- As ações do setor elétrico já sofreram o impacto durante a crise hídrica e, agora, não há mais espaço para desvalorização, afirma especialista
- Para especialistas, a redução do pacote de socorro é positiva no curto prazo, e sinaliza que o período chuvoso está ajudando na recuperação do caixa das empresas de distribuição de energia, o que diminui a necessidade de ajuda por parte do governo
A melhora nos reservatórios das usinas hidrelétricas nos últimos meses por causa do período de chuvas pode fazer com que o socorro financeiro ao setor elétrico caia de R$ 15 bilhões para R$ 4,5 bilhões. O redimensionamento no valor da operação foi antecipado pelo Estadão/Broadcast na segunda-feira (17), mas ainda não foi oficializado.
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Para especialistas, a redução do pacote de socorro é positiva no curto prazo, e sinaliza que o período chuvoso está ajudando na recuperação do caixa das empresas de distribuição de energia, o que diminui a necessidade de ajuda por parte do governo. “O que de certa forma é um problema social, para os reservatórios hídricos é uma excelente notícia. A palavra racionamento desapareceu por causa da chuva”, afirma o analista da Perfin, Marcelo Sandri.
Com a recuperação do nível dos reservatórios das hidroelétricas, parte do parque de geração de energia térmica – que estava acionado com capacidade máxima em 2021 – começou a ser desligado. O analista explica que a produção de energia via termelétricas caiu de 20 GWh (gigawatts-hora) em setembro do último ano para cerca de 11 GWh, produzidos atualmente.
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Como a bandeira de escassez hídrica na conta de luz deve permanecer até abril, conforme previsto em decreto, as distribuidoras estão conseguindo recuperar parte do caixa que perderam, já que os custos da energia diminuíram enquanto as receitas seguem a tarifa emergencial.
“Como ainda estão arrecadando a mais com a bandeira de escassez hídrica, provavelmente devem chegar até o final de abril com uma necessidade de empréstimo menor. Daí que vem a redução do pacote de socorro”, explica Sandri.
Repasse nas tarifas
As empresas distribuidoras de energia, as quais se destina o auxílio por parte do Governo Federal, são intermediadoras entre as empresas produtoras de energia e o consumidor final. A margem de lucro, nesse caso, é gerada pela diferença do valor entre o custo da energia comprada pela empresa e a tarifa a ser repassada ao consumidor.
Pelo tipo de contrato que as empresas distribuidoras de energia têm com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), todo aumento no custo de energia comprada é repassado às tarifas em reajustes anuais, o que garante o equilíbrio econômico e financeiro da concessão.
No momento atual, em que as termelétricas – que custam mais do que as hidrelétricas para produzir energia – foram acionadas, essa margem diminuiu. Na prática, as distribuidoras têm que suportar esse aumento de preço no custo da energia até a data do reajuste.
Leandro Saliba, head de renda variável da AF Invest, esteve em contato com várias empresas do setor nas últimas semanas e afirma que a maioria não vai precisar do empréstimo. Na visão do especialista, esse também pode ser um dos motivos por trás do reajuste no valor do pacote de socorro.
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“É mais por estrutura de capital do que por melhora da crise hídrica. A gente conversou com várias, talvez a Light precise, outras menores também, mas várias outras maiores estão bem estruturadas e não vão pegar o empréstimo”, diz.
Sandri, da Perfin, concorda que o tamanho do desequilíbrio nas contas e, em consequência, a necessidade de empréstimo, varia de distribuidora para distribuidora. “O pacote de socorro também carrega custos, juros e encargos para o consumidor. Então quanto maior for a tarifa atual da distribuidora, mais complicado é você passar para a população um reajuste alto”, afirma.
Embora não altere o desempenho das empresas no longo prazo, Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap Investimentos, reforça a preocupação de que o pacote de socorro, no longo prazo, pode ser ruim no aspecto macroeconômico por alterar o movimento natural do mercado.
“Todas as vezes que você administra preços isso gera problema. Você distorce os sinais, desequilibra o balanço de oferta e demanda do insumo, seja energia elétrica, seja petróleo. Se você dá um sinal de preço incorreto, você vai desincentivar investimentos em aumento de capacidade, demanda em um momento em que há escassez de oferta”, afirma Araújo.
Para João Beck, economista e sócio da BRA, a taxa básica de juros nos prazos mais longos onera a opção pelo empréstimo e pode pressionar outros indicadores macroeconômicos. “Entendo que a redução do socorro não se dá somente por conta da melhora da crise hídrica, mas também pelo encarecimento do crédito de socorro a essas mesmas empresas. No ambiente macro é ruim, pois deve ocorrer alguma pressão inflacionaria, motivo de uma alta mais forte nos contratos de juros DI”, explica sobre o comportamento do mercado na segunda (17).
Impacto nas ações
O Índice de Energia Elétrica da B3, que mede o desempenho médio das empresas do setor elétrico listadas na bolsa brasileira, passou a segunda-feira (17), dia em que a notícia foi antecipada pelo Estadão/Broadcast, operando perto da estabilidade.
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As companhias que fecharam o pregão com o pior desempenho foram a Companhia Energética de São Paulo (CESP6) e a Companhia Energética do Ceará (COCE5), com quedas de 2,11% e 2,73% respectivamente.
Na terça (18), o IEEX seguiu em baixa de 0,06% mesmo com o desempenho positivo do Ibovespa, que subiu 0,28%. O destaque negativo é a Equatorial (EQTL3), que fechou o pregão com queda de 2,02%. Na outra ponta, os papéis da CESP se recuperaram após queda na segunda-feira (17), liderando as altas do setor com uma valorização de 1,26%.
Para os especialistas, porém, o comportamento das ações do setor está relacionado a outros fatores, variando de empresa para empresa. O pacote de socorro, por ter os custos repassados ao consumidor, não impacta no desempenho de mercado no longo prazo e, por isso, não altera as recomendações de investimento, afirmam.
Para Saliba, da AF Invest, as ações do setor elétrico já sofreram o impacto durante a crise hídrica e, agora, não há mais espaço para desvalorização. “Se você conhece o setor e é um investidor de mais longo prazo, é sempre oportunidade. Tem investidor que é de curto prazo que acaba vendendo os ativos porque vê que piorou o resultado. Mas o investidor de longo prazo espera”.
Na Perfin, a expectativa é positiva quanto ao desempenho das ações do setor. “A gente particularmente está muito positivo para 2022. Entre todos os setores da bolsa de valores, o setor elétrico é potencial na nossa visão”, afirma Marcelo Sandri.
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Ele destaca que, apesar das incertezas relacionadas à privatização da Eletrobras, promessa de geração de receitas no setor, o cenário é mais tranquilo do que o esperado e segue sendo uma boa alternativa para investimentos. “O ponto mais importante é que o setor elétrico é um setor altamente gerador de caixa. Em um ano eleitoral, complexo do ponto de vista macroeconômico, os setores mais defensivos são, no geral, um porto seguro para o investidor”.