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‘Existem algumas falácias de que abrir capital fora é mais barato; mas não é’, diz CEO da B3

Para Gilson Finkelsztain, os setores elétrico, saúde, varejo e agronegócio devem se destacar na Bolsa

‘Existem algumas falácias de que abrir capital fora é mais barato; mas não é’, diz CEO da B3
Gilson Finkelsztain, CEO da B3. (Foto: Cauê Diniz/Divulgação)
  • A B3 registrou a chegada de 1,571 milhão de novos investidores investidores em 2020, atingindo a marca de 3,261 milhões ao final de dezembro passado. Em 2019, eram 1,690 milhão. Em 2017, quando Finkelsztain assumiu a presidência da bolsa, eram 619 mil
  • Os números também foram animadores para o caixa da companhia. O lucro líquido consolidado em 2020 foi de R$ 4,152 bilhões, um crescimento de 52,98% na comparação com o lucro de R$ 2,714 bilhões em 2019
  • Para Finkelsztain, além do setor elétrico, saúde, varejo, agronegócio e tecnologia devem se destacar na Bolsa em 2021

Apesar da crise global gerada pela pandemia da covid-19, a Bolsa brasileira registrou bons números em 2020. Boa parte desse sucesso deveu-se ao boom de novos investidores pessoa física na B3 (B3SA3), que buscaram ganhos maiores na renda variável, uma vez que os juros no piso histórico deixaram a renda fixa no vermelho. Para Gilson Finkelsztain, CEO da companhia, esse movimento deverá continuar em 2021.

“Existe um número entre seis e sete milhões de brasileiros que têm investimentos em renda fixa, e há cerca de dez milhões de investidores que têm mais de R$ 5 mil na poupança. Olhando esse universo de 16 milhões, ainda tem muito campo para que esses investidores diversifiquem e apliquem em renda variável”, afirma Finkelsztain, em entrevista exclusiva ao E-Investidor.

A B3 registrou a chegada de 1,571 milhão de novos investidores investidores em 2020, atingindo a marca de 3,261 milhões ao final de dezembro passado. Em 2019, eram 1,690 milhão. Em 2017, quando Finkelsztain assumiu a presidência da bolsa, eram 619 mil.

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Os números também foram animadores para o caixa da companhia. O lucro líquido consolidado em 2020 foi de R$ 4,152 bilhões, um crescimento de 52,98% na comparação com o lucro de R$ 2,714 bilhões em 2019. A receita líquida consolidada fechou o ano passado em R$ 8,382 bilhões, uma alta de 41,89% ante os R$ 5.907 bilhões registrados no ano anterior.

Outro número que surpreendeu, devido à situação delicada da economia, foi o de novas companhias abrindo capital. Foram 28 ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), que movimentaram R$ 117 bilhões. Esse foi o maior volume, em termos de ofertas, desde 2007, quando a bolsa registrou 64 IPOs, com captação de R$ 55 bilhões.

“Estamos caminhando para um número recorde de IPOs neste ano. Ano passado foram 28 IPOs e 23 follow-on de empresas que já estavam listadas. Este ano vamos para um número entre 40 e 50 IPOs de novas empresas”, arrisca Finkelsztain, com base nas estimativas de bancos de investimentos.

Ainda que o número de novas ofertas não supere a marca de 2007, o CEO da B3 salienta que a nova safra é de maior qualidade, devido à diversidade geográfica das empresas, dos setores e até do volume das captações. Para Finkelsztain, além do setor elétrico, devem se destacar na bolsa em 2021 saúde, varejo, agronegócio e tecnologia.

Nesta entrevista exclusiva, o executivo também comenta sobre casos polêmicos recentes, como da GameStop nos Estados Unidos e da Petrobras no Brasil, a possibilidade de concorrência com novos players nas atividades da bolsa, e a atuação da companhia em 2021.

“A combinação desses 40 a 50 IPOs, em diferentes setores, tamanhos e diversidade geográfica é o grande destaque que vamos acompanhar ao longo deste ano.

E-Investidor – Apesar da crise, 2020 teve 28 IPOs, sendo o melhor ano desde 2007, quando houve 64 ofertas. Qual é a estimativa para 2021?

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Gilson Finkelsztain – Não fazemos estimativa, mas no ritmo que estamos vendo, e segundo as estimativas que escutamos de bancos de investimentos, estamos caminhando para um número recorde de IPOs neste ano. Ano passado foram 28 IPOs e 23 follow-on de empresas que já estavam listadas. Este ano estamos indo para um número entre 40 e 50 IPOs de novas empresas. O que é mais bacana é que os IPOs têm vindo em diferentes tamanhos, setores, uma diversidade geográfica grande. Até dois anos atrás, o IPO era sempre uma operação que tinha que ser multibilionária, um IPO médio tinha que ser acima de US$ 400 milhões, ou seja, R$ 2 bilhões.

Hoje em dia já se vê IPOs de 200, 500, 600 milhões de reais, de empresas do Nordeste, Centro-Oeste, Sul, dos setores de tecnologia, que é o grande destaque, do agronegócio, da mineração. A combinação desses 40 a 50 IPOs, em diferentes setores, tamanhos e diversidade geográfica é o grande destaque que vamos acompanhar ao longo deste ano.

E-Investidor – Em 2007, foram 64 ofertas. Seria um recorde maior que este?

Finkelsztain – Tem potencial. Sujeito às condições de mercado, o que vemos é que este número está crescendo. Em fevereiro foram cerca de 14, e nessa janela que é a mais fraca, no início do ano, porque é um pouco mais curtinha. Agora terá uma janela maior, logo há chances de bater esse recorde, depende de como o mercado vai se comportar. Um destaque nessa agenda é que em 2007 o mercado interpreta que teve um pouco de euforia em alguns IPOs, muita concentração em alguns setores. Qualitativamente, esta safra atual, independente de se vai bater recorde ou não, parece melhor, tanto em termos de diversificação de setores quanto de tamanhos, atendendo algumas demandas de investidor em setores que estamos vendo que tem bastante interesse, como o de tecnologia embarcada.

E-Investidor – O senhor já declarou ser fã do setor de energia, o qual deverá expandir muito nos próximos anos na bolsa. Quais outros setores deverão aumentar presença na B3, considerando a atual conjuntura do País?

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Finkelsztain – É difícil destacar um setor só. Já começamos a ver algumas ofertas no agronegócio, e tende a continuar. O setor de saúde está muito forte, o setor de varejo também. Então saúde, varejo, agro e tecnologia são alguns dos setores que temos visto bastante demanda. Mas não descarto também que, com a retomada do crescimento econômico, tenha setores tradicionais acessando a bolsa.

E-Investidor – Existe alguma iniciativa, como o selo de confiança B3, criado para o setor elétrico, no sentido de atrair mais empresas de outros setores?

Finkelsztain – Sobre o selo do setor elétrico, ele não é para listagem. Achamos que um dia vai existir um mercado organizado de energia elétrica, como tem de dólar, câmbio e juros. Esse selo é para começar, de alguma forma, a dar um pouco de governança e transparência para a formação de preços de energia. Mas na tentativa de atrair mais empresas temos um grupo de cobertura, que está trabalhando principalmente no quesito de educar sobre as demandas de governança. Temos uma série de iniciativas com parceiros, como advogados, empresas de auditoria, consultoria, neste processo de educação. Ao longo deste ano pretendemos desenhar alguns produtos de prateleira, para que as empresas possam se educar nesse processo, antecipando este movimento de abertura de capital.

“Olhando esse universo de 16 milhões, ainda tem muito campo para que esses investidores diversifiquem e apliquem em renda variável.

E-Investidor – A bolsa viveu um boom de novos investidores no ano passado, mas houve uma desaceleração no início de 2021. Esse movimento deve ser forte de novo este ano?

Finkelsztain – Não sei dizer se o ritmo será o mesmo, mas me parece que continua. Tivemos um ritmo muito forte nos últimos 18 meses e dobramos o número de investidores de 1,5 milhão para mais três milhões. Há três, quatro anos, tínhamos perto de 500 mil investidores em renda variável. Existe um número entre seis e sete milhões de brasileiros que têm investimentos em renda fixa, e há cerca de dez milhões de investidores que têm mais de R$ 5 mil na poupança.

Olhando esse universo de 16 milhões, ainda tem muito campo para que esses investidores diversifiquem e apliquem em renda variável. Esse movimento que as corretoras vêm fazendo de democratização e simplificação de acesso dá uma boa pista de que isso vai se consolidar. Cada vez mais as pessoas estão se educando, se interessando, lendo, buscando mais informação. No nosso hub de educação, o número de novos cadastros, de jovens principalmente, continua crescendo muito. Então é uma tendência que vai ser percebida em 2021, e vamos ter sim um crescimento forte de investidores em renda variável.

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E-Investidor – A queda dos juros ajudou no crescimento de CPFs na bolsa. Com os juros voltando a subir, pode haver um retorno para a renda fixa? O que fará o investidor ficar no risco da bolsa?

Finkelsztain – O juro está em um patamar inferior do que o juro de equilíbrio, e foi uma resposta da política monetária para a pandemia. Vamos ter um movimento de normalização ao longo deste ano, em torno de 5%, conforme um certo consenso de mercado. Se este for o patamar onde o juro se estabiliza, ou seja, se não tiver nenhuma grande pressão inflacionária que obrigue o juro a subir acima deste patamar de equilíbrio, isso não é problema. Se houver uma pressão inflacionária muito elevada e o juro real chegando a níveis que vimos de 3%, 4%, seja por um repique inflacionário ou por uma preocupação de que não vai haver compromisso fiscal, aí temos um risco de desaceleração nesse crescimento do mercado de capitais.

“Esse movimento de GameStop e IRB reforçou nossa visão de que nossa regulação e infraestrutura estão em um estágio de desenvolvimento e maturidade maior.

E-Investidor – O caso GameStop gerou algum tipo de mudança na B3 em termos de segurança?

Finkelsztain – Esse movimento reforçou que temos um mercado bem mais regulado e protegido do que os globais. Porque nós temos restrições que os mercados internacionais não têm e que protegem o investidor muito mais do que em outras jurisdições. Esse movimento de GameStop e IRB reforçou nossa visão de que nossa regulação e infraestrutura estão em um estágio de desenvolvimento e maturidade maior.

E-Investidor – Qual foi o recado que o episódio da Petrobras deixou para o mercado brasileiro?

Finkelsztain – Empresas de economia mista sempre foram questionadas. No momento em que uma companhia deixa de ser 100% estatal para ser uma empresa de economia mista, o tema que aparece sempre é a discussão sobre a governança e a maturidade da companhia em ter sócios privados na sua atuação. Não foi a primeira vez e provavelmente não será a última em que veremos episódios como esse.

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A lição que fica é quanto mais blindar a empresa em governança, para que ela fique menos suscetível a movimentos políticos, melhor é para a companhia e para os investidores, que não sofreriam potenciais oscilações de preço. Governança é super importante para todas as empresas, e principalmente as de economia mista, porque precisam se blindar contra influência política e qualquer ímpeto que possa vir do controlador.

E-Investidor – Isso tem a ver com a redução da participação do Estado, como tem sido proposto para a Eletrobras?

Finkelsztain – O governo quer fazer com a Eletrobras uma espécie de privatização via diluição de quantidade de ações. Ele quer passar a ser um investidor minoritário, que vai continuar sendo um investidor muito significativo, mas com menos de 50% das ações. Isso é uma boa prática. Não precisa vender toda a participação, pode ir diluindo, privatizando por etapas, garantindo que a empresa tenha uma governança muito sólida. Até porque essa é uma demanda dos investidores, que não querem interferências políticas ou trocas de planejamento estratégico repentinas. Esse plano da Eletrobras é bem interessante.

E-Investidor – Como a B3 vê e se prepara para a concorrência no País, já que a ATS Brasil tem planos de criar uma bolsa e recentemente a M2M recebeu aval inédito da CVM para funcionar como depositária de CRA’s?

Finkelsztain – Somos a única infraestrutura neste tamanho no Brasil, mas já temos bastante concorrência, porque estamos em um business global. Os nossos competidores acabam sendo as outras infraestruturas globais, dos Estados Unidos, da Europa, Ásia, que oferecem produtos de acesso, seja de derivativos, seja de ações. Se tivesse uma grande diferença de preços, certamente teriam investidores migrando para essas plataformas. A nossa grande resposta para a competição é o nosso foco no cliente.

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Se este estiver satisfeito com o que provemos, é pouco provável que ele migre para outra plataforma, seja ela no Brasil ou no exterior. E já tem algumas plataformas que competem com a B3, em mercado de balcão, mercado de registro de ativos. Quando a B3 se formou em 2017, fizemos um acordo com o Cade, temos um comitê e uma política de tarifação que é muito transparente para o mercado, e os preços da B3 são adequados para o tamanho do mercado brasileiro.

E-Investidor – Ter novos players pode reduzir os preços para os investidores?

Finkelsztain – O risco, muitas vezes, acaba sendo de aumentar os custos porque estamos inseridos em um negócio em que a escala faz muita diferença. Quando os intermediários precisarem se conectar com várias plataformas para fazer a mesma coisa, os custos podem ser de tal magnitude que podem aumentar os custos dos intermediários. Não é tão óbvio que tenha ganho imediato de ter um ou mais competidores em alguns mercados. Porque a infraestrutura e a conexão e tudo o que precisa de investimento para fazer isso acontecer pode onerar mais o usuário final, que no final das contas vai ter que pagar a conta. Já tivemos várias manifestações mundo afora, de que a entrada de uma nova bolsa não necessariamente baixou custos, e sim onerou mais o intermediário nos seus investimentos e nos seus custos variáveis de operação.

“Existem algumas falácias de que abrir capital fora é mais barato e não é. Abrir capital fora é mais caro, custo de observância é mais caro. O que sempre divulgamos é que faltava aqui demanda de investimento.

E-Investidor – Na concorrência internacional, como vê a abertura de capital de empresas brasileiras? Deve ser uma tendência?

Finkelsztain – Nós revertemos esse movimento. Existem algumas falácias de que abrir capital fora é mais barato, mas não é. Abrir capital fora é mais caro, custo de observância é mais caro. O que sempre divulgamos é que faltava aqui demanda de investimento, poucos investidores dispostos a comprar essas empresas. Esse era o motivo porque as empresas abriam capital fora, e não os custos ou a facilidade de acesso.

A maior prova é que houve um ou dois IPOs fora do Brasil nos últimos 14 meses e 28 aqui no Brasil em 2020. O que não queremos é uma arbitragem regulatória, que proíba o investidor brasileiro de fazer as coisas aqui na B3. Por algum tempo, era proibido de ter listado no Brasil uma empresa incorporada no exterior. Então, em breve, vamos ter aqui o BDR de várias dessas empresas que abriram capital fora e o investidor vai poder negociá-las no Brasil. Essa passa a ser a tendência, as empresas abrirem capital aqui e não fora.

E-Investidor – Em 2020, a bolsa flexibilizou o acesso a BDRs. O que os investidores podem esperar de novidades?

Finkelsztain – Os BDRs certamente vão ter uma evolução e um interesse cada vez maior. Temos visto um interesse crescente nesse tipo de produto, tem crescido bastante o investimento em ETFs. Fundos imobiliários também. Todos esses têm uma tendência de crescimento muito evidente, que se manifestou em 2020. Vemos uma agenda bastante forte para 2021, que são os temas de ESG, permeando esses produtos. Isso vai ganhar mais tração este ano, além dos IPOs de empresas de tecnologia. Em termos de produto, já temos futuro de ações, opções, enfim, um leque que vai continuar crescente, mas isso é à medida que o mercado vai evoluindo.

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