A cadeira está temporariamente ocupada por Otto Lobo, diretor mais antigo na CVM e figura conhecida pelo bom relacionamento com autoridades políticas e do judiciário, além de imprevisibilidade de voto. Seguem no board os diretores João Accioly e Marina Copola.
Entre os três ex-colegas, Copola é o nome que conta com o apoio de Nascimento para sucedê-lo no cargo. Não é difícil entender o motivo: os dois frequentemente votavam na mesma direção em análises de casos complexos. Juntos, representavam uma ala vista como mais austera na CVM, enquanto Accioly tende ao sentido oposto. Lobo, por sua vez, é lido como “figura coringa”, que costuma compor votos com o lado “vencedor”.
Procurados, João Pedro, Copola e Accioly não comentaram a sucessão e Lobo refutou as alegações sobre seus votos. “Quando identifiquei condutas merecedoras de punição, votei por elas. Quando entendi que não havia elementos suficientes para uma condenação, me manifestei em favor da absolvição. Essa é, a meu ver, a forma mais responsável e legítima de exercer a função de julgador”, disse.
Copola e Nascimento, por exemplo, votaram a favor da condenação do CEO da Ambipar à realização de uma oferta pública (OPA). Segundo investigação conduzida pela CVM, Tércio Borlenghi Junior agiu em conjunto com fundos do Banco Master e o empresário Nelson Tanure para inflar os papéis da companhia em 863% em menos de três meses por meio da compra coordenada dos ativos.
No final, segundo a área técnica, o controlador chegou a deter mais de 73% da Ambipar. Na visão de Nascimento e Copola, um desrespeito ao artigo 30 da Resolução 85 da CVM. A norma diz que todo acionista controlador que ultrapassar 1/3 do capital, sozinho ou em grupo, precisa realizar a oferta pública. Procurado, Tanure preferiu não se manifestar. Os demais envolvidos não responderam aos questionamentos da reportagem.
Borlenghi só não foi condenado porque o julgamento, iniciado em junho, foi paralisado após Lobo fazer um pedido de vistas. O caso só foi retomado na última terça-feira (29), depois da renúncia de Nascimento. Em um movimento polêmico enquanto presidente interino, Lobo reverteu a decisão que seria desfavorável ao CEO da Ambipar, desrespeitando o entendimento da procuradoria da CVM ao reivindicar uma dupla contagem de votos, como diretor e agora presidente.
Em outra ocasião, os votos da diretora e do ex-presidente também convergiram. Os diretores analisavam um termo de compromisso enviado por Daniel Vorcaro, presidente do Master, e pelo empresário Antônio Freixo, da Entre Investimentos. O caso envolvia operações fraudulentas feitas com cotas do fundo imobiliário Brazil Realty, que investia em empreendimentos relacionados a Vorcaro. Empresas ligadas ao pai e o primo do presidente do Master também tinham ligação com o FII, segundo a investigação conduzida pela área técnica da CVM (leia mais nesta reportagem).
Procurados, Master e Vorcaro não retornaram os questionamentos da reportagem. Antonio Freixo e Entre afirmaram que embora nenhuma responsabilidade tenha sido atribuída a eles no processo em questão, decidiram apresentar propostas de acordo para encerrar o caso de forma definitiva. “As propostas foram consideradas adequadas pelo Comitê de Termo de Compromisso (CTC) da CVM”, disseram, em nota.
Copola e Nascimento votaram contra a aceitação do acordo, que previa um pagamento de R$ 21,2 milhões pelos compromitentes. Accioly, por sua vez, pediu vistas do processo. “Irei me manifestar nos autos tão logo tenha formado meu entendimento”, disse o diretor, à reportagem. Já Lobo não manifestou voto. “Quando da retomada do julgamento, apresentarei o meu entendimento a respeito do caso”, salientou o interino.
Uma nova composição na CVM
Apartada de polêmicas e lida como “técnica”, Copola é considerada a mais discreta entre os membros do colegiado. Nona diretora da autarquia desde 1977, ela está no páreo para se tornar a segunda mulher à frente da CVM na história.
“Normalmente, o colegiado da CVM é formado por quatro homens e uma mulher. Chegou a hora de equilibrarmos esse número, com rodízio também na presidência. Tanto se fala em diversidade, é preciso praticar”, diz Renato Chaves, especialista em governança corporativa.
Chaves aponta ainda a necessidade de aumentar a diversidade de profissões na mais alta cúpula da autarquia. Hoje, todos os diretores são advogados. Nenhum deles é funcionário de carreira da CVM, o que pode tornar o ambiente propício para conflito de interesses, segundo o especialista. Após sairem do órgão fiscalizador, os advogados podem atuar para as empresas listadas que anteriormente julgavam, por exemplo.
“Qualquer diretor que não seja funcionário público vai trazer conflito. Por isso que eu defendo que só funcionários públicos de carreira do Estado façam parte do colegiado. Poderíamos contar com economistas, contadores, pessoas de outras profissões, vindas das próprias áreas técnicas da CVM, do Banco Central ou da Receita Federal, por exemplo. O que não falta é gente qualificada”, aponta Chaves.
A reivindicação é partilhada pelos superintendentes da CVM, que publicaram no fim do mês passado uma carta aberta, endereçada ao Congresso e ao governo federal. No texto expunham preocupações com a saída de João Pedro e pediam pela recomposição do colegiado, que agora está com 2 vagas em aberto. Fora a presidência, a cadeira que pertencia ao ex-diretor Daniel Maeda continua desocupada há sete meses.
Eles solicitam a nomeação de pelo menos um membro técnico de carreira da CVM para o colegiado. “Fator crucial de equilíbrio e continuidade regulatória”, disseram os 20 servidores que assinaram a carta aberta. Nas últimas duas décadas, apenas quatro diretores da CVM vieram de dentro da “casa”: Eli Loria, Roberto Tadeu, Carlos Rebello e Daniel Maeda.