- Quando uma empresa mente num ponto da prestação de contas, provavelmente há outras mentiras a serem descobertas
- É preciso estar atento ao desalinhamento de interesses entre os acionistas e os administradores
- Uma estratégia do investidor para evitar cair em armadilhas é acompanhar trimestralmente os balanços
Desde o episódio em que as Lojas Americanas revelaram dívidas bilionárias que estavam fora do balanço, muitos gestores e especialistas em finanças vêm alertando sobre contabilidade criativa e embelezamento nas demonstrações financeiras. Estaria o ciclo pós-covid, de juros mais altos e cenário mais desafiador, forçando as empresas a maquiar desempenhos medíocres, resultado de teses econômicas que não se concretizaram?
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“Nunca há apenas uma barata na cozinha”, citam alguns deles em podcasts de finanças, repetindo uma frase atribuída a Warren Buffett – maior referência em avaliação de empresas do mundo – sobre a falta de transparência nos negócios.
Quando uma empresa mente em um ponto da prestação de contas, provavelmente há outras coisas a serem descobertas.
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O “embelezamento de balanços” sempre existiu, diz o professor de finanças Ricardo Rochman, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), citando como exemplos a Enron e AOL, que no final dos anos 1990 protagonizaram escândalos contábeis que fizeram todo o mercado reavaliar suas demonstrações financeiras.
Desde então, inúmeros instrumentos de autorregulação foram criados. No Brasil, o efeito disso foi o surgimento do Novo Mercado, segmento da B3 que agrega empresas comprometidas com a transparência de suas informações e proteção aos acionistas. Mas o selo de governança por si só não é garantia de que os números não estão sendo maquiados.
Confiança é a base, mas desconfie
Andriei Beber, instrutor do curso de Finanças do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), alerta: ainda que a confiança na gestão seja a base, ela nasce do desalinhamento de interesses entre os acionistas e os administradores.
“As demonstrações financeiras precisam mostrar o quanto desses recursos estão sendo bem administrados”, diz, justificando o padrão internacional IRFS (Normas Internacionais de Relatórios Financeiros, em português). “A partir de informações padronizadas podemos comparar diferentes empresas e setores para fazer um juízo de valor adequado.”
As notas explicativas também são um instrumento importante para a compreensão das informações preenchidas nos balanços. Ainda que haja um rigor metodológico nas regras internacionais de contabilidade, existem margens de julgamento da empresa ao reportar seus dados. “Cabe a quem analisa, procurar evidenciar como aquela empresa está interpretando a alocação dos recursos”, diz Beber.
Para o investidor comum, a análise das notas explicativas pode ser desafiadora, pela linguagem técnica. Além disso, por mais que as regulações se adaptem, sempre haverá quem tentará sobrepujá-las de forma a parecerem melhores do que são, principalmente em momentos difíceis.
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“Depois da covid-19, muitas empresas passaram a sofrer bastante”, argumenta Rochman, da FGV. “Algumas delas, em vez de mostrar seus resultados reais, passaram a embelezar suas demonstrações na expectativa de abandonar a prática quando as coisas melhorarem. É aí que os escândalos acabam acontecendo.”
Travessuras nas demonstrações financeiras
Rochman escreveu recente artigo falando das travessuras da 123 Milhas, que registrava gastos de marketing como ativo intangível, numa “interpretação criativa” das regras contábeis. Um procedimento similar adotado anteriormente pela Enron e AOL, notou o professor.
Os profissionais da Squadra Investimento também já chamaram atenção para armadilhas montadas em balanços, usando jargões do mercado como “underserved sales”, para alertar sobre o chamado custo de aquisição de clientes (CAC) que inflam a base que não se reverte em vendas.
Também já citaram práticas de fundos imobiliários que pagam dividendos superiores à geração de caixa recorrente enquanto, do outro lado, se utilizam de repetidas emissões de dívidas.
Sérgio Trindade, especialista em M&A e sócio da Fiplan Planejamento Financeiro e Gestão, reforça que a arma do investidor para evitar cair em armadilhas é acompanhar trimestralmente os balanços das empresas e compará-las. “Não evita, mas pode acender a luz amarela”, diz Trindade, lembrando que o caso Americanas passou despercebido por muito tempo mesmo sendo uma empresa acompanhada por gestores competentes de instituições de equity e research.
O que olhar nos números
Como o investidor pode se prevenir de cair numa armadilha e tentar escolher na maior parte do tempo empresas realmente boas? A seguir, alguns pontos em que os especialistas costumam enxergar indícios de problemas:
Crescimento dos intangíveis
Dentro do balanço patrimonial, os intangíveis podem esconder segredos. Justamente por serem impalpáveis, são mais fáceis de trazer inconsistências.
O caso da 123 Milhas é um exemplo em que a companhia pegou o investimento em formação de carteira, transformando despesa em ativo.
Contas não usuais
Tudo o que aparece nas demonstrações financeiras e nos balanços de resultados segue um padrão e, portanto, itens que não são muito comuns podem dizer alguma coisa.
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É importante olhar as notas explicativas para entender o objetivo lançado e digitar no Google para saber o que quer dizer a conta incomum.
Ebitda ajustado
O Ebitda é uma medida de lucratividade das empresas e há uma prática disseminada do ebitda ajustado da qual muita gente no mercado desconfia. Há quem entenda que os ajustes são feitos para mostrar números melhores do que os reais.
Contas recorrentes e não recorrentes
Nas demonstrações financeiras, as empresas registram receitas ou despesas recorrentes, que são a parte natural do negócio, e as não recorrentes, fatos extraordinários. Muitas vezes, registros de despesas identificados como não recorrentes são exatamente o oposto e esse “embelezamento” pode ser usado para a empresa parecer menos endividada do que realmente está de forma a garantir taxas de créditos menores.
Por isso é importante analisar o histórico de quatro, cinco anos da empresa para identificar mudanças de padrão.
Bons resultados com endividamento crescente
É importante notar a evolução das demonstrações para identificar se a empresa está gerando caixa. Uma companhia que toma dinheiro emprestado vai se endividar e, neste caso, o importante é saber para onde está indo o dinheiro.
Uma empresa que mostra dívida líquida pequena ou incompatível com a despesa financeira (pagando juros altos) pode ser um indicativo. É recomendável comparar os juros pagos nas emissões de dívidas da companhia analisada.
Três perguntas básicas para responder numa análise
A empresa ganha dinheiro?
Para responder a essa pergunta é preciso olhar a DRE, que é um resumo ordenado de receitas e despesas. A DRE dizendo que a receita menos despesas é positiva, este é o primeiro passo para dizer que a empresa gera valor.
Onde está o dinheiro?
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O balanço patrimonial é a listagem de ativos e passivos, bens e direitos e ônus e obrigações; ajuda a entender a estratégia do negócio.
Qual a rentabilidade do negócio?
Onde as verbas estão sendo aplicadas, qual o tempo médio de estocagem, pagamento e recebimento. A rotatividade influencia na rentabilidade.
Não são análises fáceis de serem capturadas, mas é uma análise que vai além das demonstrações e chegam às notas explicativas.
Ferramentas como Fundamentus.com.br e nordinvestimentos.com.br/fundamentos podem auxiliar na comparação e na busca por informação de empresas listadas.
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