O que este conteúdo fez por você?
- A decepção com o pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e as preocupações com a trajetória da dívida pública a partir de agora, estão por trás da disparada do dólar na sessão
- Entre as medidas divulgadas pelo ministro, estão restrições ao abono salarial, limite para reajuste do salário mínimo, teto para emendas parlamentares e estabelecimento de idade mínima para aposentadoria de militares
- arte do mercado acredita que faltaram iniciativas mais estruturais, que levariam à redução da dívida de forma perene. A isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil também desagradou
O comportamento do dólar nesta sexta-feira (29) surpreendeu até mesmo os analistas mais experientes. O dólar chegou, nas primeiras horas do dia, a R$ 6,11 – o maior valor nominal da história – e recuou ao longo do dia, fechando o dia a R$ 6,0012, alta de 0,2%. A decepção com o pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e as preocupações com a trajetória da dívida pública a partir de agora, estão por trás do mau humor dos investidores na sessão.
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Entre as medidas divulgadas pelo ministro, estão restrições ao abono salarial, limite para reajuste do salário mínimo, teto para emendas parlamentares e estabelecimento de idade mínima para aposentadoria de militares. A perspectiva de economia é de R$ 70 bilhões em dois anos. Contudo, parte do mercado acredita que faltaram iniciativas mais estruturais, que levariam à redução da dívida de forma perene.
“As medidas fiscais apresentadas resultam, na verdade, em uma flexibilização dos gastos apenas para um fôlego temporário do arcabouço fiscal”, afirma Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike. “O Governo enfrenta o desafio de reverter um déficit primário estrutural de 1,5% do PIB para alcançar um superávit de 1,5% do PIB, um esforço enorme.”
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A proposta de isenção de imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil também preocupa – para os analistas, a tributação maior para brasileiros que recebem acima de R$ 50 mil não compensa o rombo fiscal trazido pelo benefício anunciado pela equipe econômica. Além disso, a perspectiva de aumento da tributação para os mais riscos alimenta um movimento já em curso há alguns meses, de fuga de capitais.
Para Jefferson Laatus, chefe-estrategista do Grupo Laatus, o dólar acima dos R$ 6 reforça essa percepção de que muitos investidores estão buscando proteger seu capital em mercados mais estáveis, como Estados Unidos e a Europa, diante de um cenário doméstico de desequilíbrio fiscal e medidas que desestimulam o capital de longo prazo.
“A proposta de taxação de grandes fortunas provoca a fuga de recursos para países com menor carga tributária, tornando os investimentos no exterior ainda mais relevantes como estratégia de diversificação e proteção”, diz Laatus.
Já Matheus Pizzani, economista da CM Capital, vê também um segundo fator, técnico, impactando o dólar. Hoje, acontece a definição da Ptax de novembro, a taxa de câmbio de referência do BC. “É um dia sensível em função das definições e alocações feitas pelos agentes de acordo com suas respectivas estratégias, o que pode, no limite, gerar movimentos que destoam por completo dos fundamentos macroeconômicos”, diz.
O dólar pode subir mais?
Traçar com exatidão a trajetória do dólar nas próximas semanas é uma tarefa difícil. Mas o consenso é de que a moeda deve se estabilizar em um patamar elevado, não no pico observada nesta sessão – ou seja, em um nível acima de R$ 6.
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“Esse estresse do dólar, nesta magnitude, pode ser considerado pontual. Entretanto, esse movimento faz parte de uma dinâmica de longo prazo de desvalorização do real”, afirma André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online. Segundo dados levantados por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta, o dólar avançou 25% sobre o real em 2024 – e isto, não só com gatilhos no cenário doméstico, como acontece agora, mas também em função de reações à conjuntura internacional. O real desvalorizou, por exemplo, quando o Federal Reserve (Fed, banco central americano) adiou o início dos cortes na taxa básica de juros.
Logo, o risco fiscal é mais um elemento que leva a um câmbio desvalorizado. “Existem riscos externos e internos adicionais, que podem manter a cotação do dólar alto por mais tempo”, diz Galhardo. “O Brasil já passou por cenário parecido na pandemia, nas eleições de 2002 – então o país suportará. Mas não sem lidar com os efeitos desse processo, como inflação um pouco mais alta e uma mudança na atividade econômica. Difícil dizer exatamente o que esperar da economia nesse cenário. No meu entendimento, tem mais volatilidade à frente.”
Pizzani, economista da CM Capital, não enxerga também uma manutenção do dólar acima de R$ 6, já que acredita que o impulso maior veio da definição da PTAX na sessão. Entretanto, também aponta um horizonte de dólar estruturalmente mais alto. “Dada as perspectivas que temos para o cenário internacional e doméstico daqui pra frente, a tendência é que de fato o dólar se estabilize em um patamar elevado, podendo sofrer novas pressões de alta em face de eventos exógenos como o experimentado esta semana”, diz.
As consequências do dólar mais alto, no curto prazo, devem ser observadas nas decisões do Banco Central sobre o nível da taxa básica de juros da economia. A tendência é de que o BC acelere as altas na Selic, por causa da disparada do dólar, que em última instância gera inflação mais elevada. Um juro mais alto deve penalizar as empresas da Bolsa mais endividadas e dependentes do mercado doméstico. Por outro lado, as exportadoras devem ser beneficiadas – fora a renda fixa, é este setor, inclusive, uma das maiores recomendações dos analistas para os investidores se protegerem da volatilidade da moeda.
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“Investir em ações de empresas exportadoras pode ser uma estratégia interessante, já que essas companhias tendem a se beneficiar de um dólar valorizado, aumentando suas receitas em moeda local. Setores como agronegócio, commodities e tecnologia exportadora podem oferecer boas oportunidades, especialmente para investidores que aceitam um grau maior de risco em busca de retornos mais elevados”, afirma Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio. Diversificação internacional volta ao foco, para descorrelacionar o portfólio dos riscos domésticos.
“Alocar parte do portfólio em ativos no exterior pode mitigar os impactos de crises locais, aproveitando mercados mais estáveis ou com perspectivas de crescimento”, completa Braga. Essa também é a análise de João Kepler, CEO da Equity Fund Group. “Para as empresas brasileiras, o câmbio elevado é um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Exportadoras se beneficiam, enquanto importadoras enfrentam maior pressão nos custos. Investidores precisam avaliar o impacto dessa volatilidade nas margens de lucro das empresas e buscar setores resilientes, como commodities e tecnologia.”
Dólar nas alturas “detona” ativos domésticos
O combo de dólar nas alturas e perspectivas de juros mais altos no horizonte já pune as empresas da Bolsa mais sensíveis aos ciclos econômicos – varejistas, empresas de educação e ligadas ao consumo. É o caso de Localiza (RENT3), Yduqs (YDU13) e Assaí (ASSAI3), que figuram entre as maiores baixas do dia no Ibovespa. Já na ponta positiva estão players considerados menos dependentes da conjuntura interna e ligados a commodities, como Brava Energia (BRAV3), Braskem (BRKM5) e Minerva (BEEF3).
“Temos mais um dia turbulento no nosso mercado doméstico: câmbio e juros futuros em toda a curva disparam, na contramão do exterior. O mercado segue digerindo muito mal o pacote de corte de gastos divulgado pelo governo”, afirma Gabriela Paixão, planejadora financeira CFP®. “Na minha opinião, as medidas apresentadas falharam claramente em recuperar a credibilidade da política econômica. Foram escolhas políticas, não econômicas.”
Alexandre Pletes, head de renda variável da Faz Capital, reforça que a escalada do dólar “detona” os ativos domésticos. “O governo não tem feito nenhum movimento para acalmar isso. Especula-se uma intervenção do Banco Central no câmbio, o que não aconteceu até agora. Parece que o BC também está deixando ‘a coisa’ andar um pouco.”
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