- O mau momento das bolsas ao redor do mundo é justificada pelas circunstâncias macroeconômicas, com a forte inflação, crescimento da curva de juros, possível desaceleração da economia dos EUA, guerra entre Ucrânia e Rússia e lockdown na China
- Na Argentina, o Merval - principal índice de ações argentino - tem alta de 4,26% no ano. No Chile, a Bolsa de Santiago sobe 17,61%. E, em Portugal, o PSI acumula ganhos de 7,80% em 2022
- O que se observa nos mercados de Argentina, Chile e Portugal é a descorrelação dos ciclos econômicos a nível global
O atual cenário macroeconômico vem gerando perdas para quase todas as bolsas de valores do mundo. Mas em meio a tantas quedas há algumas que resistem à aversão ao risco e, surpreendentemente, mostram performances positivas no ano de 2022. Levando em conta até o fechamento da última segunda-feira (20), entre as principais bolsas que crescem no ano, destacam-se as de Argentina, Chile e Portugal. No país portenho, o Merval – principal índice de ações argentino – tem alta acumulada de 4,26% no ano. No Chile, a Bolsa de Santiago sobe 18,01%. E, em Portugal, o PSI acumula ganhos de 7,73% no período.
Leia também
Enquanto isso, os índices dos principais mercados do mundo registram fortes baixas. Em Nova York, S&P 500, Dow Jones e Nasdaq caem 23,39%, 18,30% e 30,98%, respectivamente. Na Ásia, o Nikkei 225, de Tóquio, e o SSE Composite, de Xangai, depreciam 12,05%% e 8,72%. E na Europa, o Euronext 100, composto principalmente por empresas francesas, holandesas e belgas, e o FTSE 100, de Londres, registram quedas de 16,49% e 5,11%, respectivamente.
Durante a maior parte do ano, o Ibovespa foi destaque. A Bolsa brasileira registrava alta até maio puxada pela entrada de investidores estrangeiros que observam o Brasil como uma oportunidade diante da valorização das commodities globais. Em junho, no entanto, o índice apresenta baixa de 4,74% e segue volátil ao fechar em leve alta de 0,03% nesta segunda-feira (20).
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
As principais companhias do Ibovespa, Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3), ainda têm desempenho positivo em 2022. Por outro lado, a grande maioria das empresas domésticas registram forte depreciação.
O mau momento das bolsas ao redor do mundo encontra explicação nas circunstâncias macroeconômicas: a forte inflação, o crescimento da curva de juros, a possível desaceleração da economia dos Estados Unidos, a guerra entre Ucrânia e Rússia e o lockdown na China. Juntos, esses fatores fazem os investidores aumentarem a cautela antes de uma exposição à renda variável.
De acordo com o especialista internacional da Blue3 Investimentos, João Patrocínio, o que se observa nos mercados de Argentina, Chile e Portugal é o descolamento em relação aos ciclos econômicos em escala global.
Os ciclos econômicos, explica, tendem a durar cinco anos e são marcados por fases. A sua primeira fase é com o mercado de fundo, quando, diante da queda, começam a aumentar os investimentos financeiros, tecnológicos e o consumo cíclico. Após essa etapa há um período de recessão, com a queda da renda e do consumo. No entanto, novos investimentos em tecnologia, indústria e materiais básicos tendem a fazer a economia crescer e atingir o mercado de topo, quando a bolsa chega a seu nível máximo. Depois, a tendência é que o mercado dê início a uma nova recessão.
Publicidade
Citando o investidor Howard Marks, Patrocínio afirma que o ciclo se apresenta no mercado por meio das emoções demonstradas pelos investidores. Começando pelo otimismo durante uma situação de recuperação, que se transforma em empolgação e leva à euforia. Quando o mercado começa a cair o investidor passa pela negação, pelo medo e pelo pânico, até chegar na depressão. De volta à recuperação, há um momento de alívio até retornar ao otimismo – o início de um novo ciclo.
“Os mercados de Argentina, Chile e Portugal estão descorrelacionados no âmbito global dos países desenvolvidos, pois são três mercados que sofreram muito nos últimos anos e suas bolsas estavam, portanto, descontadas”, afirma o especialista internacional da Blue3.
Um bom exemplo para entender os descontos nas bolsas dessas economias é o cenário do Chile. Nos últimos cinco anos, entre os principais índices das Américas, o chileno foi o que menos cresceu, apenas 6,02%. Em análise realizada a pedido do E-Investidor, o estrategista-chefe latam da XP Investimentos, Andres Pardo, e o economista da XP Investimentos Francisco Nobre explicam que 2018 e 2019 não foram bons anos para a bolsa do país.
“O ano de 2019, em particular, foi afetado pelos protestos sociais que ocorreram no último trimestre e a bolsa perdeu valor. Desde então, o mercado sofreu bastante com muita incerteza política”, avaliam.
Publicidade
Já em 2020, a pandemia agravou a situação e o IPSA, principal indicador da Bolsa de Valores de Santiago, despencou. Segundo eles, em 2021 os índices de ações da região da América Latina ainda estavam baratos, com tendência de subirem, mas a bolsa chilena continuou exposta diante da incerteza política em um ano de eleições presidenciais. Assim que o pleito encerrou o mercado de ações iniciou uma recuperação.
“Em seguida, veio a guerra na Ucrânia, que elevou os preços do cobre consideravelmente. Isso também ajudou o IPSA a avançar até abril, já que o Chile é um grande exportador de Cobre”, avaliam os especialistas da XP.
Com o preço do cobre apresentando volatilidade em maio e junho, o índice vem acompanhando o desempenho do metal – o setor de materiais (relacionado a commodity) representa 25% do índice, assim como o setor financeiro. Ou seja, a relação entre a bolsa chilena e o preço do cobre foi forte e movimentou o mercado doméstico.
No caso da Argentina o cenário ainda é adverso e complexo. Por lá, a inflação atingiu 60% no acumulado de 12 meses em maio. Apesar disso, o Merval apresenta uma recuperação diante de uma sequência de baixas nos últimos anos.
Publicidade
De acordo com Juan Frers Allan, professor do departamento de economia da Universidade de Buenos Aires (UBA), a alta reflete o otimismo dos investidores. “Quando o mercado se encontra em um momento de confiança por parte dos investidores locais e estrangeiros, a bolsa tende a subir”, afirma o professor.
Mas ele pontua que, apesar do Merval ser um indicador das empresas argentinas, o cenário econômico do país não reflete esses acontecimentos, já que a inflação atua de forma diferente na bolsa e no dia a dia da população. Nos últimos cinco anos, o Merval avançou mais de 300%. No entanto, o ganho real deve descontar a inflação, que entre 2018 e 2021 chegou a 203%.
“É fundamental entender que certas características da economia argentina como a inflação, o estado de emergência econômica e a forte desvalorização do peso argentino sempre estiveram presentes em nossa economia”, diz Frers Allan.