Como parte do Chapter 11 (plano de recuperação judicial nos Estados Unidos), a Gol recebeu um aumento de capital de R$ 12 bilhões, que envolveu a emissão de 8,1 trilhões de ações ordinárias (a R$ 0,00029 por ação) e 968 bilhões de ações preferenciais (a R$ 0,01 por ação).
Essa capitalização, segundo os cálculos do BTG Pactual, pode resultar em uma diluição acionária expressiva de 99,8%. Isso significa que, em uma situação hipotética, um investidor que antes detinha 100% da companhia aérea passaria a ter apenas 0,2%.
Ainda de acordo com o BTG, mesmo após a reestruturação, a alavancagem da empresa permanecerá elevada, em 5,4 vezes, considerando a medição realizada pela relação do valor da companhia (EV) sobre o lucro antes dos juros, tributos, depreciação e amortização (Ebitda). Além disso, o grupo Abra passará a controlar 80% da Gol.
O Dia D da Gol
Em 12 de junho, a Gol enfrentou um dia decisivo. Na data, a empresa estreou seus novos tickers – GOLL53 para ações ordinárias e GOLL54 para preferenciais –, além de ter passado a operar em lotes padrão de 1 mil ações, algo incomum na Bolsa brasileira.
“Normalmente, o mercado trabalha com lotes de 100 ações. Mas, neste caso, o entendimento foi de que o preço de tela ficaria muito baixo com esse padrão, aumentando o risco de especulação”, explica Danielle Lopes, sócia e analista da Nord Investimentos.
Segundo a especialista, quando o preço da ação é muito baixo, as distorções dificultam a leitura do mercado. O investidor não consegue saber se a movimentação reflete apenas operações especulativas ou uma real confiança nos fundamentos da empresa.
Nem o lote de 1 mil ações, no entanto, foi suficiente para evitar o salto das ações da Gol. No pregão de estreia do novo modelo, os papéis dispararam 1886%, tendo subido 250% na sessão seguinte.
No dia 12 de junho, o valor de mercado implícito da companhia aérea atingiu R$ 240 bilhões, considerando a nova quantidade de ações, o que colocou a Gol como uma das empresas mais valiosas do Brasil, perto de nomes como Weg (WEGE3), Localiza (RENT3) e Rumo (RAIL3).
Em relatório, o BTG Pactual destacou a distorção do movimento, já que a Gol acabou de deixar o Chapter 11. Para o banco, “algo claramente está fora do lugar” e a forte oscilação dos papéis pode estar relacionada ao volume baixo de negociação das ações da empresa, o que tem impedido o mercado de fazer uma avaliação adequada da companhia.
O BTG também não descarta a possibilidade de que a conversão em novas ações tenha gerado alguma confusão. “Sabemos que o setor aéreo costuma envolver finanças complexas e que a Gol tem um histórico de estruturas financeiras complicadas, mas desta vez até nós ficamos impressionados com o tamanho da distorção”, diz.
Por que a alta das ações é “artificial”?
Quando as ações da Gol saltaram 1886% em um único pregão, alguns investidores se empolgaram com a mudança, achando que realmente estava ocorrendo uma alta forte do ativo. Ao verem a cotação de R$ 204 no preço de tela, mostraram ânimo e uma certa “confusão” em fóruns e redes sociais.
“O que houve, na verdade, foi apenas um rebalanceamento das ações da companhia, muito próximo ao que acontece quando um ativo passa por um processo de desdobramento ou grupamento”, afirma Vitor Agnello, analista educacional da CM Capital.
No desdobramento, ocorre a divisão de uma ação em várias, o que faz o preço do ativo diminuir. Já no grupamento, é o contrário: várias ações são reunidas em uma só, ampliando a cotação do papel.
No caso da Gol, o que mexeu com os preços foi o novo lote padrão de 1 mil ações. A mudança, segundo Agnello, partiu de uma decisão da própria B3 para evitar especulações e tornar o ambiente de negociação mais seguro, principalmente para investidores de varejo.
Para calcular o valor unitário da ação, o investidor deve dividir o preço de tela por 1 mil. Ou seja, se GOLL54 aparecer cotada a R$ 230, como acontece agora, o valor real por ação é de R$ 0,23.
Fazendo esse cálculo, o investidor consegue perceber que, na verdade, o papel caiu desde o dia 11 de junho, quando ainda era negociado como GOLL4. Na data, ele fechou o dia a R$ 0,79. De lá para cá, o tombo foi de 70,89%.
Daniel Nogueira, coordenador de distribuição da InvestSmart XP, enxerga que as mudanças geraram dúvidas entre os investidores pessoa física. “Muitos pensaram que as ações estavam se valorizando de forma descomunal, quando, na prática, os fundamentos da empresa continuam frágeis, com alto endividamento e perspectiva de diluição acionária intensa”, afirma.
Qual a diferença entre GOLL54 e GOLL2?
Além de GOLL54, um outro ticker novo apareceu no mercado: o GOLL2. Basicamente, ele representa o direito de subscrição que os acionistas antigos receberam para manter sua participação acionária na empresa diante da diluição gerada pelo aumento de capital da Gol.
Esse direito de subscrição se dá sempre que uma companhia decide colocar mais ações à venda na Bolsa de Valores. Nesse caso, ela é obrigada a dar preferência de compra dessas novas ações aos seus atuais investidores. A ideia é garantir que os acionistas tenham a opção de manter o mesmo nível de participação na companhia.
“Investidores relataram ter recebido GOLL2 em carteira automaticamente, mas muitos não compreenderam que esse papel ainda precisa de aprovação por parte do investidor, que deve decidir se irá efetivamente subscrever (comprar) as ações até a data-limite estabelecida, que é 14 julho de 2025”, afirma Jeff Patzlaff, planejador financeiro CFP e especialista em investimentos.
O que o investidor pode fazer com o direito de subscrição?
Para cada ação GOLL4 antiga, o acionista tem o direito de comprar 2.861 ações novas por R$ 0,01. Um investidor com 1 mil ações, por exemplo, recebeu 2.861.000 direitos de subscrição (GOLL2) após a reestruturação. Para manter seu percentual de participação na companhia, ele precisaria investir R$ 28.610 adicionais. Veja o cálculo:
- 2.861.000 (direitos de subscrição) x R$ 0,01 = 28.610.
Como os papéis da Gol eram negociados próximos a R$ 1, o mesmo investidor com 1 mil ações tinha uma posição equivalente a R$ 1 mil anteriormente. Agora, tendo que gastar R$ 28.610, ele precisaria investir 28 vezes mais do que já havia aportado. “A emissão trilionária de ações provocou uma diluição tão intensa que, na prática, os acionistas minoritários foram quase totalmente apagados da base societária”, diz Nogueira, da InvestSmart XP.
O especialista afirma que existem três possibilidades para os antigos acionistas. Uma seria exercer os direitos de subscrição, como explicado acima. Essa opção faz sentido se o investidor acredita que a Gol vai se recuperar no longo prazo e que as ações a R$ 0,01 estão baratas em relação ao valor futuro. “Porém, há alto risco: a Gol tem histórico de finanças complexas, alta alavancagem e margens pressionadas”, ressalta.
Outra alternativa é vender os direitos, medida recomendada para quem não quer se expor ao risco elevado da empresa ou não deseja imobilizar capital. Como GOLL2 é negociável na Bolsa, então pode gerar um pequeno retorno imediato.
Agora se o investidor não fizer nada, os direitos expiram sem valor após 14 de julho. “Nesse caso, a participação do investidor será diluída de forma drástica, praticamente sem relevância na estrutura societária da Gol”, pontua Nogueira.