- Mesmo com a bolsa do país estando em baixa desde o início do ano, as atenções globais se voltaram para a China depois da declaração de um possível calote da incorporadora imobiliária Evergrande
- Depois da incorporadora, mais empresas do ramo também ameaçaram dar calotes nos pagamentos
- Apesar da crise momentânea, analistas de mercado acreditam que o país conseguirá contornar a situação
(Gustavo Lustosa, especial para o E-Investidor) – O mercado chinês tem sido alvo de muita especulação e atenção nas últimas semanas. As atenções globais se voltaram para a China depois da declaração de um possível calote da incorporadora imobiliária Evergrande, que ameaça não pagar mais de US $ 300 bilhões em dívidas, causando um risco no mercado interno e global.
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Nesta terça-feira (19), a endividada incorporadora chinesa pagou um cupom de bônus de dívida doméstica (onshore) no valor de US$ 19 milhões. Em reação, os investidores reagiram de forma positiva, com menos preocupação sobre o não pagamento dos débitos com os credores externos (offshore). Vale ressaltar que um título da Evergrande com vencimento em 23 de março de 2022 ficará oficialmente inadimplente se a empresa não pagar após um período de carência de 30 dias decorrente do não pagamento de um cupom vencido em 23 de setembro.
Apesar do momento de tensão, analistas de mercado acreditam que o país conseguirá contornar a situação. Para Nicolas Farto, especialista em renda variável da Renova Invest, o ocorrido acende um alerta vermelho, mas é pouco provável que o governo não socorra essas empresas nas dívidas onshore. “No offshore talvez tenha um pouco mais de problema, mas é muito diferente da crise de 2008. Acho menos provável ter uma contaminação sistêmica agora, a tendência é ficar mais localizada. O governo tem reservas e pode intervir, até para não prejudicar os planos do país para o futuro”, comenta o especialista.
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Porém, além da questão da Evergrande e do setor imobiliário, outros fatores também estão fazendo a bolsa chinesa ter um desempenho inferior se comparada às outras bolsas globais e ao seu próprio desempenho em 2020. Em relatório, a XP cita alguns desses fatores. Segundo a corretora, entre as questões que estão impactando o mercado na China e pressionando os preços dos ativos, destaca-se a polêmica em torno das políticas restritivas do governo em relação às empresas de educação e tecnologia.
O governo impediu alguns IPOs e anunciou uma série de investigações antitruste. Além disso, implementou medidas que visam aumentar o domínio sobre as empresas de tecnologia, colocando maiores controles na aprovação de novos jogos online, por exemplo, além de restringir horários que os jovens podem jogar esses jogos.
Para George Wachsmann, CIO da Vitreo, é preciso um pouco de “cuidado para analisar o país asiático com nossos olhos ocidentais”, observando a dinâmica do Partido Comunista Chinês e como ele tem moldado essas intervenções. “A China tem um programa para aumentar a renda per capita do país e melhorar a qualidade de vida. Nos últimos 30 anos, já tiraram milhões de pessoas da pobreza”, afirma Wachsmann. “Com essa melhora e o ‘boom’ da globalização chinesa no começo do século, subiram os preços das commodities e houve uma migração do campo para a cidade. Com isso, começam a criar os ajustes”.
Para ele, com a aparição dos bilionários chineses e das super empresas tech, essas regulamentações farão com que o governo chegue no modelo de capitalismo de Estado. Nicolas Farto, da Renova Invest, acredita que nem toda intervenção tem sucesso no país, citando o caso dos mineradores de criptomoedas. Ao colocar restrições o que ocorreu, na prática, foi uma migração desses profissionais para outros países.
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Outro fator que também tem impactado o mercado é a política de “zero-covid”. A China é um dos países no mundo que ainda conta com medidas restritivas mais agressivas, com o objetivo de diminuir ao máximo os casos da doença.
Por fim, a recente crise energética no país também anuncia novos riscos no curto prazo, apesar de a China já estar tomando providências para contornar essa crise, que também afeta outros países no mundo, como o Brasil.
Além da questão de energia, a oscilação no preço do minério de ferro também tem contribuído para a volatilidade do mercado. Depois de uma série de baixas, o preço do minério voltou a subir para os níveis de US $130 por tonelada.
É momento de investir na China?
Farto, da Renova Invest, acredita que apesar das oscilações e da mudança de perspectivas para o país que o mercado tinha entre 2018 e 2019, as oportunidades ainda são grandes, e tudo depende do risco e do retorno. “O prêmio de risco agora tem que ser mais alto. Dado um desconto razoável para esse risco, pode fazer sentido ter um papel relacionado com essa economia. Tudo depende da percepção de risco do investidor, mas não dá pra fechar os olhos e achar que nada funcionará lá” afirma o especialista.
Para Jennie Li, estrategista de ações da XP, a tese de investimento da China é de longo prazo. “Temos ainda essas incertezas quanto às regulações que o governo Chinês ainda irá aplicar sobre alguns setores como tecnologia e educação. No curto prazo, continuaremos a ter incertezas nos próximos meses e talvez até no próximo ano”, diz Li.
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Apesar disso, ela ressalta que a situação atual é momentânea e que o gigante asiático deve crescer muito nos próximos anos. “Não estamos falando de crescimento negativo ou estagnação, apenas de uma diminuição do ritmo”, afirma. “Provavelmente não veremos um crescimento de dígitos duplos, igual vimos antes. Mas ainda assim, um desenvolvimento muito forte”.
Para George Wachsmann, da Vitreo, a recomendação é não abandonar os investimentos no país agora. “Para quem já está investido, vale a pena esperar. Os preços estão deprimidos demais, e existe um movimento de recuperação daqui para a frente, pois o governo precisa desses setores. O setor de tecnologia, principalmente, é importante para esse processo de transformação da sociedade e da economia”, afirma o CIO.
Em linha com a visão dos analistas, o Fundo Monetário Internacional divulgou na terça-feira (12) suas projeções de crescimento para os países, por meio do relatório “Perspectiva Econômica Mundial”. A expectativa do FMI é que a China cresça 8,0% em 2021 e 5,6% em 2022.
Apesar da tese de investimentos da XP ser de longo prazo, Jennie Li ressalta que aportar em empresas que estão fora do radar das regulações governamentais pode ser uma boa estratégia de investimento. Ela comenta que companhias relacionadas ao bem-estar das famílias chinesas podem ser uma opção. “O governo está com políticas para aumentar um pouco a natalidade, para que a economia continue crescendo, diminuindo o custo das famílias. Alguns setores, como o de vestuário esportivo, subiram muito nos últimos meses. Esse é um segmento que não deve ser alvo do governo em termos de regulação”, afirma a estrategista.
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