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Renda fixa para aposentadoria cai até 30% no ano. O que está acontecendo?

Desvalorização dos títulos do Tesouro chega a ser 4 vezes maior que a da Bolsa em 2024; especialistas dizem o que fazer

Renda fixa para aposentadoria cai até 30% no ano. O que está acontecendo?
Tesouro RendA+ afundam em 2024 (Fonte: Shutterstock)
  • São títulos do Tesouro Direto, emitidos pelo Governo Federal e considerados os ativos de renda fixa mais seguros do País, mas estão caindo quatro vezes mais do que o Ibovespa no ano
  • Os papéis do Tesouro RendA+, focados em geração de renda para aposentadoria, registram desvalorizações entre 9,2% e 30,6% em 2024
  • A performance desta categoria de título é a pior de toda a prateleira do Tesouro Direto

São títulos do Tesouro Direto, emitidos pelo governo federal e considerados os ativos de renda fixa mais seguros do País, mas estão caindo quatro vezes mais do que o Ibovespa no ano. Os papéis do Tesouro RendA+, focados em geração de renda para aposentadoria, registram desvalorizações entre 9,2% e 30,6% em 2024.

Para quem não conhece, esse título funciona em duas etapas, uma de acumulação e outra de distribuição. Na primeira fase, que pode durar de 5 a 40 anos, a depender da data de vencimento do ativo, o investidor aplica dinheiro periodicamente para formar uma reserva. Esse montante é remunerado pela variação da inflação mais uma taxa prefixada, que hoje está nas máximas, de 6,45% a 6,49%. Depois de um período de 20 anos, esse investidor receberá uma renda derivada dessa reserva, também corrigida pela inflação, na fase de distribuição.

A performance desta categoria de título é a pior de toda a prateleira do Tesouro Direto, formada por outras quatro opções: Tesouro Selic ou “pós-fixado”, que remunera a variação dos juros; Tesouro Prefixado, que paga uma taxa “fixa” ao ano; Tesouro IPCA+, que paga a variação da inflação mais uma taxa “fixa” anual acima dessa inflação, chamada de “juro real”; e o Tesouro EducA+; para geração de renda direcionada à educação e que também paga a variação da inflação mais uma taxa prefixada anual.

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Entre as cinco opções de títulos disponibilizadas pelo Tesouro Direto, apenas o Tesouro Selic não sofre com os efeitos da “marcação a mercado” – um mecanismo de atualização diária dos preços dos ativos de renda fixa, com base em critérios de oferta e demanda no mercado secundário. Por meio dessa ferramenta, o investidor fica sabendo quanto ganharia caso vendesse um título prefixado (taxa fixa ao ano) ou híbrido (IPCA+, EducA+ e RendA+) antes da data de vencimento estabelecida no papel.

No caso do RendA+ com vencimento mais longo, para 2084, por exemplo, o deságio atual para um resgate antecipado é de quase 30,6%. Os títulos IPCA+ e EducA+ mais longos, com vencimentos para 2045, também apresentam, ainda que muito menores, desvalorizações no acumulado do ano. Entre o início de janeiro e a última terça-feira (2), as quedas eram de 14,3% e 12,5%, respectivamente.

Contudo, o investidor não precisa se desesperar, já que se se o título for levado até a data acordada, não haverá perdas. “O ponto mais importante dessa análise é que o investidor só corre o risco de perder dinheiro se resgatar a aplicação em momentos de volatilidade, como agora. Mantendo o título até o vencimento, a taxa que contratou estará garantida”, ressalta Marlon Glaciano, planejador financeiro e especialista em finanças.

Marcação a mercado negativa dos títulos

O motivo para essa marcação a mercado negativa nos prefixados e híbridos vem da deterioração das expectativas econômicas. O adiamento do início dos cortes de juros nos Estados Unidos foi um banho de água fria para os mercados globais, que esperavam um afrouxamento monetário ainda no primeiro semestre deste ano.

Vale lembrar que uma taxa de juro mais alta no país do presidente americano Joe Biden acaba tirando a atratividade das bolsas ao redor do mundo, especialmente as de países emergentes, como o Brasil, já que os investidores acabam migrando capital para a renda fixa norte-americana.

Já no cenário doméstico, as preocupações com as contas públicas elevaram as projeções para os juros e inflação futuros. Quando as expectativas são de juros e inflação maiores no horizonte, o Tesouro Direto passa a emitir títulos com rendimentos mais elevados e quem já tinha prefixados e híbridos na carteira vê esses ativos desvalorizarem no mercado secundário (ambiente onde investidores compram e vendem ativos que uma vez foram emitidos no mercado primário).

Isto ocorre porque o avanço das taxas desses papéis é inversamente proporcional aos preços dos títulos. “Quando o juro real se eleva, o preço do título é reduzido. Isso se traduz em uma marcação a mercado negativa. Os motivos estão sempre relacionados ao cenário macroeconômico e percepções de risco em relação ao Brasil”, afirma Maria Luísa Nepomuceno, analista de Renda Fixa da Nord Research.

No início do ano, por exemplo, o Tesouro RendA+ com conversão em 2065 e vencimento em 2084 oferecia um juro real de 5,52%. Hoje, essa taxa avançou para quase 6,5%. Ou seja, quem comprou esse título em janeiro e quer vendê-lo agora no mercado secundário (entre investidores), terá que enfrentar uma deságio, uma vez que a remuneração de apenas 5,52% não é mais atrativa para a conjuntura atual. Se tivesse ocorrido o contrário e as taxas oferecidas pelo Tesouro Direto tivessem caído para 4%, esse título estaria com marcação a mercado positiva.

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“Os títulos do Tesouro Direto com taxa prefixada sofrem desvalorização quando a taxa de juros futuro aumenta, como estamos vivenciando agora. Quando a expectativa de juros futuros é de queda, os preços dos títulos valorizam, já que o governo paga uma taxa menos atrativa aos investidores”, diz Vinicius Ferreira, estrategista de investimentos e sócio da The Hill Capital.

Queda maior no RendA+

Ainda que a marcação a mercado esteja afetando a maior parte dos títulos prefixados e híbridos, a queda no RendA+ chama a atenção por ser muito mais relevante. De acordo com os especialistas consultados pelo E-Investidor, a desvalorização mais expressiva nesta categoria acontece em função do maior “duration” – termo que define o prazo médio para recuperar o investimento realizado na compra do ativo.

Entre todos os ativos do Tesouro Direto, o RendA+ é o que possui os vencimentos mais longos – por exemplo, com data de conversão para 2065 e vencimento para 2084. Ou seja, a fase de acumulação vai até 2065 e a distribuição até 2084. Já o título IPCA+ mais longo vence em 2045.

“Quanto maior a duration no papel, maior vai ser o deságio ou o ágio. No cenário de abertura de juros, é deságio. No cenário de fechamento de juros, é um ágio. Então, é proporcional ao vencimento”, afirma Nicolas Gass, especialista em mercado de capitais e sócio da GT Capital.

Essa também é a explicação de Filipe Arend, head de Renda Fixa da Faz Capital. “O prazo médio ponderado do Renda+ acaba sendo maior do que o do Tesouro IPCA+. Na renda fixa, esse é o conceito que a gente chama de duration. Quanto maior a duration do papel, maior a sensibilidade do preço desse título frente a uma mudança na taxa na qual está sendo negociado”, diz o especialista.

Já Glaciano, especialista em finanças, aponta outras características que podem tornar o título mais sensível que os demais às quedas de juros. “Diferenças na composição e na duração dos ativos, estratégias de gestão mais agressivas, menor liquidez”, cita.

Oportunidade para investir no Tesouro RendA+?

Para os especialistas consultados pela reportagem, o Tesouro RendA+ oferece oportunidade, mas para quem tem o objetivo específico de geração de renda extra na aposentadoria e pode completar todo o ciclo do investimento. Para quem pretende vender antes do vencimento, a recomendação vai para o Tesouro IPCA+.

“Para marcação ao mercado, o RendA+ tem bastante risco envolvido. A gente prefere, então, utilizar o próprio Tesouro IPCA+ com vencimentos mais curtos, tendo as variações dentro da relação risco e retorno que achamos mais interessante”, diz Nepomuceno, analista de renda fixa da Nord Research. “Acredito que a oportunidade está, de fato, no Tesouro IPCA+ e nos prefixados”, afirma Gass, especialista em mercado de capitais e sócio da GT Capital.

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