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Americanas (AMER3): 1 ano após fraude, analistas dão veredito sobre ações da empresa

No site de RI, todos os especialistas que cobriam a companhia colocaram a ação sob revisão

Americanas (AMER3): 1 ano após fraude, analistas dão veredito sobre ações da empresa
Americanas foi a protagonista do maior escândalo na Bolsa de 2023. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
  • A fraude contábil de R$ 43 bilhões na Americanas (AMER3) completa um ano nesta quinta-feira (11)
  • Nesses 12 meses, ações derreteram, não têm cobertura entre analista e agora enfrentam ceticismo do mercado
  • Especialistas explicam por que analistas deixaram a AMER3 de lado, discutem perspectivas de recuperação da companhia e apontam o que investidores devem fazer com as ações

Por volta das 19h do dia 11 de janeiro de 2023, o então recém-empossado CEO da Americanas (AMER3), Sérgio Rial, disparava ao mercado um comunicado que provocaria uma queda de 77% no preço das ações da varejista no pregão seguinte. O executivo apontou a existência de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões nos balanços – depois confirmadas serem frutos de uma das maiores fraudes contábeis da história recente do mercado brasileiro.

Um ano após a descoberta do rombo, as ações da empresa encolheram 92,75%, de R$ 12 para R$ 0,87, e o valor de mercado despencou de R$ 10,8 bilhões para R$ 785 milhões. Os dados foram levantados por Einar Rivero, colunista do E-Investidor e diretor da Elos Ayta Consultoria, com informações do Mais Retorno.

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Contudo, somente as métricas contábeis ainda não são capazes de traduzir totalmente a proporção dos prejuízos. Na verdade, o abandono dos analistas de mercado é o aspecto que deixa realmente evidente a gravidade da situação.

Nos últimos 12 meses, a varejista quase centenária foi praticamente riscada do “pipeline” de grandes gestoras e investidores institucionais. Na área de Cobertura de Analistas do site de Relações com Investidores (RI) da Americanas, por exemplo, todas as 14 grandes instituições financeiras que acompanhavam de perto o papel colocaram as ações em revisão. Nenhuma delas possui hoje, sequer, um preço-alvo para o ativo.

O consenso é de que não há visibilidade para tal cálculo. “Por enquanto, o mercado não se atreve a sugerir qualquer tipo de posicionamento no papel, seja na compra ou na venda”, afirma Daniel Nogueira, sales de Renda Variável da InvestSmart XP. A mesma visão é compartilhada por Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “Não tem recomendação, até porque acho que nenhum analista cobre mais, a companhia não publica números há muito tempo”, afirma.

Em novembro do ano passado, a Americanas divulgou a revisão dos dois balanços financeiros anuais anteriores à fraude. A atualização resultou em uma explosão dos prejuízos - em 2021, o lucro líquido anteriormente reportado, de R$ 544 milhões, se tornou um prejuízo de R$ 6,7 bilhões. Em 2022, um prejuízo de R$ 447 milhões entre janeiro e setembro, se tornou um resultado negativo de R$ 12,9 bilhões no acumulado do exercício.

Os balanços de 2023 ainda não foram publicados. “A companhia não achou ainda um ponto de equilíbrio na sua operação, para conseguir fazer um lucro adequado. Aliás, a inconsciência contábil revelou que esse equilíbrio praticamente nunca havia sido encontrado”, diz Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama. “Há muito tempo que a Americanas vem sobrevivendo em cima de aportes.”

A recuperação é possível?

Desde janeiro de 2023, a Americanas está em um processo de recuperação judicial. Com a medida, a companhia ganhou um prazo para apresentar na Justiça e negociar com seus credores um plano de reestruturação, enquanto suas obrigações financeiras ficam suspensas.

A negociação se desenrolou ao longo de todo o último ano e só foi aprovada no dia 19 de dezembro, quando a Assembleia Geral de Credores (AGC) aprovou com mais de 90% de apoio a proposta apresentada pela varejista. Agora, isso precisa ser homologado pela Justiça.

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Ficou acordado um aumento de capital total de R$ 24 bilhões. Desses, R$ 12 bi devem vir do trio de acionistas de referência, composto por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira; a outra metade será em conversão da dívida com demais credores, incluindo os bancos, em ações da Americanas. Veja mais detalhes nesta reportagem do Estadão.

A varejista também apresentou, em novembro do ano passado, uma projeção de resultados para 2025. Entre as principais metas, está atingir um lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBTIDA) maior que R$ 2,2 bilhões e a redução da dívida financeira bruta para algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão.

Para conseguir alcançar esses números, a Americanas depende principalmente da aprovação da RJ. Entretanto, o cumprimento de outros tópicos sensíveis também foi incluído na conta, como a revisão da estrutura de despesas da empresa, aumento de vendas nas lojas físicas, reestruturação financeira da Ame Digital e mudança do modelo no braço digital da empresa.

“Essas expectativas dependem, substancialmente, de fatores alheios à vontade da Companhia, tais como condições de mercado, desempenho da economia brasileira, do setor e dos mercados internacionais”, alerta a própria varejista, no guidance.

Leia mais: O que o caso Americanas (AMER3) ensina sobre investir em ações

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O sucesso da recuperação judicial é fundamental para que a companhia volte a se estabelecer, no mercado varejista e na Bolsa. Mas esse não é um processo simples e, ainda que dê certo, pode levar anos.

E este é outro ponto que ilustra o ceticismo do mercado para com o futuro da empresa.

"Depois de toda essa fraude, a Americanas possui um risco muito grande de credibilidade e governança. Muitos gestores e institucionais riscaram a empresa e o grupo 3G, já envolvido em outras fraudes no passado, da lista de empresas investíveis", diz Renato Nobile, analista e gestor da Buena Vista Capital. "Dificilmente a empresa vai conseguir se recuperar."

Alexandre Rocha, assessor de investimentos da RJ+ Investimentos, acrescenta que o setor de varejo em si já passa por grandes desafios, fruto de um cenário macro desafiador de alta dos juros nos últimos anos, somado ao aumento da concorrência com a chegada de concorrentes estrangeiras no mercado. O desafio da Americanas, portanto, é duplo.

"É muito difícil de responder se ela vai conseguir se recuperar ou não, ainda existem incertezas quanto ao futuro da empresa tanto na Bolsa quanto no mercado. Com o fator 'confiança' abalado, o mercado está cético em relação ao futuro do plano estratégico de reestruturação que os executivos estão trabalhando", afirma Rocha.

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Mas essa visão não é unanimidade. José Daronco, analista da Suno Research, acredita que a Americanas deve sim conseguir se recuperar. Voltar a ser o que já foi, na visão do analista, é que é o desafio.

"Vai se recuperar, mas em um tamanho muito menor do que era no passado. Veremos uma empresa muito menos agressiva no online e com um número de lojas bem inferior ao que já foi", diz. Ainda assim, ele segue a linha de todos os outros entrevistados pelo E-Investidor: na dúvida, é melhor ficar de fora das ações.

"Entendemos que há outras opções com menos risco e mais oportunidade de crescimento, sem todos os imbróglios de uma empresa em recuperação judicial", ressalta Daronco.

Hoje, a principal aposta contra os papéis da empresa vem da Itaú Asset. A casa tem uma posição vendida de R$ 3 milhões em Americanas. No total, o volume de shorts chega a R$ 9,14 milhões.

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Já a principal aposta a favor dos papéis está na Tempo Capital, de R$ 28,35 milhões. No total, o volume de posições compradas chega a R$ 53,69 milhões. Os dados foram levantados por Rivero, com informações do Mais Retorno.

Relembre o caso

Na noite de 11 de janeiro de 2023, quando o pregão daquele dia já havia se encerrado, a Americanas divulgou um fato relevante em que informava ao mercado a descoberta de "inconsistências contábeis" na casa de R$ 20 bilhões. Na prática, uma das maiores varejistas da Bolsa estava reconhecendo que suas dívidas seriam maiores do que a exposta nos balanços financeiros da companhia.

O descasamento viria de operações de risco-sacado – nome dado no setor varejista ao adiantamento a fornecedores por meio de empréstimos feitos por uma companhia com bancos ou FIDCs – não registradas ou registradas incorretamente; um problema que estaria ocorrendo há pelo menos sete anos.

A notícia veio acompanhada dos pedidos de demissão de Sérgio Rial e André Covre, CEO e CFO da companhia, que tinham assumido o cargo logo antes, no dia 01º de janeiro.

O mercado não reagiu bem: no dia 12 de janeiro, as ações da Americanas cederam 77,33%, saindo de R$ 12 para R$ 2,72 em um só pregão. Naquele dia, a varejista perdeu R$ 8,37 bilhões em valor de mercado.

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Leia detalhes: Americanas (AMER3) em números: os impactos da crise no mercado

Mas a história estava apenas começando. No dia 19 de janeiro, a Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial na Quarta Vara Empresarial do Rio de Janeiro. À Justiça, a companhia declarou dívidas de R$ 43 bilhões e ao menos 16,3 mil credores.

A RJ fez a AMER3 virar uma "penny stock": no dia 20, a ação chegou aos R$ 0,79, deixando a composição da carteira teórica do Ibovespa.

A onda de ceticismo para com a varejista respingou em todo o mercado brasileiro. As ações da concorrente Magazine Luiza (MGLU3) tiveram em janeiro de 2023 o 4º melhor desempenho mensal de sua história.

Por outro lado, a Ambev (ABEV3) sofreu. Entre os dias 11 e 16 daquele mês, a companhia viu suas ações caírem quase 8%, na esteira da desconfiança do mercado com o trio de homens mais ricos do País, Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira. Juntos, eles são acionistas de referência da Americanas e donos da private equity 3G Capital – ainda que a 3G e a varejista não estejam relacionadas, o envolvimento dos executivos com a Americanas acabou respingando em seus outros negócios.

Investidores com AMER3 também viram as carteiras de investimento dissolverem. O comerciante de bebidas Pedro Henrique perdeu R$ 90 mil com o colapso das ações da Americanas, praticamente toda a reserva financeira que juntou ao longo de seis anos.

A história dele e de outros minoritários foi contada neste especial feito pelo E-Investidor: Caso Americanas: as histórias por trás dos números.

E a maré negativa não foi só na Bolsa: 588 fundos de ações, 469 fundos de debêntures e oito fundos imobiliários tinham exposição a Americanas. A desvalorização dos títulos de dívida emitidos pela varejista levou o mercado de crédito privado a um prejuízo que há muito não se via, com alguns fundos de renda fixa chegando a retornos negativos.

O Nu Reserva Imediata, maior fundo de renda fixa para pessoas físicas do Brasil, que tinha 1,2 milhão de investidores à época, foi um deles. Em um período de 30 dias após a descoberta do rombo contábil na Americanas, houve a saída de 288,1 mil cotistas.

*ERRATA: O levantamento inicial das principais posições vendidas e compradas em AMER3 continha erros e foi corrigido, assim como as informações do texto.  

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