- Em relatório divulgado na quarta-feira (2), o JP Morgan apontou que a XP, que tem participação de mais de 20% no mercado, poderia criar uma segunda Bolsa de Valores no Brasil
- A análise partiu da saída recente do presidente do Banco XP, José Berenguer, do Conselho da Administração da B3
- Questões de liquidez e infraestrutura são preocupações em um eventual surgimento de uma nova B3
Para muitos investidores pode parecer esquisito, mas faz pouco tempo que o Brasil possui apenas uma Bolsa de Valores. Até meados dos anos 2000, ainda existia a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) e, antes disso, dezenas de outros ambientes de negociações em outros estados. A unificação transformou a atual B3 (B3SA3) no maior mercado organizado da América Latina – mas isso não afasta a possibilidade do aparecimento de concorrentes.
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A eventual criação de uma ‘nova B3’ é discutida há algum tempo por especialistas e o debate foi reavivado recentemente pelo banco JP Morgan. Em relatório divulgado na quarta-feira (2), a instituição apontou que a XP, que tem participação de mais de 20% no mercado, poderia criar uma segunda Bolsa de Valores no Brasil. A análise partiu da saída recente do presidente do Banco XP, José Berenguer, do Conselho da Administração da B3.
Segundo os analistas do JP Morgan, não é comum que a companhia com maior relevância em operações com ações não tenha um representante no conselho da Bolsa. Além disso, deixar o cargo no órgão abriria caminho para a XP abrir o próprio ambiente de negociações, sem acusações de conflito de interesses.
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“Estimamos que o XP pagou ou foi responsável por aproximadamente R$ 500 milhões em geração de receita para B3 em 2020. Assumindo 80% de margem de câmbio, isso implicaria impacto de R$ 300 a 400 milhões no EBT (indicador de lucro operacional)”, afirma o JP Morgan, em relatório.
A instituição financeira rebaixou a recomendação para as ações da B3 (B3SA3) de ‘compra’ para ‘neutro’, indicando desaceleração do volume de negociações e riscos relacionados à competição. No México, por exemplo, o surgimento da Bolsa Institucional de Valores (Biva) teve impacto de 30% na Bolsa já existente, a Bolsa Mexicana de Valores (BMV).
Segundo informações do Estadão, entretanto, a ideia da XP na verdade está voltada para a criação de uma nova plataforma de criptomoedas. Mas quais poderiam ser os impactos do surgimento de uma segunda ‘B3’?
Liquidez e infraestrutura são preocupações
De acordo com Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos, um dos fatores mais importantes a se analisar na eventual criação de uma nova Bolsa seria o volume financeiro das negociações. A liquidez do mercado, teoricamente, seria dividida e assim o ambiente de negócios mudaria radicalmente.
“Esse fator é bem importante para os investidores, porque possibilita maior equilíbrio entre oferta e demanda nos negócios (ações, câmbio, commodities e etc), aumentando o risco na liquidez no momento da compra ou venda. Isso impactaria o controle operacional dos investidores”, explica Chinchila.
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Essa também é a visão de Tiago Borges, superintendente de produtos digitais da Ágora Investimentos. “O ponto chave é o quanto uma nova bolsa seria capaz de redefinir a liquidez do mercado de ações, visto que em teoria existiria uma pressão para redução dos custos operacionais”, afirma.
A pressão para a redução dos custos viria, justamente, da concorrência. Atualmente, a B3 atua como um monopólio, mas caso apareça uma segunda bolsa com menores tributos cobrados nas negociações e um operacional mais eficiente, poderia haver migração de corretoras e de investidores, para o novo ambiente de negociações.
“A nova bolsa provocaria toda uma reorganização da camada de serviços”, explica Borges. “Em um cenário em que um mesmo ativo está hipoteticamente disponível nas duas bolsas, seria necessário que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) passasse a disponibilizar meios de garantir a devida visibilidade do preço dos ativos no mercado.”
Portanto, as questões regulatórias e de infraestrutura seriam os principais entraves para que um novo mercado organizado seja criado. Nos EUA, por exemplo, existe o Consolidated Tape Association (CTA), um canal que agrega os negócios em todas as bolsas, de forma a consolidar a visibilidade de liquidez
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Atualmente, alguns sistemas necessários para qualquer empresa atuar como bolsa de valores estão sobre o controle da B3. A câmara de compensação e liquidação de ativos, chamada de ‘clearing’, por exemplo, é um deles. Por determinação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a ‘Brasil, Bolsa, Balcão’ deve fornecer acesso a essas tecnologias a qualquer interessado em atuar no segmento.
Mesmo assim, entrar nesse mercado é uma missão bastante complexa. “Existiu há alguns anos uma disputa em torno da clearing da B3 em câmara de arbitragem. A CVM até soltou alguns pareceres que acabaram facilitando esse acesso à clearing, mas é difícil prever como aconteceria a entrada de um novo participante”, afirma João Freitas, analista da Toro Investimentos.
A disputa aconteceu com a Americas Trading System (ATS) Brasil em meados de 2017. A companhia acusou a B3 de cobrar preços muito acima dos praticados internacionalmente para fornecer o acesso aos serviços e dados necessários para a criação de uma nova bolsa.
Em 2019, B3 e ATS chegaram a um acordo, em que a primeira cobraria uma taxa de 0,26 pontos-base para as transações processadas pela possível concorrente.
Recomendações para B3SA3
Face aos rumores de concorrência à vista no setor, os especialistas não têm visão única sobre os papéis. Para Chinchila, a B3 tem muito espaço para crescimento e, como empresa, ainda atrai muitos acionistas interessados em geração de patrimônio e rentabilidades por dividendos. “Por isso, mantemos nossa recomendação de compra para B3SA3, com preço-alvo de 12 meses em R$ 24,50”, explica.
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Já Freitas vê o ativo com mais cautela. “Não temos o ativo em nenhuma das nossas carteiras”, afirma. “Acreditamos que a empresa veio de um momento muito bom e que o mercado já tinha embutido no preço expectativas relevantes de crescimento.”
No ano, B3SA3 cai 19% em 2021, face a uma valorização de 8,96% do Ibovespa e recuperação do mercado como um todo. Segundo Chinchila, as ações estão em descompasso com uma eventual retomada econômica, então há uma oportunidade interessante pelos papéis estarem, teoricamente, desvalorizados.
“B3 segue entre as mais recomendadas pelos analistas, e o desempenho está em descompasso. Também por isso consideramos uma oportunidade de médio e longo prazo”, afirma o especialista da Terra Investimentos.
O ativo também se valorizou bastante no ano passado (50,26%), frente ao fraco desempenho do Ibovespa no período (2,92%), o que pode justificar a correção dos preços em 2021.
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