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- O CIO e Head of Wealth Management do banco suíço Vontobel, Dan Scott, fala sobre os desafios da inflação, setor energético, ESG, diversificação global e gestão de riscos como pontos de atenção em 2022
- Segundo Scott, se existe uma Economia que sabe lidar com a inflação, é a brasileira. Mas isso tem consequências, já que o país ainda não incluiu o mercado de ações completamente como outras classes
- O executivo diz também que as ações brasileiras estão muito descontadas, em função à política e a perceptível necessidade de reformas
A inflação no Brasil e no exterior em nível recorde chama atenção para uma lição importante na hora de investir: diversificação dos investimentos. Nesse cenário, os brasileiros têm buscado mais alocação internacional, assim como os investidores externos estudam oportunidades no mercado financeiro local.
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Em dezembro de 2021, o patrimônio líquido de fundos de investimento no exterior era de R$ 834,9 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) – cerca de 12% do total da indústria de fundos no País. Na outra direção, o volume total da participação dos investidores estrangeiros registrou um volume de R$ 687 bilhões, em janeiro, na B3. O valor representa 53% do volume total, segundo a Bolsa.
O banco suíço Vontobel, que integra a Vontobel Holding AG (SWX: VONN), empresa listada na SIX Swiss Exchange, iniciou parceria com a corretora brasileira Nova Futura Investimentos em outubro do ano passado. Por meio da colaboração, investidores brasileiros podem acessar portfólios da instituição global, assim como investidores internacionais podem alocar em ativos brasileiros.
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Fundado em 1924, o banco possui US$ 300 bilhões sob gestão e atua sobretudo como gestora de fundos (asset management) e de patrimônio (wealth management).
Em passagem pelo Brasil, o CIO do Vontobel Dan Scott conversou com o E-Investidor sobre as perspectivas de exposição ao mercado brasileiro e aos mercados emergentes. O desafio do controle da inflação e o impacto de investimentos sustentáveis também foram destacados por ele.
Scott tem passagem pelo Credit Suisse, onde trabalhou como vice-chefe de pesquisa do mercado de ações, além de ter atuado como jornalista na Dow Jones & Co, no Wall Street Journal, Barron’s e DJ Newswires e na CNBC.
E-Investidor – Qual é o maior desafio dos mercados hoje?
Dan Scott – Para todos nós, o mercado financeiro como um todo cresceu nos últimos anos porque os bancos centrais pelo mundo estavam inflando os mercados com liquidez. Nos mercados emergentes, como Brasil e Rússia, as taxas de juros subiram antes e agora estamos acompanhando diretamente sobre os juros do Federal Reserve (Fed), nos EUA.
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No Brasil, já é possível projetar um freio, mas acredito que todos os bancos centrais estão enfrentando o mesmo problema: como administrar com a inflação.
O tipo de inflação no Brasil é diferente porque é movido pelo preço de commodities e alimentos, principalmente. Por ser uma economia mais dependente das commodities, os preços subiram rapidamente.
É possível fazer boas escolhas em um cenário volátil e com instabilidade?
Scott – É importante para todos os que estão tentando proteger e aumentar o patrimônio, diversificar os ativos. Especialmente agora, com a incerteza das condições financeiras que pode gerar o retorno da volatilidade, fazendo com que o preço das ações fique mais estressado, por exemplo.
Em um ambiente onde o dinheiro está livre, já que não existem mais taxas livres de risco em ativos do Tesouro e outros instrumentos de renda fixa, por exemplo, existe uma nova precificação dos ativos como as chamadas meme stocks, como Beyond Meat, Oatly, Peloton. Esse tipo de companhia não é rentável e ninguém sabe para onde elas vão no longo prazo. Isso tudo causa muita volatilidade e nos faz relembrar que existe uma boa razão para o multimercado, que atua exatamente para administrar a volatilidade enquanto expõe ao mercado em busca de ultrapassar benchmarks.
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Esse momento atual é uma oportunidade, principalmente para investidores brasileiros. Tradicionalmente, os investidores brasileiros são muito mais enviesados a investir localmente. Quase que a integralidade dos ativos são expostos apenas a moeda local, seja renda fixa ou variável. É importante o investidor ter clara a lição da importância da diversificação global.
Essa característica do brasileiro investir mais no mercado doméstico é comum em outros países?
Scott – Todos os investidores têm um viés doméstico (home bias) na hora de investir, mas em diferentes graus. No Brasil, isso é mais extremo, também por motivos regulatórios. Normalmente, deveria ser mais fácil acessar mercados estrangeiros.
Para gestores de patrimônio no Brasil, eu aconselho que tenham certeza que os portfólios dos clientes estão diversificados globalmente. Mesmo se a taxa de juros subir agora nos EUA, as taxas de juros reais ainda vão estar negativas nos mercados desenvolvidos, mas levemente positivas nos emergentes.
Outro ponto, é sobre a dependência de outras classes de ativos. O Brasil tem uma longa história de habilidade para lidar com a inflação. Acredito que se existe uma Economia que sabe lidar com a inflação, é a brasileira. Não existe outro banco central no mundo que tenha mais experiência com regimes de alta inflação do que o brasileiro.
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Claro, isso tem consequências. O cenário para investidores brasileiros é mais direcionado para a renda fixa, como é visto historicamente. O brasileiro ainda não incluiu o mercado de ações completamente como outras classes. É necessário repensar a estratégia de alocação de ativos e quanto de exposição eles estão dispostos a ter em ações, em commodities, em alternativos e em renda fixa.
Então a inflação é o maior desafio para os gestores neste ano?
Scott – A inflação é um dos pontos mais importantes para a gestão de ativos em 2022. O que é importante ter em mente é que, se esta conversa fosse há 12 meses, falaríamos que o Fed claramente iria elevar os juros em 2024 e em 2023 aconteceria o tapering [corte de estímulos]. Isso não é o caso.
Estamos esperando quatro ou cinco altas ainda neste ano. Claramente, a inflação está muito mais pegajosa do que imaginávamos há 12 meses. Vendo esse cenário, diria que inflação é uma coisa boa, contanto que mantenha-se modesta.
A habilidade dos bancos centrais de dar um passo à frente do espiral de crescimento é importante, e essa é a razão para o Fed ser tão hawkish como está agora. Para ter certeza que a inflação não se espalha para fora do controle.
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E como os bancos centrais podem puxar as rédeas para não fugir do controle?
Scott – Existem algumas áreas que o banco central pode controlar, mas outras não. Aumentando os juros e tornando as condições econômicas mais apertadas é uma forma de esfriar o crescimento junto com a desaceleração causada pela inflação. O que não pode ser controlado é a inflação vinda do setor energético.
O que está acontecendo com esse segmento nada tem a ver com o mercado financeiro, mas se relaciona com baixas ofertas e alta demanda estrutural, não necessariamente por aumento da atividade econômica ou aumento do PIB.
Nesse cenário, vemos a transição de energia advinda do carbono para fontes renováveis como um grande orientador para diminuição da inflação causada consequente do mercado energético.
Na Europa, a maioria dos países fecharam fontes a carvão, assim como a capacidade nuclear, portanto estão muito dependentes de fontes de energia à gás, porque eólica e solar são intermitentes. Se o vento não sopra e o sol não brilha, precisamos de energia de outras fontes. O problema com gás é que não temos armazenamento.
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Dessa forma, o gás define o custo marginal do preço de produção. Por conta disso, vemos muita volatilidade nesse mercado. Ao mesmo tempo, empresas do setor elétrico estão investindo em exploração de energia de óleo, porque elas sabem que vai ser difícil vender esse tipo de energia no futuro.
Quando estamos investindo nessa transição energética, nos leva a pensar sobre sobre outros temas, como o preço do cobre, que é necessário para fabricar cabos para fios de supercarregadores que venham a surgir para carros elétricos, por exemplo. Cobre também vai para painéis solares e pás eólicas, mas isso são áreas onde o Fed e os bancos centrais não podem controlar.
Esse tipo de inflação vai continuar presente. Exatamente por esse motivo, temos posições mais pesadas em commodities, acreditamos que energia e metais da indústria devem sustentar os preços.
Se o meio ambiente também influencia a inflação, qual a relevância do ESG na hora de montar uma carteira?
Scott – O ESG é um grande tema movido por duas forças. Primeiramente, os clientes procuram por esse tipo de produto. Em segundo lugar, acontece um impulso regulatório de governos afirmando que investimentos precisam estar alinhados com critérios ESG, como os padrões do Acordo de Paris, que foca em evitar o aumento de 1,5°C com o aquecimento global. Esses são pontos que gestores de ativos devem atentar.
A parte “E” é bem direta. Falamos sobre evitar as emissões de carbono e, assim, podemos direcionar nosso portfólio nessa direção. O que precisa de mais desenvolvimento é o fator “S”. Os dados ainda não estão complementados evoluídos para mensurar. Não é tão fácil fazer o download de série de dados no critério social. Por exemplo, para checar o acesso à educação, assistência médica para pessoas menos favorecidas da comunidade.
Para que isso aconteça, você precisa se engajar com as companhias e ter estratégias eficazes e alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (UN SDG, na sigla em inglês), focado em questões como trabalho escravo e cadeia de abastecimento para diminuição de desigualdades.
Tudo isso vai muito além da diversidade, que é tópico que vem sendo discutido com maior peso nos últimos anos. No meio tempo, queremos e precisamos agir muito mais além.
Como está o Brasil na evolução de um mercado ESG, se comparado a outros países?
Scott – ESG é muito importante nos sentidos de demanda e regulamentação. Nos países desenvolvidos, isso começou primeiro porque temos uma escala maior e começamos em um estágio inicial. Mas, acredito que, principalmente para países exportadores de commodities, como é o caso do Brasil, é muito importante porque não é possível ter uma economia ESG sem ter commodities alinhadas ao tripé.
Dessa forma, os critérios precisam ser bem definidos para empresas exportadoras, como a Vale, alinharem. Como comentei, os moinhos de vento e os painéis solares não funcionam se não houver materiais básicos. Por isso, se temos uma infraestrutura de fontes renováveis, todos os componentes precisam seguir os critérios ESG.
Investidores devem se preocupar com o mercado de ações em 2022?
Scott – Não acredito que deva ser uma preocupação, mas é algo que deve ser monitorado de perto. Tem muito estresse no mercado por conta do aperto das condições econômicas. Entretanto, as taxas de juros ainda estão baixas sob uma perspectiva histórica.
Para simplificar, estamos olhando para taxas econômicas de crescimento. Em 2022, para a maior parte das economias, esses números estão mais altos do que estive nos últimos dez anos anteriores ao covid-19.
Na economia norte-americana, é projetado um crescimento de 4% este ano, o que é considerado uma ampliação forte. Claro, isso vai vir com um grau de inflação, mas essa taxa é saudável e mostra exatamente o crescimento. Não acredito que a inflação vai sair do controle.
Outro ponto é que ainda estamos no ciclo de recuperação econômica, não há recessão à vista. O ciclo de subida da taxa ainda nem começou, estamos aguardando as decisões. Nos últimos 15 ciclos de alta, as ações sempre tiveram bom desempenho nos anos iniciais de cada ciclo porque, avaliando em que momento do ciclo esteja, ainda há muito espaço para crescimento. Em algum momento pode desacelerar, mas a renda variável vai ser o melhor ativo a performar no ciclo como um todo até se os investidores não esperarem o mesmo tipo de retorno do ano anterior.
Os últimos três anos performaram acima da média. Esse ano, podemos esperar um retorno anual de 10%.
A economia e a política brasileira podem ser um pouco turbulentas para quem observa de fora. Como o Vontobel consegue acompanhar as possíveis interferências para gerenciar os ativos driblando a volatilidade?
Scott – Em geral, geopolítica é algo que precisamos monitorar como gestores de multimercado porque reflete diretamente em valuations. Quando investidores de renda variável estão aplicando em companhias com fluxos de caixa descontados, quase sempre existe uma área desse modelo em que o risco do país é descontado no valor da empresa.
Uma empresa de tecnologia no mesmo segmento de nuvem, por exemplo, localizada na Rússia vai ter um desconto maior só por ser baseada na Rússia, se comparada com uma similar dos EUA. Isso acontece por conta da geopolítica e acaba influenciando o valuation.
Olhando para o momento atual, a maior parte dos ativos russos estão descontados porque muitas pessoas estão preocupadas com a geopolítica e possíveis sanções ao país.
Como investidor de multimercado, se estou vendo a política influenciar o valor da empresa, preciso fazer questionamentos para tomar decisões: é vantajoso tomar esse risco? Posso prover diversificação global para o portfólio dos meus investidores que possam evitar as perdas em áreas turbulentas? Se sim, eu tomo o risco. Se não, não é interessante tomar riscos adicionais.
As decisões vão ser sempre da perspectiva do investidor sobre as maiores possibilidades de ganho com menores chances de risco.
Quando olho diretamente para o Brasil, a política é claramente um fator. Eu diria que as valuations das companhias brasileiras refletem isso. O Brasil está barato, o real está barato. As ações brasileiras estão muito descontadas, atribuo a maior parte disso à política e a perceptível necessidade de reformas.
A maior valorização dos ativos brasileiros é se investidores internacionais, como nós, acreditam que existe progresso sendo feito com reformas estruturais. Dessa forma, teria muita valorização, já que a base motora da economia brasileira é boa. Se a economia global vai bem, o Brasil exporta commodities e importa dólares, além disso, tem um mercado de capitais desenvolvido.
O Brasil tem todos os blocos de construção para o sucesso, mas não sou o primeiro a dizer isso. Desde os anos 1950, as pessoas falam sobre o potencial do Brasil ser a grande esperança de sucesso econômico.
Então podemos dizer que o atual risco-Brasil é, na verdade, uma oportunidade?
Scott – Com certeza. Oportunidade e risco andam de mãos dadas. Investir em multimercado é sobre fazer um orçamento de risco. Vemos oportunidades e queremos tomar riscos calculados. Onde vemos oportunidades, é porque sabemos como avaliar. Atualmente, estamos dando maior peso a ativos de renda fixa nos mercados emergentes porque avaliamos que o prêmio de risco é melhor com as dívidas do que com ações. Mercados emergentes são grandes convicções para nós, como gestores de multimercado.
*Colaborou Isaac de Oliveira