“A compressão observada (na rentabilidade) nos últimos dias parece, em grande parte, ser reflexo de um movimento de antecipação por parte dos investidores, que buscam se posicionar em ativos que continuarão isentos de Imposto de Renda (IR), caso a MP avance”, diz João Neves, analista da EQI Research.
O governo editou a Medida Provisória 1.303/2025 que propõe o fim da isenção de Imposto de Renda para rendimentos de investimentos a partir de 2026. Além das LCIs e LCAs, entram na lista os Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs, CRAs), fundos de investimento imobiliários (FIIs) e fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (Fiagros).
A ideia é aplicar uma alíquota única de 5% sobre esses ativos, numa medida que faz parte do pacote para compensar a arrecadação após o recuo no aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Tramitação no Congresso
O problema é que o texto precisa de validação da Câmara e os deputados têm se mostrado reticentes às investidas do Executivo em relação a aumento de impostos. Em 16 de junho, os parlamentares votaram pela urgência de um projeto que propõe a sustação do decreto do governo que elevou o IOF. “A aprovação, com ampla margem, é um sinal claro de que o Congresso está pouco receptivo às medidas propostas pelo governo”, avalia Neves. Isso gerou reação política, com campanhas nas redes rotulando o Congresso como “inimigo do povo” por defender isenções para os mais ricos.
Para Maria Luisa Paolantoni, analista da Nord Investimentos, o risco de o investidor se antecipar agora e tomar uma decisão equivocada é alto. Segundo ela, muitos clientes têm buscado orientação sobre se vale a pena trocar ativos de liquidez imediata por títulos de prazo mais longo, na tentativa de garantir o benefício fiscal agora. “Nossa recomendação é aguardar a tramitação da MP no Congresso antes de fazer qualquer movimento”, afirma. Segundo ela, antecipar o movimento pode significar travar numa rentabilidade ruim caso a proposta não avance.
Efeito manada
O alerta tem razão de ser. O mesmo vem acontecendo no mercado de CRIs e CRAs, em que os spreads (rendimento extra) também despencaram. Esse movimento pode ser observado pelo índice de debêntures de infraestrutura da JGP, que acompanha os títulos de crédito privado das maiores empresas.
No caso de LCIs e LCAs, que são produtos bancários, não existe um índice de referência, mas os analistas fazem o acompanhamento no dia a dia, observando as taxas praticadas por grandes corretoras e bancos.
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Esse efeito manada, que pressiona as taxas para baixo hoje, pode empurrá-las para cima, caso a MP não passe no Congresso. “Os investidores que entraram nesses títulos a taxas mais comprimidas, na expectativa da aprovação da MP, podem enfrentar perdas na marcação a mercado dos títulos, ou mesmo carregar os papéis com taxas inferiores às que poderiam ter, caso não tivessem se antecipado à aprovação da MP”, explica Neves da EQI.
Como tomar uma boa decisão
Na prática, os especialistas recomendam voltar ao básico. Ou seja, olhar para risco, prazo e rentabilidade líquida, isso vale tanto para papéis isentos como para os que têm imposto.
O ponto de partida, segundo Maria Luisa Paolantoni, é não aceitar uma remuneração inferior à do Tesouro Direto. Como o Tesouro representa o menor risco da renda fixa, qualquer aplicação em crédito bancário ou privado precisa oferecer um retorno maior para compensar o risco adicional.
Ela explica que, no caso dos títulos isentos, o investidor deve fazer o cálculo de gross up (ajuste bruto), que consiste em transformar a taxa líquida em uma taxa equivalente a um título tributável. Só assim é possível comparar de forma justa e avaliar se, mesmo com o benefício fiscal, aquele papel realmente oferece uma boa relação entre risco e retorno.
Hoje, com a tabela regressiva do Imposto de Renda, quem mantém o dinheiro investido por até dois anos paga 17,5% de IR, o que faz com que muitos papéis isentos ainda sejam vantajosos.
Por exemplo, uma LCI que paga 86% do CDI – rentabilidade bastante comum nas plataformas – é equivalente a um CDB que rende 104,2% do CDI. Fazendo o cálculo do gross up, que compara taxa isenta com tributável, esse é o resultado de 86 dividido por 0,825, para a alíquota de 17,5% de IR válida para prazos entre um e dois anos.
Se a proposta do governo for aprovada, a tabela regressiva será extinta e dará lugar a uma cobrança única de 17,5% para toda a renda fixa. Os papéis hoje isentos, pagariam apenas 5%. Nesse cenário, no entanto, a vantagem relativa das LCIs e LCAs que paga 86% do CDI desapareceria quase por completo, pois os 104,2% do CDI teriam incidência de 5% de IR, tornando esses produtos menos competitivos em relação a CDBs e Tesouro Direto.
Mesmo com menor potencial, as LCI e LCAs permanecerão na vantagem, com a possível nova alíquota de 5%, comenta Paolantoni. “Elas vão permanecer produtos incentivados, ainda com potencial de ser interessante para o investidor.”
Vale a pena LCI LCA de banco médio?
Uma forma de potencializar a remuneração é investir em papéis de bancos médios, que costumam oferecer taxas mais altas em LCIs e LCAs. A estratégia faz sentido, desde que esteja alinhada ao perfil de risco do investidor e seja adotada com critério. Embora esses ativos contem com a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), é fundamental respeitar os limites por CPF e por instituição de R$ 250 mil. Ainda assim, tratá-los como livres de risco é um erro.
Títulos com liquidez antes do vencimento estão sujeitos à marcação a mercado, o que pode gerar perdas em caso de alta dos juros. Além disso, é essencial avaliar a saúde financeira do emissor. “Apesar do FGC, eventos de estresse no sistema financeiro podem gerar dificuldades operacionais, como atrasos nos pagamentos, congelamento temporário dos recursos ou até custos operacionais no processo de ressarcimento”, diz João Neves, da EQI Research.