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Por que Biden pode fazer muito mais para combater a inflação

O presidente americano disse que tinha um plano para reduzir as suas despesas e não os salários da população

Por que Biden pode fazer muito mais para combater a inflação
Joe Biden, presidente dos EUA (Foto: HilarySwift/TheNewYorkTimes)
  • Durante a fase inicial da pandemia de covid-19, o governo federal suspendeu os pagamentos de empréstimos estudantis
  • Em seu discurso sobre o Estado da União em março, Biden observou que “uma maneira de combater a inflação é reduzir os salários e tornar os americanos mais pobres”
  • Cortar os benefícios da Previdência Social ou do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP, na sigla em inglês) reduziria a inflação, , mas esses objetivos seriam alcançados empobrecendo os pobres e os idosos

(Matthew Yglesias, Bloomberg) – Quando se trata de inflação, o presidente Joe Biden faz duas coisas importantes direito – e erra em relação a muitas outras coisinhas. Infelizmente, tanto para seu governo como para os americanos afetados de forma desfavorável pelos preços mais altos, aquelas coisinhas se acumulam e ganham importância.

A mensagem do governo no que concerne à inflação é amplamente correta em duas frentes: se o Congresso adotasse suas ideias sobre política tributária, ajudaria a reduzir a inflação. E a única ideia que os republicanos aceitaram negociar é uma proposta do senador Rick Scott para punir os pobres.

Mas quando o governo deixa claro que “o presidente está empenhado em fazer tudo o que pode para baixar os preços” e o próprio presidente diz que o combate à inflação é sua “prioridade máxima doméstica”, é difícil levá-los a sério. Pelo noticiário e pelas minhas conversas com autoridades, é evidente que o combate à inflação não é, de fato, considerado como uma prioridade máxima.

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O exemplo mais explícito disso é a indecisão contínua a respeito do que fazer com a dívida dos empréstimos estudantis. Durante a fase inicial da pandemia de covid-19, o governo federal suspendeu os pagamentos de empréstimos estudantis. Na época, essa era uma medida útil de estímulo econômico, mas foi estendida inúmeras vezes e os EUA estão atualmente tendo dificuldades com o estímulo fiscal em demasia. A política de como reiniciar os pagamentos e quanto da dívida perdoar são complicadas. Mas a análise econômica é simples – a retomada dos pagamentos combate a inflação, e o perdão absoluto a alimenta.

Essa é a economia do ponto de vista da demanda. O maior problema está no lado da oferta.

Em seu discurso sobre o Estado da União em março, Biden observou que “uma maneira de combater a inflação é reduzir os salários e tornar os americanos mais pobres”. Ele prometeu que tinha “um plano melhor para combater a inflação: reduzir suas despesas, não seus salários. Façam mais carros e semicondutores nos EUA, mais infraestrutura e inovação nos EUA.”

Foi uma ótima fala para ganhar aplausos, mas revela uma profunda ambiguidade no pensamento bidenista.

A versão mais precisa do que ele está dizendo é que os EUA precisam de ideias para aumentar sua capacidade produtiva. Durante a maior parte dos últimos 20 anos, o PIB real dos EUA foi inferior ao seu PIB potencial porque o país sofria com um déficit de demanda. Agora que o déficit de demanda se foi – o que é uma grande conquista política – logo, mais crescimento terá que vir de um potencial maior. Os investimentos em infraestrutura devem ajudar a conseguir isso.

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Mas as palavras de Biden também podem ser lidas como um apelo por mais protecionismo.

Essa ambiguidade é evidente na investigação do Departamento de Comércio dos EUA em relação a se os painéis solares fabricados na China estão sendo vendidos a preços muito baixos no país. A aplicação de regras antidumping pode ajudar a impulsionar a fabricação doméstica de painéis solares. Mas também aumentaria os custos para a indústria solar doméstica, atrasando dezenas de projetos de grande escala. Mais painéis solares seriam fabricados nos EUA, mas produziriam menos eletricidade solar e enfrentariam preços mais altos.

Enquanto isso, no Departamento de Transportes dos EUA, a Administração Ferroviária Federal (FRA, na sigla em inglês) está tentando voltar a impor uma regra que exigiria a presença de duas pessoas para operar trens de carga. Essa é uma ideia que foi promulgada nos últimos dias do governo de Barack Obama como medida de segurança, e, depois, revogada pela gestão de Donald Trump.

Mesmo sob Obama, os benefícios de segurança dessa ideia eram duvidosos, porque o aumento das despesas como transporte ferroviário de carga empurra os produtos para os caminhões, que são, por natureza, menos seguros. Mas naquela época, esse tipo de prêmio para uma indústria sindicalizada era visto como uma medida útil de criação de empregos em uma economia atormentada por uma demanda fraca e um mercado de trabalho fraco. Agora, os EUA precisam de uma nova estratégia que enfatize as maçantes preocupações tecnocráticas e a eficiência.

O setor incontrolável mencionado está revisitando a política tarifária da era Trump.

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Uma estimativa confiável é que a revogação dessas tarifas poderia reduzir em 1,3 ponto percentual a inflação. Mesmo que isso seja otimista, não há dúvida quanto ao objetivo da mudança: as tarifas aumentam mecanicamente os preços ao tributar os produtos.

O lado positivo é que isso supostamente protege os empregos. Mas em um ambiente inflacionário, proteger empregos é ruim. Se os EUA importam mercadorias do exterior em vez de produzi-las internamente, isso libera os americanos para produzir ainda mais coisas em casa. Mas o governo Biden costuma adotar a perspectiva oposta – expandindo a regulamentação de longa data conhecida como Buy America em aquisições e contratações, como se o país estivesse desesperado por oportunidades de emprego.

Todas essas questões e políticas, sejamos claros, estão sendo debatidas no governo Biden. Mas nem todos parecem ter recebido o memorando de que o combate à inflação é a prioridade máxima.

Em algumas questões, talvez, não deveria ser. Os esforços de Biden para ajudar a Ucrânia a garantir sua independência foram inflacionários em inúmeros aspectos, mas ele decidiu que era um preço válido a ser pago para conseguir importantes metas de política externa. Cortar os benefícios da Previdência Social ou do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP, na sigla em inglês) reduziria a inflação, mas esses objetivos seriam alcançados empobrecendo os pobres e os idosos. Nem mesmo um público muito avesso à inflação quer a redução dela a qualquer custo.

Entretanto, o aumento da inflação é o principal problema que o país enfrenta no momento – por isso deve servir como um trunfo na maioria das disputas políticas. O presidente deve delinear um pequeno número de metas que considera como mais importantes que combater a inflação e, então, comunicar de forma clara ao seu gabinete que, no que se refere a tudo mais, combater a inflação é a missão número 1.

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Em muitos casos, a escala do impacto talvez seja relativamente modesta. Mas, no todo, fará diferença se o governo resolver dezenas de conflitos de escolha entre eficiência e outras metas em favor da eficiência. Em uma ampla gama de questões – a lei Jones, que regula a marinha mercante no país, as regras de mistura de etanol, a interpretação das doutrinas salariais vigentes, até mesmo a política de imigração – a decisão certa é aquela que minimiza a inflação.

A Casa Branca diz que concorda com essa proposta. Ela só precisa começar a agir com base nela.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários. Matthew Yglesias é colunista da Bloomberg Opinion. Cofundador e ex-colunista do site Vox, ele escreve o blog e a newsletter Slow Boring. É autor de livros, entre eles, o mais recente “One Billion Americans” (Um bilhão de americanos, em tradução livre).

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