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Os mercados financeiros não estão sincronizados com a economia. Algo deve acontecer

As cicatrizes da crise financeira de 2007-2009 vêm sendo reabertas

Os mercados financeiros não estão sincronizados com a economia. Algo deve acontecer
Bolsa de valores de Nova York. (Foto: Mark Lennihan/AP)
  • Uma venda devastadora de ações foi acompanhada de uma delirante alta no preço dos papéis nos Estados Unidos
  • Entre 19 de fevereiro e 23 de março, o Índice S&P 500 perdeu um terço do seu valor
  • O fator catalisador foi a notícia de que o Federal Reserve (Fed) compraria títulos corporativos para ajudar as grandes empresas com dívidas

(The Economist/Tradução de Terezinha Martino) – A história do mercado de ações está repleta de dramas: o colapso de 1929; a segunda-feira negra em 1987, quando os preços das ações caíram 20% em um dia; a febre das empresas ponto.com em 1999.

Com tais precedentes nada deveria surpreender, mas as últimas oito semanas foram incomuns. Uma venda devastadora de ações foi acompanhada de uma delirante alta no preço dos papéis nos Estados Unidos.

Entre 19 de fevereiro e 23 de março, o Índice S&P 500 perdeu um terço do seu valor. Houve uma pequena pausa e desde então ele disparou recuperando mais da metade das suas perdas. O fator catalisador foi a notícia de que o Federal Reserve (Fed) compraria títulos corporativos para ajudar as grandes empresas com dívidas. Sem pestanejar, os investidores mudam do pânico para o otimismo.

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A visão animadora de Wall Street deveria deixá-lo inquieto, pois contrasta com todos as demais em outros lugares. As bolsas na Grã-Bretanha e na Europa continental, por exemplo, se recuperam bem mais lentamente. E este é um mundo distante da vida no universo das pequenas empresas.

Mesmo com a flexibilização do lockdown nos EUA, o impacto sobre o emprego tem sido bárbaro, com a taxa de desempregados subindo de 4% para 16%, a mais alta deste 1948. Enquanto as ações das grandes companhias disparam e elas obtêm ajuda do Fed, as pequenas empresas vêm lutando para conseguir algum dinheiro do Tio Sam.

As cicatrizes da crise financeira de 2007-2009 vêm sendo reabertas. “Esta é a segunda vez que prestamos socorro para elas se recomporem”, resmungou Joe Biden, candidato Democrata à presidência, no mês de abril. A batalha sobre quem pagará pelo ônus fiscal da pandemia só está começando. Na atual trajetória, é provável uma forte reação contra as grandes empresas.

Comecemos falando dos eventos nas bolsas. Grande parte do ânimo tem a ver com o Fed, que agiu mais radicalmente do que outros bancos centrais, comprando ativos numa escala inimaginável, e se comprometeu a comprar ainda mais dívida corporativa, incluindo títulos de alto risco com alto rendimento. O mercado para novas emissões de títulos corporativos, que ficou congelado em fevereiro, reabriu de modo espetacular. As empresas emitiram US$ 560 bilhões de títulos nas seis últimas semanas, o dobro do nível normal. Até companhias que operam com navios de cruzeiro conseguiram levantar recursos, embora a um alto preço. Uma torrente de pedidos de recuperação judicial em meio às grandes empresas é prevista. O banco central, na verdade, respaldou o fluxo de caixa da America Inc. O mercado de ações entendeu o recado e disparou.

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O Federal Reserve tem poucas opções – uma corrida ao mercado de títulos corporativos só vai piorar uma recessão que já é profunda. Os investidores se precipitaram para comprar ações. Os rendimentos dos títulos públicos são pouco positivos nos Estados Unidos, estão negativos no Japão e em grande parte da Europa. Com certeza é perder dinheiro mantê-los até o vencimento, e se a inflação subir as perdas serão dolorosas. Assim, as ações se tornam mais atrativas. No final de março, seus preços caíram o bastante para os investidores arriscarem. E eles se sentiram encorajados com a observação de que grande parte do valor das ações está ligado aos lucros que serão contabilizados muito tempo depois da crise da covid-19 dar lugar à recuperação.

Mas o que é revelador é que essa alta recente dos preços das ações tem sido desigual. Mesmo antes da pandemia o mercado estava desequilibrado e isto se intensificou depois. As bolsas na Grã-Bretanha e na Europa Continental, com tantos setores perturbados como o automotivo, o bancário e de energia, ficaram para trás e surgem novas inquietações com relação ao euro. Nos Estados Unidos os investidores colocaram mais fé no pequeno grupo de empresas queridinhas do setor de tecnologia, Alphabet, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft, que agora representam um quinto do índice S&P. Mas há uma menor euforia com relação a um punhado de empresas que costumam sobreviver a qualquer condição climática.

Num aspecto isto faz sentido. Os gestores de ativos têm de injetar o dinheiro para render do melhor modo que puderem. Mas há algo errado com a rapidez com que os preços das ações mudam e para onde vão. As ações americanas estão mais caras do que estavam em agosto. Isto significaria que o comércio e a economia de modo mais amplo retornaram às atividades normais. Há incontáveis ameaças a tal perspectiva, mas três se destacam.

A primeira é o risco de novos tremores. É totalmente possível que ocorra uma segunda onda de infecções. E também são reais as consequências de uma profunda recessão para sustentar o PIB (Produto Interno Bruto) americano que deve registrar uma queda de 10% no segundo trimestre em comparação com o ano anterior. Muitos patrões esperam que cortes de gastos impiedosos protegerão suas margens e ajudarão a saldar as dívidas acumuladas na fase inativa. Mas no geral essa austeridade corporativa irá debilitar a demanda. O resultado provável é que 90% da economia estará funcionando bem abaixo dos níveis normais.

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Um segundo risco é a fraude. Booms extensos tendem a encorajar o comportamento enganoso e a expansão antes da covid-19 era a mais longa já registrada. Anos de dinheiro barato e manobras financeiras sugerem que as malandragens contábeis podem agora ficar expostas. Já surgiram dois escândalos notórios na Ásia nas últimas semanas, envolvendo a Luckin Coffee, uma candidata a Starbucks chinesa, e Hin Leong, negociante do setor de energia de Cingapura que vinha ocultando prejuízos gigantescos. Uma grande fraude ou colapso corporativo nos Estados Unidos poderá abalar a confiança dos mercados como ocorreu quando o desaparecimento da Enron acabou com os nervos dos investidores em 2001 e a falência do Lehman Brothers derrubou o mercado em 2008.

O risco mais ignorado é o de uma forte reação política. A recessão afetará pequenas empresas e deixará as grandes companhias sobreviventes numa posição mais forte, aumentando a concentração de alguns setores que já eram um problema antes da pandemia. A crise exige sacrifício e deixará uma fatura salgada. O clamor por reembolsos só aumentará se o grande negócio receber mais do que sua parte dos subsídios oferecidos. É fácil imaginar que serão criados impostos inesperados sobre os setores socorridos, ou uma forte reversão da alíquota de imposto das empresas, que caiu de uma média de mais de 30%, que prevalecia há muito tempo, para 21% com a reforma tributária aprovada pelo presidente Donald Trump. Alguns democratas querem limitar as fusões e impedir que as empresas retornem dinheiro para seus proprietários.

No momento, os investidores das bolsas julgam que o Fed está preparado para os ajudar. Mas o ânimo dos mercados pode mudar repentinamente, como alguns meses extraordinários vêm mostrando. Um mercado com tendência de queda durante um mês não foi, ao que parece, um tempo suficiente para absorver todas as possíveis más notícias da pandemia e a enorme incerteza que ela criou. O drama das bolsas ainda tem alguns episódios mais pela frente.

© 2020 The Economist Newspaper Limited. Direitos reservados. Publicado sob licença. O texto original em inglês está em www.economist.com

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