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Gafisa (GFSA3) tenta forçar fusão com Tecnisa (TCSA3). O que esperar?

Disputa entre as incorporadoras é conflito entre visões de negócio diferentes

Gafisa (GFSA3) tenta forçar fusão com Tecnisa (TCSA3). O que esperar?
Crédito: Divulgação
  • Gafisa tem feito várias investidas para tentar uma fusão com a Tecnisa, alegando que isso reduziria custos das duas incorporadoras. Mas a família Nigri, fundadora da Tecnisa, não tem interesse na transação, já que pode perder o controle da empresa
  • Especialistas não acham que a operação vá trazer ganho de eficiência para as duas incorporadoras, que atuam em mercados diferentes, sem sobreposição de áreas
  • A imprevisibilidade do desfecho da disputa entre Gafisa e Tecnisa gera volatilidade para os papéis das duas empresas. Caso haja a fusão, TCSA3 tende a se valorizar mais do que GFSA3

Os acionistas da Tecnisa (TCSA3) estão fazendo o possível para barrar as investidas da Gafisa (GFSA3), interessada em uma fusão entre as duas incorporadoras. Na última quinta-feira (10), em uma assembleia geral extraordinária convocada para apreciar o prosseguimento da análise sobre uma potencial integração entre as companhias, a desaprovação foi maciça.

Dos acionistas participantes, 97,5% (32,4 milhões de votos) foram contrários à proposta e apenas 2,5% (705,3 mil votos) votaram a favor. Mas a Gafisa continua de olho na concorrente.

Em comunicado, a Gafisa sustentou que a fusão poderia trazer uma redução de despesas de cerca de R$ 100 milhões, graças ao trabalho da gestão atual da empresa, que tem cortado custos financeiros e operacionais.

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Disputa entre as incorporadoras é conflito entre visões de negócio diferentes

O resultado da união das duas criaria uma incorporadora com capacidade para lançar projetos com valor geral de vendas anual de até R$ 3 bilhões, um banco de terrenos (landbank) avaliado em R$ 10,3 bilhões e um estoque de imóveis prontos e em construção avaliado em R$ 1,1 bilhão.

Incorporadoras brasileiras são empresas familiares

A disputa societária envolve visões empresariais conflitantes. Praticamente todas as incorporadoras brasileiras são “empresas de dono”, ou seja, tocadas pelas famílias que as fundaram e não têm interesse em se abrir para o mercado.

Mas o controle familiar pode ser ameaçado por pessoas de fora que comprem uma grande quantidade de ações da empresa no mercado e, com isso, passem a ter direito a voto. Essa foi a estratégia adotada pela Gafisa – que hoje detém pouco mais de 3% do capital social da concorrente, controlada pela família do empresário Meyer Nigri – diante do desinteresse da Tecnisa no negócio.

Assim, ainda que a Tecnisa não concorde com a fusão, esse subterfúgio poderia permitir à Gafisa atingir a finalidade desejada. É o que se chama no mercado de “aquisição hostil”: quando uma companhia tenta adquirir outra de forma não amigável, mesmo que o conselho da empresa alvo não tenha interesse na operação.

Para tentar se resguardar contra esse risco, é comum que as incorporadoras façam uso da cláusula poison pill. Ela impõe que interessados em adquirir ações acima de certo percentual paguem penalidades tão altas que acabam tornando a compra hostil financeiramente inviável. Com isso, o controle da empresa continua nas mãos da família fundadora.

No caso da Tecnisa, a poison pill em vigor obriga o comprador de mais de 20% de ações a realizar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA).

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“A Gafisa está manobrando para tentar fazer os acionistas alterarem essa cláusula, elevando o limite para 30%. Assim, o plano dela é conseguir comprar 27,5% de ações e tomar o controle da Tecnisa, já que o controlador atual detém 25,6%”, diz Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante Investimentos.

Uma fonte do mercado imobiliário que pediu anonimato explica que a família de Meyer Nigri reluta em aceitar uma eventual incorporação pela Gafisa porque sabe que, com isso, perderá o controle do negócio e terá de sair da empresa, como também aconteceu com os sócios fundadores da Even, por exemplo.

“A Tecnisa é o filhote de Meyer, a criação dele. É muito difícil largar o osso e abrir mão da empresa que o filho Joseph está tocando com competência, para virar minoritário debaixo de um guarda-chuva corporativo”, diz a fonte. “Isso acabaria com a independência e a liberdade deles para tocar a empresa como quiserem.”

Para a Gafisa, a transação é um trampolim para consolidar o mercado, imprimindo um estilo de gestão mais agressivo. “O Nelson Tanure [investidor e acionista majoritário] tem uma visão estratégica diferente. Ele quer ter estruturas mais enxutas e ágeis para poder fazer projetos com custo menor. O que não combina com estruturas familiares inchadas, como a da Tecnisa.”

Operação faz sentido para quem?

Especialistas ouvidos pelo E-Investidor são céticos quanto aos supostos ganhos que essa transação traria para as duas partes. Para Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos, a fusão dos negócios seria “um tanto inconclusiva”.

“As duas empresas já não são uma grande referência em termos de eficiência de operações e a Gafisa não possui um landbank tão forte quanto as concorrentes. Será mesmo que haveria uma melhora, ou essas duas empresas juntas não resultariam em algo ainda mais complicado?”, diz Esteter.

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Guimarães, da Levante, não vê grande potencial de sinergia entre as duas empresas, que têm operações muito diferentes.

“A Gafisa tem foco em São Paulo e Rio de Janeiro. A Tecnisa, por outro lado, é mais presente em Brasília e no Paraná. Como não há sobreposição de áreas, não entendo que haveria ganho de eficiência”, afirma.

O especialista destaca que as duas empresas vêm conseguindo reduzir dívidas, mas não têm boa operação financeira. “Elas têm estoques altos, não estão gerando caixa e continuam dando prejuízo. Na ânsia pela expansão geográfica, fizeram opções equivocadas e têm todo um legado de projetos antigos em estoque”, diz.

Ele compara a eventual fusão à junção de dois times de futebol em zona de rebaixamento. “Haverá um alinhamento? Será que os jogadores, ou acionistas, vão se dar bem?”

O que o acionista pode esperar

Na opinião do gestor imobiliário que pediu para não ser identificado, o cabo de guerra entre a família Nigri e a Gafisa não é uma grande preocupação de quem possui ações das duas incorporadoras.

“O acionista comprou um papel na Bolsa, não comprou o Meyer Nigri. Hoje o investidor não sabe quem é quem nas famílias, o que ele quer é ganhar dinheiro”, opina.

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Esteter acredita que, quanto à valorização das ações, a TCSA3 tem mais a ganhar que GFSA3. Em um cenário desse tipo, ele diz que é sempre melhor estar posicionado na empresa que está em vias de ser adquirida e não na que pretende fazer a aquisição.

“Quando uma empresa está sendo adquirida, normalmente há um excesso de compra nesse papel, o que dá uma esticada no preço, a posição do acionista passa a valer mais”, afirma.

Guimarães considera que uma aquisição hostil não seria uma boa notícia para nenhuma das envolvidas, mas ressalva que eventos societários como esse são imprevisíveis, o que traz risco ao portador de ambos os papéis.

“É melhor que a posição do investidor nessas empresas seja pequena. Se for muito grande, é um erro. Os papéis podem até dar retorno porque estão baratos, mas o risco é grande”, alerta. Na visão dele, há ações melhores dentro do setor de imóveis de média e alta renda (sem participação no programa Minha Casa, Minha Vida), que as duas incorporadoras ocupam.

“No primeiro escalão, estão Cyrela, Eztec e Trisul. Depois, eu colocaria Even, Helbor e Mitre. Tanto Gafisa como Tecnisa aparecem bem atrás, junto com a Moura Dubeux”, afirma.

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