- A novela em torno da GetNinjas (NINJ3) terminou com a saída total do fundador e ex-CEO da companhia, Eduardo L'Hotellier
- Em entrevista ao E-Investidor, o executivo confirmou que vendeu 100% das suas ações na OPA promovida pela Reag Investimentos
- Para os investidores minoritários, o desfecho é amargo. Quem entrou no IPO em 2021 e agora, quase três anos depois, pretende deixar as posições por R$ 5 o papel no OPA, vai amargar uma perda de 75% no valor investido
A novela em torno da GetNinjas (NINJ3) terminou com a saída total do fundador e ex-CEO da companhia, Eduardo L’Hotellier, durante o leilão da Oferta Pública de Aquisição (OPA) realizado nesta quarta-feira (24).
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Em entrevista ao E-Investidor, o executivo confirmou que vendeu 100% das suas ações na OPA promovida pela Reag Investimentos, principal acionista da companhia, para fechar o capital da GetNinjas. Tendo em vista o preço estipulado para a oferta, de R$ 5 por ação, a fatia de L’Hotellier deve gerar um montante de R$ 62,4 milhões.
Na outra ponta, a Reag saiu com 66% da empresa. “Apesar de manobras, distorções e desgastes com finalidade de favorecer determinados acionistas, em detrimento dos interesses da companhia, a OPA foi concluída com sucesso de acordo com o rito e a regulamentação em vigor”, afirmou a gestora, em comunicado enviado ao E-Investidor.
Contudo, a história do ex-CEO com a plataforma que conecta clientes a profissionais autônomos pode não ter acabado. “Eu fiz uma consulta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e estou esperando a resposta sobre se o valor da OPA não deveria ser corrigido para R$ 5,17, acompanhando o CDI do período”, afirma L’Hotellier.
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O executivo não é o único a fazer questionamentos. Fernando Morquecho, auditor fiscal, é um investidor minoritário da NINJ3. Ele discorda da metodologia aplicada no Laudo de Avaliação apresentado na precificação da OPA e chegou a protocolar uma denúncia na CVM a respeito, sob o número 19957.000445/2024-02. Procurada pela reportagem, a CVM confirmou que o processo está em andamento.
Morquecho afirma que, segundo seus cálculos, a companhia foi avaliada por menos do que tem em caixa. “Até no fluxo de caixa descontado o laudo aponta um valor negativo para a empresa”, afirma. “Eu trabalho com desestatizações, vejo muito fluxo de caixa, muito cálculo de taxa de desconto, e eu nunca vi um prêmio de risco tão grande (como o aplicado para calcular o preço da OPA de GetNinjas).”
Quem entrou no IPO em 2021 e agora, quase três anos depois, pretende deixar as posições por R$ 5 cada papel na OPA, vai amargar uma perda de 75% no valor investido.
O desfecho inevitável da GetNinjas
Esse desfecho vem sendo desenhado desde meados de 20 de setembro do ano passado, quando ainda sob o comando L’Hotellier, a GetNinjas planejava devolver praticamente todo o caixa aos investidores. A redução de capital de R$ 223,5 milhões (R$ 4,40 por ação) dividiu opiniões no mercado, já que o desembolso viria apenas dois anos após a captação, na abertura de capital.
A proposta também desagradou a alguns acionistas. Cerca de um mês após o anúncio da redução, três gestoras já haviam avançado sobre o capital da companhia: a própria Reag Investimentos, hoje acionista referência, além da ARC Capital e a Wealth High Governance. Em 11 de outubro de 2023, L’Hotellier chegou a questionar por meio de fato relevante se os fundos pertencentes a essas casas trabalhavam em conjunto ou tinham beneficiários e interesses em comum.
Em resposta, a Reag criticou o questionamento e acusou o board da GetNinjas de levantar informações falsas, em uma tentativa de induzir o mercado a erro. “A companhia tem pleno conhecimento que os ‘Acionistas Notificados’ não são partes relacionadas. Este tipo de ilação prejudica o mercado e tira valor da empresa”, afirmou a gestora, em correspondência enviada à companhia.
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No mesmo 11 de outubro, a Reag comunicou à GetNinjas que fundos e carteiras administrados pela gestora haviam ultrapassado 25% de participação na companhia e, consequentemente, ativado a “poison pill” (pílula de veneno, em tradução livre). O termo se refere a uma cláusula que consta no Estatuto Social da empresa e define que todo acionista ou grupo de acionista que ultrapassasse a marca é obrigada a realizar uma OPA e recomprar as ações dos demais investidores, fechando o capital na Bolsa.
Adicionalmente, a gestora pediu a convocação de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para discutir a destituição dos membros de Conselho de Administração e a eleição de novos executivos para o cargo. No final, as deliberações foram aprovadas na AGE, realizada em 22 de novembro, e cinco dias depois, após reunião do novo conselho, L’Hotellier foi destituído do cargo de diretor-presidente e de diretor de Relações com Investidores (RI), junto com Lucas Vilas Boas Arruda, então diretor financeiro.
No lugar deles, foram eleitos: Leonardo Luiz Meneses Pereira, para o cargo de diretor-presidente; Thiago Souza Gramari, para o cargo de diretor de RI; e Fabiana Franco, para o cargo de diretora financeira. Esta não havia sido a primeira derrota do ex-CEO – em 23 de outubro, ele já tinha visto sua proposta de redução de capital ser enterrada em assembleia.
Pelo menos 89,5% dos votos contrários à redução na AGE (24,2 milhões, de 27 milhões) partiram de três grandes acionistas: a própria Reag (Reag Alpha Fundo de Investimento – 15,2 milhões), além da ARC (ARC Master – 5 milhões) e WHG (Arctic Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado – 4 milhões). Esta última, zerou a participação em GetNinjas três semanas após a proposta de redução ser rejeitada.
O E-Investidor entrou em contato com todas as empresas envolvidas. A GetNinjas, a ARC e a WHG responderam que não vão comentar o assunto. A Reag não retornou até a publicação da reportagem.
“O sentimento é de ‘pena’ de eu estar deixando a empresa no seu, talvez, melhor momento”, afirmou L’Hotellier, ao E-Investidor. “Precisamos fazer alguns cortes depois do IPO, mas nos readaptamos. O time estava mais unido, mais faca nos dentes do que nunca. Vínhamos diminuindo a queixa de caixa, tivemos um último trimestre lucrativo, na primeira vez na história, estávamos melhorando os indicadores.”
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No terceiro trimestre de 2023, a GetNinjas lucrou R$ 4,2 milhões, revertendo um prejuízo de R$ 2,8 milhões registrado no mesmo período do ano anterior. Até 21 de dezembro do ano passado, a Reag detinha 32,1% da empresa, enquanto a ARC Capital possuía 23,48% da companhia. L’Hotellier possuía uma participação de 24,6%.
O que sobrou para os acionistas da GetNinjas
A GetNinjas fez parte da leva de empresas novatas que chegaram à B3 em 2021, na última onda de Oferta Pública Inicial de Ações (IPO) vista no País. Em uma semana difícil para as techs em maio de 2021, a companhia topou precificar suas ações abaixo da faixa indicativa para estrear na Bolsa sobre o ticker NINJ3 a R$ 20. À época, a operação movimentou cerca de R$ 555 milhões.
A adesão à OPA foi opcional e investidores puderam ou não vender as ações até o leilão desta quarta-feira. “A oferta não impacta em nada para a GetNinjas, é um movimento dos acionistas e nada muda para quem não quiser vender”, ressaltou a Reag, em posicionamento enviado à reportagem.
Entretanto, ficar ou sair não é uma decisão simples. A desvalorização de 75% desde o IPO pesa no bolso de quem carregou os papéis por todo esse tempo. O preço oferecido na OPA também não agradou a todos os envolvidos, como o próprio fundador L’Hotellier e minoritários como Morquecho, mas a outra opção pode ser igualmente negativa: na prática, não aderir a uma OPA pode significar manter os papéis e correr o risco de ficar com um ativo de baixa liquidez “preso” na carteira.
“Quando uma empresa fecha o capital, o acesso a informações e a influência dos investidores sobre a companhia diminui drasticamente. Em alguns casos, essa influência é nula”, explica Pedro Accorsi, analista da Benndorf Research e Accorsi Investing. “Logo, o investidor vai continuar sendo detentor dos lucros, recebendo os porcentuais, mas o poder de interferência, contato com o RI e liquidez, caso queira vender no futuro, diminui muito. É um processo negativo para os investidores.”
Atualmente, a NINJ3 tem cobertura de apenas 4 analistas de mercado: Bank of America, BTG Pactual, JP Morgan e UBS. No entanto, nenhuma das recomendações é atualizada desde maio de 2023, segundo o site de RI da companhia.
É o fim das disputas societárias na GetNinjas?
Accorsi levanta ainda um outro ponto, relacionado à própria tese da GetNinjas. Para ele, a companhia não tem grandes diferenciais competitivos no setor tech que justificariam a manutenção das posições. “Não é uma empresa que tende a ser uma boa geradora de caixa a longo prazo e de lucros, nem tende a distribuir dividendos muito agressivos. A recomendação em casos assim é sempre de venda.”
O melhor caminho, segundo ele, é aceitar a OPA e “partir para a próxima” – visão compartilhada por Felipe Pontes, sócio da L4 Capital. “Para quem quiser continuar como sócio da empresa, é importante ter cuidado com questões de liquidez. Pode ser que o a maior parte dos acionistas adiram à OPA e os poucos que ficarem poderão ter dificuldade de conseguir vender suas ações mais para frente”, afirma.
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Por outro lado, Pontes vê o fechamento do capital como uma maneira de a GetNinjas seguir, deixando para trás eventuais disputas societárias. “A conclusão da OPA significa que uma grande parte da incerteza sobre os caminhos que a empresa seguirá vai acabar”, diz. “Esse imbróglio todo consome energia e recursos financeiros de todas as partes envolvidas, inclusive da própria empresa. Com a finalização do processo, essa questão sairá da mesa, para que a nova gestão possa focar em questões estratégicas visando criar valor.”