- Em março, investidores individuais deixaram saldo positivo de R$ 17,5 bilhões na Bolsa
- Nº de CPFs registrados na B3 saltou de 564 mil para 2,27 milhões em quatro anos
- Tendência é quantidade de pessoas físicas continuar crescendo na Bolsa, dizem especialistas
O furacão nos mercados financeiros globais parece não assustar investidores individuais no Brasil. Na contramão da crise do novo coronavírus, que derrubou o Ibovespa em 30% só em março, o grupo de pessoas físicas aumentou sua participação na B3 em 15% no mês – maior crescimento mensal da história.
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Enquanto os estrangeiros deixaram um saldo negativo de R$ 24,2 bilhões na Bolsa no último mês, os investidores individuais incrementaram R$ 17,5 bi no mesmo período em compra e venda de ações, de acordo com dados oficiais da B3. O engenheiro Yago Thomaz, de 27 anos, foi um deles: “Quando vi dois circuit breakers em um dia, pensei: essa é a hora de comprar mais”, conta o especialista em pricing da Rich’s, multinacional de produtos alimentícios.
Com um ano de experiência no mercado acionário, Thomaz tem concentrado boa parte seus ativos em bancos e nos setores de saneamento e de alimentos. “Claro que é preciso estudar e se preparar para entrar no mercado. Procurei investir em setores resilientes e empresas seguras para ter um bom retorno no longo prazo”, relata.
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No total de março, as pessoas físicas venderam R$ 111,2 bilhões e compraram R$ 128,7 bi. Já com os investidores de fora do País, a Bolsa perdeu R$ 375,7 bi e só recebeu R$ 351,5 bi em troca.
A participação do segmento de investidores individuais ainda é bem menor no volume total, exatamente um terço: 16% contra 48% de estrangeiros – o restante fica com instituições, clubes de investimentos, entre outros.
Mas a fatia do grupo cresceu bastante nos últimos quatro anos. A quantidade de CPFs registrados na Bolsa saltou de 564 mil, em 2016, para 2,27 milhões em março de 2020. “Hoje em dia existem muitos canais de informação, a gente é bombardeado pelo assunto o todo tempo, até em roda de amigos”, diz o engenheiro investidor.
O analista de mercado da Ágora Investimentos, Ricardo França, explica que a sequência de cortes da taxa Selic incentivou muitos brasileiros a trocarem a renda fixa pela variável nos últimos anos. “O novo cenário de juros baixos fez os investidores despertarem para a importância de diversificar seus investimentos”, afirma ele.
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Porém, esse movimento não está só associado à redução da Selic, que está em 3,75% ao ano, o menor patamar da história. Segundo França, empresas de diversos setores tiveram um crescimento bem destacado nesse período, o que também seduziu os investidores individuais que buscavam aumentar a rentabilidade.
Um apetite pré-crise
Antes da crise do coronavírus estourar, o vento era favorável aos navegantes da B3. Em 2019, as empresas de consumo e de planos de saúde, por exemplo, tiveram bom desempenho na Bolsa. As que mais cresceram nesses segmentos foram Via Varejo (154,44%) e Qualicorp (229,99%), respectivamente. As ações com maior alta no ano foram as do BTG Pactual, que subiram 238,53%. O Ibovespa cresceu 31,58%, encerrando aos 115 mil pontos em dezembro de 2019.
“As pessoas físicas acabaram tendo esse impulso porque não havia atratividade na renda fixa”, ressalta Ricardo França, analista da Ágora. “Era um momento positivo para investir na renda variável antes do coronavírus chegar.”
O analista de mercado da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, lembra que este momento de crise é novidade para a maioria dos investidores individuais. Até agora, boa parte só havia surfado a onda de crescimento da Bolsa. “Esse período de volatilidade forte assusta, especialmente os novatos, que só viam o rendimento da B3 crescer”, diz ele.
Apesar do choque com a queda repentina no valor das ações, o especialista conta que seus clientes, assim como todos os investidores individuais, se viram encurralados. “Do mesmo jeito que a Bolsa traz dúvida e incerteza, a renda fixa ou a poupança também vão gerar perda de patrimônio”, diz o analista.
Segundo Arbetman, a saída é ter paciência e não fazer nenhum tipo de movimento brusco no atual cenário. “Com a atual taxa de juros, inflação estabilizada e o câmbio nesse patamar, outros investimentos deixam de ser atrativos. Isso pode ajudar a reter mais gente na Bolsa”, avalia ele.
Para Sandra Peres, analista da Terra Investimentos, a partir de agora o investidor vai precisar analisar a fundo as empresas em que apostar. “Mesmo com a crise, os produtos de primeira necessidade e voltados para o mercado interno continuarão sendo demandados.”
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Por ora, as apostas mais seguras na Bolsa são nos setores de alimentos, saneamento e os bancos. Os mais prejudicados, segundo a analista, são turismo e aviação e as gigantes Vale e Petrobras, devido à iminente queda nas exportações e à fuga do capital estrangeiro.
Como foi na crise de 2008?
Neste momento de caos nas bolsas de valores mundiais, é impossível não lembrar da crise de 2008. Se atualmente o problema foi causado por um agente externo, como é o caso da propagação do Sars-CoV-2 (nome científico do novo coronavírus), há 12 anos o colapso teve origem na bolha imobiliária, que levou diversos bancos, como o Lehman Brothers, à falência.
Naquela época, os brasileiros ainda começavam a navegar nos mares do mercado acionário. Em 2007, a quantidade de CPFs registrados na Bolsa era de cerca de 457 mil, quase um quinto do número atual.
Quando a crise bateu à porta, no ano seguinte, não houve o mesmo movimento que vemos em 2020 por parte dos investidores individuais. Embora não tenha ocorrido uma fuga de capitais como se imagina, o saldo entre compras e vendas, que seguia um patamar positivo ou mais próximo de zero, foi negativo no final do ano de 2008, no pior momento para a bolsa brasileira após a crise.
Em dezembro daquele ano, quando o Ibovespa teve máxima de 39,9 mil pontos no mês depois de chegar ao patamar dos 70 mil pontos em maio, o saldo entre compras e vendas de pessoas físicas foi de 1,3 bilhão negativo. Em maio, o resultado havia sido de R$ 1,6 bilhão positivo.
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O processo de retomada não demorou. A Bolsa se recuperou ao longo de 2009 e chegou a 69 mil pontos em dezembro. Com isso, as pessoas físicas não deixaram de investir na renda variável. “A Bolsa apresenta bons resultados desde 2007. O movimento de migração começou nessa época”, recorda Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Como estará a Bolsa daqui a um ano?
A atual conjuntura, com perspectiva de juros mais baixos por um bom tempo, deve contribuir para ampliar ainda mais a participação dos investidores individuais na B3. É o que aponta França, analista da Ágora. “A tendência de longo prazo é de aumento de pessoas físicas na Bolsa”.
A manutenção da Selic em um patamar baixo para os padrões brasileiros pode deixar os investidores adaptados à volatilidade da renda variável, que, em médio e longo prazo, será mais lucrativa do que a renda fixa.
“Ainda há espaço para novos entrantes como pessoa física na Bolsa”, indica França. Ao comparar o mercado acionário do Brasil com o de países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, ele lembra que ainda temos muito chão a percorrer. “Temos um número muito pequeno, só 2,2 milhões de CPFs em uma população de 210 milhões. À medida que aprimoramos as condições de mercado, mais pessoas físicas vão entrar.”
Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, concorda. O analista lembra que existe uma gama de produtos além das ações que tendem a crescer e a agradar diferentes gostos, como os fundos imobiliários, por exemplo.
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O especialista não arrisca qual será a quantidade de CPFs na B3 daqui a um ano, mas acredita que será maior que a atual: “A crise vai acabar tendo um papel muito didático, mostrando como é importante buscar ser efetivo com seus investimentos.”