- A confecção de um novo laudo de avaliação para avaliar o preço justo por papel a ser pago na OPA da Cielo (CIEL3) foi rejeitada na Assembleia Especial de Acionistas desta terça-feira (23)
- A votação estava suspensa desde o início de abril; um período de 21 marcados pela mudança de posicionamento das gestoras minoritárias, acusações de falta de transparência e revolta de investidores
- O E-Investidor entrou em contato com todas as partes envolvidas, a Cielo, os bancos e as gestoras minoritárias. Apenas BB e Az Quest se posicionaram; acionistas presentes nas AEs falaram com a reportagem
A Assembleia Especial de Acionistas (AEA) da Cielo (CIEL3), que havia sido suspensa no dia 02 de abril, foi retomada nesta terça-feira (23) com um resultado que abriu espaço para que a companhia deixe a Bolsa de Valores a um preço de R$ 5,60 por ação, mais uma correção do Certificado de Depósito Interbancário (CDI).
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A decisão ocorreu 77 dias depois que Bradesco (BBDC4) e Banco do Brasil (BBAS3), os controladores da empresa, anunciaram a intenção de fazer a oferta pública de aquisição de ações (OPA) da Cielo, em 07 de fevereiro. De lá para cá, o período foi marcado por uma discussão acirrada entre bancos, gestoras e investidores sobre qual seria o preço justo dos papéis na operação.
Este é o terceiro capítulo da “queda de braço” entre os bancões e minoritários sobre o futuro da Cielo na Bolsa. Para relembrar a história, você pode ler nesta reportagem de fevereiro sobre a suspensão do registro da OPA, quando um grupo de gestoras se posicionou contra o preço de R$ 5,35 por ação oferecido por Bradesco e BB para fechar o capital da companhia. Nesta outra reportagem, do início de abril, mostramos como parte desse grupo pegou o mercado de surpresa ao mudar de posição horas antes da Assembleia Especial de Acionistas (AEA) marcada para votar a realização de um novo laudo de avaliação da CIEL3.
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Agora, o foco é o retorno da AEA 21 dias depois, quando a proposta de um novo laudo foi rejeitada, abrindo caminho para que a companhia deixe a Bolsa a R$ 5,60 por ação. Para entender os bastidores dessa negociação, o E-Investidor entrou em contato com todas as partes envolvidas: a companhia, os bancos majoritários, as gestoras minoritárias e outros acionistas que estiveram presentes nas reuniões. A Cielo, o Bradesco, a XP, a Encore, a Clave, a Vinland, a Absolute, a Mantaro e a Ibiuna não comentaram. O Banco do Brasil disse que “entende que o preço oferecido na OPA da Cielo é justo”. E a AZ Quest explicou que não há nenhuma “narrativa” por trás da mudança de posicionamento em relação ao preço justo dos papéis.
A AEA realizada nesta terça-feira teve 380 milhões de votos contrários à realização de um novo laudo de avaliação contra 280 milhões de votos favoráveis e 18 milhões de abstenções. Isso não significa que a OPA da Cielo já está aprovada – a saída da Bolsa ainda precisa ser colocada em pauta e votada pelos acionistas futuramente –, mas, sem um outro laudo de avaliação, a discussão sobre o preço a ser pago por papel na operação parece encerrada.
O resultado representa uma vitória para Encore Gestão de Recursos Ltda., Clave Gestora de Recursos Ltda., Clave Alternativos Gestora de Recursos Ltda., XP Gestão de Recursos Ltda., AZ Quest Investimentos Ltda., Vinland Capital Management Gestora de Recursos Ltda., e Absolute Gestão de Investimentos Ltda, que, juntas, detêm cerca de 7% do capital social da Cielo e, às vésperas da AEA do dia 02 de abril, publicaram uma carta se comprometendo a apoiar a conclusão da OPA se o preço por papel oferecido fosse de R$ 5,60, mais uma correção pelo CDI – proposta prontamente aceita por BB e Bradesco.
Mas a rejeição de um novo laudo de avaliação não agradou outros acionistas minoritários, que viam na alternativa uma forma de tornar o processo da OPA mais transparente, e até mesmo, mais justo.
A Assembleia do voto vencido
Fontes ouvidas pelo E-Investidor relataram que a AEA realizada no início do mês foi tumultuada. Não por menos: a carta das 7 gestoras foi divulgada cerca de duas horas antes da Assembleia começar e pegou muita gente de surpresa. Tratava-se de uma mudança de posicionamento importante e representativa no posicionamento da XP, AZ Quest, Encore e Clave que, em fevereiro, publicaram uma carta assinada em conjunto com a Mantaro Capital e a Ibiuna Investimentos, e com endosso dos megainvestidores Luiz Barsi e Victor Adler, defendendo que o preço justo da CIEL3 seria de R$ 8,61.
Investidores que estavam presentes contam que houve muitos questionamentos a respeito das novas informações e da forma como a Assembleia foi conduzida, com direito a reclamações ao vivo e até troca de farpas. O sentimento geral era que as 4 gestoras tinham “traído” o resto dos acionistas minoritários ao mudar de opinião de forma repentina e que, sem o voto delas, não haveria espaço para pressionar por uma nova avaliação.
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A AE foi suspensa por 21 dias para que os presentes pudessem tomar conhecimento dos fatos até que a votação fosse retomada nesta terça-feira. O retorno da Assembleia já foi mais contido e muito disso se deve ao sentimento de “voto vencido” que prevaleceu entre os minoritários.
Sem o apoio das gestoras, para que um novo laudo fosse aprovado, Mantaro, Ibiuna, Barsi e Adler – os minoritários que mantiveram a posição em defesa da nova avaliação – precisariam votar a favor e ainda contar com o apoio dos outros investidores que estavam na AE. Ibiuna se absteve e, ao que tudo indica, Adler colocou suas ações para aluguel, perdendo o direito de voto.
O quórum da AE subiu de 546 milhões de ações, no início do mês, para 678 milhões. Como a Cielo determinou que só poderiam participar desta vez os mesmo acionistas que se cadastraram para a primeira Assembleia, os números indicam que, nesses 21 dias, alguém comprou novas posições ou colocou as ações para alugar, permitindo que outras pessoas votassem na AE – durante o período de vigência do aluguel de ações, o direito de participação em assembleias e de voto é do tomador do papel. Essa possibilidade foi levantada por mais de uma fonte ouvida pela reportagem.
A diferença entre o número de ações indica que o movimento só poderia ter sido feito por um acionista pessoa física com posição relevante. E Luiz Barsi usou suas ações para votar a favor do novo laudo.
“Votei favoravelmente ao laudo, da mesma maneira que sempre me posicionei inicialmente, pois acredito ser a forma mais apropriada de se discutir um preço justo para os acionistas e, ao mesmo tempo, continuar atraente para os controladores”, disse Barsi ao E-Investidor.
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A reportagem não conseguiu contato com Adler para confirmar o posicionamento na AE.
“Não dá para cravar que efetivamente foi ele, mas, dado que Barsi votou a favor do novo laudo, pelo volume só sobraria a posição dele”, avalia Hugo Queiroz, sócio da L4 Capital. Com a taxa de aluguel de CIEL3 está em 40% ao ano, um número elevado para a média do mercado, o movimento poderia ser lucrativo para um investidor com muitas posições, como Adler, ainda que por um curto período de tempo.
Pelo resultado da votação, é possível ver que o quórum “extra” de ações nesta segunda Assembleia ajudou a enterrar a possibilidade de realização de um novo laudo de avaliação da Cielo. Isso significa que quem alugou os papéis votou contra a proposta em pauta.
Revolta entre os acionistas
Os investidores de CIEL3 têm muitas reclamações a fazer a respeito da forma como o processo da OPA está sendo conduzido. A reportagem conversou com três acionistas que estavam presentes nas AEs: um tem 20 mil ações da Cielo; o segundo, 15 milhões; e o terceiro é sócio-fundador de uma gestora de investimentos. Todos votaram a favor da confecção de um novo laudo de avaliação nas duas ocasiões.
O sentimento não é contrário à OPA em si. Quem tem as ações da Cielo na carteira porque acompanha a tese de investimentos da companhia sabe que o fechamento de capital sempre foi uma possibilidade, especialmente dado que Bradesco e BB são os únicos grandes bancos brasileiros que ainda não incorporaram uma companhia de adquirência em seus sistemas. Itaú fez esse movimento com a Rede em 2012 e Santander com a Getnet em 2022.
O problema, segundo os investidores, é a condução do processo. Os relatos mostram um descontentamento com a falta de transparência dos bancos e gestoras, com o preço de R$ 5,60, com a falta de um laudo independente.
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“Dava para ter tentado brigar um pouco mais por um laudo que trouxesse algo mais equilibrado em relação a essa oferta de preço. Mas sou parcialmente grato às gestoras por pelo menos provocar a discussão, dado que houve alguma concessão”, diz Valter Bianchi Filho, sócio-fundador e diretor de investimentos da Fundamenta Investimentos, gestora com R$ 1 bilhão em ativos sob gestão.
Mas a avaliação sobre as gestoras que mudaram de posicionamento não é unânime, assim como o tom das reclamações dos investidores pessoa física é mais elevado.
“Os bancos fazem um fechamento de capital sem um laudo independente para definir o preço. Na sequência, vemos as gestoras mudando posição, o que evidencia a pressão e um conflito de interesses. Ou seja, o que pesa é que, independentemente do valor, a operação foi conduzida para lesar o minoritário”, elenca o acionista com 15 milhões de ações da Cielo.”
O outro acionista, com 20 mil ações da Cielo, disse que as Assembleias pareceram um “jogo de cartas marcadas”. Ele conta que, nas duas reuniões, chegou a abrir o microfone da teleconferência para fazer perguntas a respeito das deliberações, mas não teve respostas dos executivos da companhia, nem dos advogados que representavam as gestoras nas AEs.
Como uma posição pequena em uma briga de grandes players, ele reclama ainda da forma como a participação nas Assembleias foi organizada, segundo ele, para “barrar” outros investidores pessoa física. “Só abriram a participação na AE para quem estava na primeira reunião. Só que, à época, a posição de todas as gestoras era favorável ao novo laudo. De repente elas mudaram de opinião e quem queria se manifestar, não pode mais”, diz.
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Dois dias após a primeira AE, no dia 04 de abril, o investidor protocolou uma reclamação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em que pedia “intervenção da autarquia como reguladora do mercado, pois a reunião foi seriamente comprometida pela falta de isenção da companhia, por fato relevante liberado minutos antes da assembleia, por desrespeito à pauta do dia. Por conflito de interesses não respeitados nas votações presentes, e pela condução tendenciosa dos membros da mesa”, diz o documento.
Ele relata o desenrolar da Assembleia e “convida” a CVM para participar do ato, quando fosse retomado. A autarquia respondeu ao investidor cerca de 15 dias depois, na última quinta-feira (18), destacando que a reclamação foi encaminhada para o Serviço de Atendimento ao Acionista (ou Diretoria de Relações com Investidores DRI), que funciona como se fosse uma Ouvidoria. O prazo de resposta é de 15 dias.
“Ressaltamos que a CVM não tem competência para resolver demandas individuais de investidores, mas elas constituem fonte valiosa de informações para orientar nossas ações de fiscalização e supervisão do mercado”, diz a CVM na resposta.
Gestora defende mudança de posicionamento
Desde que os acontecimentos do início de abril, o mercado questionou o que pode ter levado XP, AZ Quest, Encore e Clave a mudar de ideia e aceitar condições tão menos favoráveis do que aquelas que exigiam anteriormente. No documento divulgado no início do mês, as gestoras afirmam que “realizaram novas análises internas, com o apoio em relatórios de casas independentes” e, “considerando as alternativas disponíveis e os possíveis cenários para a OPA, estão dispostos a votar contrariamente à realização de um novo laudo de avaliação”.
O E-Investidor tentou contato com todas elas, mas só teve retorno da AZ Quest. Welliam Wang, head de renda variável da casa, diz que a mudança de posicionamento foi “mais simples” do que as “narrativas” que circulam no mercado.
Ele explica que, no final de fevereiro, predominava a visão de analistas sobre o potencial do ativo, com base na visão que tinham sobre os negócios da Cielo. Por isso, fazia sentido defender que a OPA fosse realizada a um preço maior por papel.
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Depois, esse entendimento foi sendo susbtituído pelo que Wang chama de “visão de arbitrador do mercado”. A arbitragem é uma estratégia de curto prazo que busca lucrar com a diferença de preços na compra e venda de um ativo. Podendo garantir o preço de R$ 5,60 e lucrar com a pequena diferença da cotação atual da ação, o entendimento é que não valeria a pena esticar a corda na negociação com os bancos – que, segundo Wang, foi bastante “amigável” – e correr o risco de perder a oferta.
“Em algum momento, começou a entrar fluxo comprador de fundos multimercados e até algumas mesas de tesouraria, visando o retorno de arbitragem. É um retorno sem risco ou risco muito baixo e, por mais que não seja um upside de 20%, 30%, consigo alocar dez vezes mais capital com um risco muito menor. E foi isso o que aconteceu”, diz Wang. “O nosso grupo entendeu que, vis a vis o preço de tela, parece ter um retorno razoável e ter uma oportunidade de arbitragem. Esse grupo acabou se coordenando e votamos contra o novo laudo.”
A CIEL3 encerrou o pregão do dia 01º de abril, o último antes do preço de R$ 5,60 por papel surgir na discussão, cotada a R$ 5,42. Sem considerar a correção do CDI, um investidor que comprasse a ação neste preço visando a OPA teria um potencial de ganho de apenas 3,32%. Em comparação ao preço que a ação negociava antes da OPA ser proposta, na primeira semana de fevereiro, de R$ 4,98, seria um ganho de 12,4%.
Ainda assim, o preço de R$ 5,60 por papel é cerca de 34,9% menor aos R$ 8,61 que a AZ Quest e as outras gestoras pleiteavam em fevereiro. A CIEL3 encerrou esta quarta-feira (24) valendo R$ 5,59. E tudo indica que o enredo dessa história, de fato, não terá um final feliz para os acionistas minoritários.