Mercado

Como o governo Lula foi do caos à queda recorde do dólar em 6 meses

Uma série de indicadores econômicos também surpreenderam positivamente o mercado

Como o governo Lula foi do caos à queda recorde do dólar em 6 meses
Presidente Lula e ministro da Fazenda, Fernando Haddad. FOTO: TABA BENEDICTO / ESTADÃO
  • O Ibovespa acumula uma alta de mais de 6% neste primeiro semestre de 2023
  • O toque final que ajudou a soterrar o pessimismo inicial do mercado no primeiro ano do terceiro mandato de Lula foi a elevação da nota de crédito do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P)
  • Mário Lima, analista político da Medley Advisors, vê os piores cenários sendo abandonados com a aprovação do arcabouço fiscal

Em 2003, a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao cargo de presidente do Brasil fez aumentar a aversão a risco no mercado brasileiro. No 1º trimestre daquele ano, o Ibovespa ficou no zero a zero, na esteira das incertezas relacionadas à figura do petista. Nos três meses seguintes, o índice deslanchou 15,07%, segundo dados levantados por Einar Rivero, do TradeMap.

Vinte anos se passaram e a história se repete. Durante os 100 primeiros dias do terceiro mandato de Lula, o principal índice de ações da B3 caiu 8,12% – o pior desempenho para um começo de mandato desde 1995, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito pela primeira vez.

De lá para cá, entretanto, a situação se inverteu bruscamente. O Ibovespa registrou uma alta de 14,5% entre 10 de abril e 28 de junho. No acumulado do semestre, o indicador apresenta uma valorização de 6,33%, aos 116.681,32 mil pontos.

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O dólar caiu 6,93% frente ao real nos últimos seis meses, para os atuais R$ 4,85. Essa foi a maior queda frente à moeda nacional em um primeiro semestre de mandato presidencial desde a segunda eleição de Lula, em 2007.

Paralelamente, uma série de indicadores econômicos surpreenderam positivamente o mercado. É o caso do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que vem mostrando mês a mês uma desaceleração, reflexo da alta de juros iniciada pelo Banco Central (BC) em 2021. Em janeiro, o IPCA subia 0,53%, em 5,77% no acumulado de 12 meses. Em junho, a prévia da inflação (IPCA-15) ficou em 0,04%, o suficiente para puxar o acumulado de 12 meses para 3,40% – cada vez mais próximo da meta de inflação do BC para 2023, de 3,25% no ano.

O Produto Interno Bruto (PIB) do 1º trimestre de 2023 foi divulgado no dia 1º de junho e também surpreendeu. A atividade econômica do País cresceu 1,9% em relação ao trimestre anterior e 4% quando comparada ao mesmo período de 2022. O desempenho acima das expectativas foi puxado principalmente por um resultado expressivo da agropecuária brasileira, setor menos sensível aos ciclos econômicos restritivos, como o atual.

 “A safra recorde de grãos teve papel protagonista no período recente”, afirma Caio Megale, economista-chefe da XP, em relatório. “A desaceleração do consumo ocorre de forma mais suave do que inicialmente projetado, em linha com a resiliência do mercado de trabalho e as maiores transferências governamentais de renda.”

Todas essas boas notícias embalaram uma série de revisões nas projeções para o cenário macroeconômico. No primeiro Boletim Focus de 2023, por exemplo, as expectativas para a inflação até o fim do ano eram de 5,36%. O consenso para o PIB, por sua vez, era de uma ligeira alta de 0,78%, enquanto o dólar deveria chegar a R$ 5,28 em dezembro.

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A visão para o macro chegou a piorar no mês de março, mas agora as perspectivas mudaram para melhor. O último Focus, publicado em 26 de junho, trouxe uma projeção de 5,06% para o IPCA; uma alta de 2,18% para o PIB; e um câmbio de R$ 5 até o fim do ano.

O toque final que ajudou a soterrar o pessimismo inicial do mercado com o primeiro ano do terceiro mandato de Lula foi a elevação da nota de crédito do Brasil. No meio de junho, a agência internacional de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou a visão para o País de “estável” para “positiva”.

Lula teve sorte?

A rápida melhora no cenário macroeconômico e do humor do mercado fez muitos ventilarem a ideia de que Lula tem "sorte". Para Flávio Conde, analista da Levante Ideias de Investimentos, o salto do Ibovespa e a revisão das projeções tem mais a ver com o excesso de pessimismo na Bolsa, que levou a uma depreciação exagerada dos ativos no 1º tri do ano.

Ele diz que os agentes econômicos ainda não souberam como “jogar o jogo de Lula”. Por isso, quando o petista começou a fazer discursos inflamados contra o controle fiscal e a criticar a autonomia do Banco Central, o pânico se alastrou com mais intensidade do que deveria. Depois, quando ficou mais claro que boa parte do discurso não seria posto em prática, o ajuste veio forte nos preços.

“Lula usa durante a campanha um discurso para ganhar votos e bate bastante no mercado, fala de intervenção do governo em setores, que é absurdo a Petrobras distribuir tantos dividendos e etc. Tudo isso para depois não fazer ou mudar o tom”, diz Conde. “O mercado sempre cai nesse discurso eleitoreiro que Lula faz.”

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André Perfeito, economista pela PUC/SP, também tem essa visão. “O mercado tem uma leitura muito ingênua do Lula. Ele sempre faz esse jogo de bate e assopra”, afirma. “Fico impressionado, o mercado por vezes não entende o jeito de Lula operar a política, até porque é o terceiro mandato. Já era para estarmos mais atentos.”

Quando o assunto são os indicadores econômicos, os números ruins do início do ano passado também ajudaram a “engordar” os resultados atuais. “A expectativa de crescimento de 2% para o PIB em 2023, por exemplo, não é nada estupenda. A base de comparação está tão deteriorada que subir qualquer coisa fica fácil”, diz Perfeito.

Se o mercado exagerou no pessimismo em função dos discursos de Lula, a prática do governo foi em outra direção. Apesar de todos os ruídos em torno da substituição do teto de gastos, o novo arcabouço fiscal foi desenhado, encaminhado ao Congresso, aprovado na Câmara e agora está no Senado. Inclusive, neste âmbito de interlocução com os congressistas, a atuação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), vem agradando os investidores.

“Um dos principais destaques desses seis meses é o ministro Haddad. A atuação dele quebrou um pouco da desconfiança do mercado, porque ele entrou em campo trazendo uma agenda que não sinalizava para um descontrole dos gastos públicos, como havia um certo receio”, diz Erich Decat, head do time de análise política da corretora Warren Renascença e colunista do E-Investidor.

Mário Lima, analista político da Medley Advisors, vê os piores cenários sendo abandonados com a aprovação do arcabouço fiscal. "Haddad tem feito uma interlocução muito boa com o mercado, além de um trabalho muito correto na relação com o Banco Central. Ainda que haja críticas de parte a parte, pelo menos há um trabalho um pouco mais racional.”

A Faria Lima "fez o L"

Indicadores econômicos mais positivos somados à aprovação do arcabouço fiscal no Congresso criaram um ambiente favorável para que o mercado passasse a precificar o início do ciclo de cortes na taxa Selic, estacionada em 13,75% ao ano desde agosto de 2022.

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A expectativa agora é que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central efetive pela primeira redução de juros em mais de dois anos no Brasil já na próxima reunião do grupo, marcada para os dias 1º e 2 de agosto.

O entendimento de que os juros finalmente poderão ser reduzidos impulsionou ainda mais essa virada de chave no mercado brasileiro. Se o primeiro trimestre do ano foi marcado por uma queda expressiva na Bolsa, o segundo foi de reversão do pessimismo anterior.

O Ibovespa caía 7,16% até o dia 31 de março, aos 101.882,20 pontos – o 4º pior desempenho para um primeiro trimestre do ano desde 1995. De lá para cá, no entanto, o índice não só reverteu as perdas como conseguiu acumular uma valorização de 6,33% aos 116.681,32 pontos até o fechamento desta quarta-feira (28), nas vésperas do encerramento do semestre.

Em uma sequência de nove semanas consecutivas de alta – um movimento que não era visto na Bolsa desde 2016 – o Ibovespa chegou a flertar com os 120 mil pontos durante alguns pregões.

“Essa melhora é fruto de uma soma desses fatores”, diz Ricardo França, analista da Ágora Investimentos. “A aprovação do arcabouço, uma inflação mais benigna e as expectativas de queda de juros no 2º semestre. Isso naturalmente ajudou na redução do prêmio de risco e os ativos tiveram que precificar essa nova realidade.”

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O rali foi ainda maior para aquelas ações de empresas que vinham muito descontadas na Bolsa, seja por estarem em setores ligados à economia doméstica, seja por serem mais dependentes de crescimento. O Índice de Small Caps (SMLL), por exemplo, subiu 21,21% no segundo trimestre de 2023.

Já o IFIX, índice de Fundos Imobiliários, subiu 13,02% no trimestre, marcando a volta dos FIIs de tijolo, que foram deixados de lado durante o ciclo de alta de juros. Os dados foram levantados por Einar Rivero, do TradeMap.

E não foram só os ativos da renda variável que atingiram patamares não vistos desde meados de 2022. A cotação do dólar, que iniciou 2023 em R$ 5,23, também caiu a seu menor valor desde maio do ano passado, batendo os R$ 4,77 neste mês de junho. Como explicamos nesta reportagem, trata-se de uma queda semestral no câmbio que não acontecia há 7 anos no mercado brasileiro e que acontece também na esteira de perspectivas melhores para a macroeconomia do País.

O que esperar do 2º semestre

A continuidade do bom humor no mercado brasileiro dependerá, sobretudo, do Banco Central brasileiro. Passado este movimento de reprecificação das expectativas, agora a Bolsa e os ativos de renda variável vão depender do efetivo corte na Selic para seguir a trajetória positiva. E, ao que tudo indica, isso deve acontecer em breve.

Ricardo França, da Ágora, destaca que um movimento de realização ainda pode acontecer no curto prazo, mas que do ponto de vista de valuation a Bolsa está barata e tem mais espaço para subir.

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“Ainda negociamos a um preço/lucro inferior a oito vezes, bem abaixo da média histórica, a nossa bolsa ainda é uma das mais baratas do mundo. Mas para que continue numa trajetória mais favorável, é preciso de alguns novos direcionadores, como a clareza em relação ao início do corte de juros”, explica.

Um outro ponto na discussão político e econômica também deve estar no radar dos investidores: a reforma tributária. O tema é tido como uma das prioridades do governo e deve movimentar a agenda em Brasília. Como mostramos aqui, o texto preliminar prevê a simplificação de impostos federais; o que é bem visto por agentes do mercado como uma maneira de melhorar o sistema tributário do País.

“Finalmente teremos no segundo semestre a discussão, votação e provavelmente aprovação das duas pernas da reforma tributária e de algumas outras medidas que o governo mandou para recompor a arrecadação”, destaca Mário Lima, da Medley Advisors.

Com o arcabouço aprovado, a discussão tributária em jogo e um provável corte na Selic, os prognósticos para o 2º semestre de 2023 são bem mais positivos do que aqueles inicialmente feitos para o 1º semestre. “Óbvio que podemos ser impactados por efeitos externos – a China crescendo muito menos, os Estados Unidos em uma recessão, a guerra na Ucrânia se complicando. Mas, tudo mais constante, a tendência é sim a bolsa de valores a receber um fluxo maior”, diz Lima.

 

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