- Ambiente atual dificulta a realização das reformas estruturais defendidas pelo Ministro da Economia. Pasta tem sofrido interferência da Casa Civil, autora do plano Pró-Brasil
- Apego de Guedes a uma visão liberal vai na direção contrária de outros países, que têm permitido maior presença do Estado para socorrer a economia na crise
- Eventual saída de Guedes ainda não foi precificada. Mas pode levar a cenário de estresse muito mais intenso que o atual, causado apenas pela demissão de Sérgio Moro
A demissão do Ministro da Justiça Sergio Moro, confirmada na manhã desta sexta-feira, acendeu várias luzes vermelhas no mercado financeiro. O dólar disparou, alcançando a nova máxima histórica de R$ 5,74, antes de fechar a R$ 5,66, e a Bolsa de Valores esteve próxima de mais um circuit breaker, chegando a recuar 9,58%. Agora, o mercado passa a trabalhar com mais uma incerteza. O Ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ser o próximo a abandonar o barco.
Leia também
Para o analista Luís Sales, da Guide Investimentos, o cenário atual dificulta muito a realização das reformas estruturais que sempre foram defendidas pelo titular da pasta.
“Essas reformas são impopulares e exigem um apoio político alto. E o presidente Jair Bolsonaro está acuado, com popularidade baixa, então a agenda de Guedes não faz mais sentido nesse momento”, explica. “Além disso, a Casa Civil tem feito intervenções maiores e Guedes é um cara técnico, que não aceita interferências em seu trabalho. Ele não tem nenhuma razão para ficar.”
Retórica liberal tende a perder espaço
A eleição de Bolsonaro foi ancorada em um tripé formado com Sergio Moro e Paulo Guedes, vendidos como “superministros”. Com Moro abatido, as atenções se voltam ainda mais para a economia. Mas, na visão do analista Guto Ferreira, da Solomon’s Brain, a condução da pasta de Guedes tende a se afastar cada vez mais da estratégia imaginada pelo seu titular.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
“Paulo Guedes ficou apenas com o ônus. O dólar bate nos R$ 6, a Bolsa despenca e não há um plano de produtividade para o País. A indústria nacional foi colocada em escanteio e a área militar defende uma visão desenvolvimentista herdada da época da ditadura, pautada apenas em obras públicas”, descreve.
Ele acrescenta que o apego do ministro a uma visão liberal da economia está em desacordo com esse momento de crise aguda, em que todas as grandes potências mundiais seguem uma direção keynesiana, com maior presença do Estado.
“Guedes é o único que segue na contramão. Ele é um gênio da macroeconomia, mas o que move o País é a microeconomia, e essa não é a praia dele”, afirma. “O Brasil precisa de mais intervenção e a equipe dele não aceita isso. O pequeno empresário, o empreendedor, o cara de Paraisópolis e o food truck precisam da ajuda do Estado agora.”
Apesar disso, Ferreira não acredita que o atual ministro da Economia deixará o cargo agora. “Ele não vai querer dividir os holofotes com o Sérgio Moro. De setembro, ele não passa”, aposta o analista.
Troca de ministro seria inoportuna
A divulgação do plano emergencial Pró-Brasil foi feita pela equipe da Casa Civil, chefiada pelo general Walter Braga Neto, sem a participação de Paulo Guedes. Muitos viram nisso um indício de que uma ruptura estava iminente. Mas o chefe de análises da Toro Investimentos, Rafael Panonko, não fez essa leitura.
Publicidade
“Não vejo isso como um desacordo. Para mim, não há um sinal de alerta ligado e, hoje, não trabalho com a demissão de Guedes no horizonte”, afirma.
Ele reconhece, porém, que uma eventual debandada do ministro seria problemática para a economia do País. “É como trocar o técnico do time nas eliminatórias”, compara. “É muito ruim ter trocas importantes neste momento, isso provoca uma desaceleração e atrasos. Tudo o que Guedes vem realizando fica suspenso até que o sucessor decida o que fazer.”
Guide: A tendência do investidor é fugir do risco Brasil e apostar em mercados mais seguros
O ciclo de baixas no governo, iniciado com a destituição de José Henrique Mandetta da pasta da Saúde e retomado com a demissão de Sérgio Moro, envia para o mercado um sinal negativo, que seria acentuado com a saída de Guedes.
“Fica a impressão de um barco desgovernado. Dólar alto, dinheiro deixando o País, cenário internacional já estressado pelo coronavírus, e a política interna não ajuda”, diz Luís Sales, da Guide. “A tendência do investidor é fugir do risco Brasil e apostar em mercados mais seguros.”
O ‘risco Guedes’ ainda não foi precificado
Em uma possível saída de Paulo Guedes do governo, os especialistas vislumbram um cenário de maior estresse do mercado. O aumento da percepção de risco levaria a Bolsa a cair, a cotação do dólar a disparar e os juros a subirem.
Os especialistas garantem, no entanto, que esse eventual “risco Guedes” ainda não foi precificado. Em outras palavras, a turbulência que o mercado financeiro atravessou hoje é efeito apenas da demissão de Sérgio Moro.
Publicidade
“A Bolsa passou de 9% de queda, mas depois retomou o fluxo comprador. Se Guedes sair, a conta vai ser bem mais cara. Isso sim vai puxar o mercado para baixo”, afirma Rafael Panonko, da Toro. “A saída de Sérgio Moro provoca uma crise de confiança, mas não faz diferença economicamente. Mas com a saída do ministro da Economia, que é quem dita os rumos, aí você tem um ponto crítico”, diz.
Ferreira tem a mesma opinião. “De ontem para hoje, com a demissão de Sérgio Moro, o dólar na ponta (para o consumidor final) bateu em R$ 7. E isso não teve nada a ver com Guedes, ele continua ali. O que está sendo precificado hoje é a política, não a economia”, acredita. “A gente não viu nada ainda: se cair o Guedes, vamos ter dois circuit breakers no mesmo dia.”