esse nível de rentabilidade real é complexo de ser atingido até mesmo na renda variável e quando um títulos público oferece tal desempenho geralmente é sinal de algum “estresse econômico”. Isto porque quanto maior a desconfiança dos investidores em relação à capacidade do governo pagar suas obrigações financeiras no futuro, mais prêmio eles exigem para financiar a dívida pública. Tal a dinâmica impulsiona os rendimentos dos títulos para cima.

Um levantamento feito pela Quantum Finance, a pedido do E-Investidor, mostrou que os títulos IPCA+ com vencimentos mais longos, como os de 2055, atingiram esse pico de rentabilidade (6% ou mais de juro real) em menos de 14% das sessões em que foi negociado. Já os mais curtos, como para 2029, alcançaram esse retorno em menos 13% das sessões.

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Em média, nos últimos dez anos, os títulos IPCA+ passaram a oferecer retornos reais iguais ou superiores a 6% em apenas 24,3% das sessões – uma oportunidade rara, portanto.

Luis Stuhlberger, da Verde Asset, por exemplo, citou no final de março os “juros insanos” que estavam sendo pagos pelos títulos públicos de inflação. Especialmente por aqueles com vencimentos mais longos (para 2045 ou 2055). Na época, o retorno desses papéis estava pouco abaixo de 6% de retorno real ao ano. Hoje, já ultrapassaram essa medida.

“Qualquer conta de matemática elementar diz o seguinte: se o Brasil tiver até 2060 um juro desse tamanho, o País quebrou no caminho. Não dá para chegar num juro desse, é uma oportunidade imensa”, disse Stuhlberger, em evento da Hedge Investments.

Essa também é a visão de Rodrigo Caetano, analista da Toro Investimentos, e de Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research . “Os títulos IPCA + com taxas reais de 6% são uma ótima oportunidade de alocação para os investidores”, aponta Caetano. “Realmente são taxas muito altas”, ressalta Fontes.

Juro de crise

Para os especialistas consultados pelo E-Investidor, a explicação para essa precificação de juro real envolve uma mistura de riscos externos e internos. Lá fora, os EUA mantém desde julho do ano passado uma taxa de juros entre 5,25% e 5,5% ao ano, a maior em mais de duas décadas, e ainda sem previsão de cortes devido aos dados econômicos desfavoráveis.

A inflação americana continua acelerando além das estimativas, enquanto a atividade econômica segue sem sinais fortes de esfriamento, o que limita a atuação do Federal Reserve (Fed, banco central americano) no sentido de cortar juros. Com isso, os títulos do Tesouro Americano estão com rendimentos maiores, na esteira da perspectiva de juros mais altos no País – e essa conjuntura pesa também sobre as expectativas sobre os juros no mercado brasileiro.

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“Nem o nosso último resultado do IPCA em março, que veio abaixo das expectativas, ajudou a segurar a abertura da curva (aumento das expectativas para os juros futuros do Brasil)”, diz Albertoni.

Por outro lado, o cenário fiscal do Brasil contribui para a percepção de um risco maior por parte dos investidores e aumento das expectativas para os juros no futuro. No início da semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), confirmou uma mudança na meta estabelecida no arcabouço fiscal para o ano que vem. Agora, em vez de superávit (quando as receitas do governo são superiores às despesas) de 0,5%, o objetivo vai ser de déficit zero.

“O segundo fator que explica a alta dos rendimentos do Tesouro IPCA+ fica com a nossa questão fiscal, a nossa incapacidade de lidar com o problema fiscal e realizar os cortes de gastos que seriam necessários para a gente ter um equilíbrio e um superávit”, diz Marília Fontes, da Nord.

Rodrigo Caetano, analista da Toro Investimentos, e Simone Albertoni, especialista em renda fixa na Ágora Investimentos, também tem esse entendimento. “As questões fiscais no Brasil ainda apresentam efeitos negativos na precificação dos títulos, fazendo com que as taxas, principalmente as de longo prazo, permaneçam em níveis elevados”, afirma Caetano. “Olhando o histórico de taxas de juros reais no Brasil, retorno real de 6% é considerado pico de alta, um momento oportuno para investir”, reforça Albertoni.

Tesouro IPCA+ tem riscos

Se o investidor levar o título de inflação até o vencimento, não terá prejuízos com os títulos de inflação e será remunerado conforme os porcentuais acordados no momento da compra. Entretanto, caso venda antes do vencimento, o investidor pode ter perdas com esses papéis.

Os títulos IPCA+, assim como os prefixados, sofrem efeitos de “marcação a mercado”. Isto significa que o preço desses títulos varia diariamente, conforme regras de oferta e demanda no mercado secundário. Em termos gerais, quando a expectativa para a taxa Selic é de alta e  para o País, de juros maiores no futuro, os títulos IPCA+ já adquiridos desvalorizam. Quando a expectativa aponta para corte nos juros, esses papéis tendem a ser melhor precificados.

Pense que em 2022 você comprou um Tesouro IPCA+ com vencimento para 2030 e juros reais de 4% ao ano. Se levar até o vencimento, em 2030, terá o rendimento acordado: variação da inflação no período + 4% ao ano. Contudo, se decidir vender hoje, provavelmente teria perdas, já que os títulos atualmente estão sendo negociados com taxas superiores a 6% de juro real ao ano. Para que seu título com rentabilidade inferior à atual consiga ser negociado no mercado secundário, os interessados aplicam um deságio – confira mais detalhes aqui.

O contrário também acontece, quando o investidor quer vender um título de inflação que paga juros reais superiores aos oferecidos no momento – nesta situação, possivelmente, o papel seria vendido com valorização.

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Por isso, apesar de o juro real de 6% ao ano ser considerado uma grande oportunidade, os investidores devem lembrar que caso as taxas continuem subindo e seja necessário fazer a venda antes do vencimento, é possível que os papéis se desvalorizem. Para minimizar os riscos, a Ágora Investimentos recomenda a compra do Tesouro IPCA+ 2029, que possui o vencimento mais curto disponível.

“Reiteramos que a nossa sugestão é manter o título até o vencimento, sendo que se não for essa a estratégia de investimento, a alocação somente em Tesouro Selic deve ser analisada”, diz a Ágora, em relatório.

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